Isa, minha jovem secretária, entra esbaforida em minha sala:
- ‘’doutor, o senhor Felix está na
portaria, muito nervoso, não marcou hora, mas disse que precisa falar com o
senhor, com muita urgência’’. ‘’Mande
subir e o traga direto a minha sala.’’ Felix era meu cliente há quase 5
anos. ‘’Herdara-o’’ do pai, que
enriquecera, comprando imóveis semi-destruídos, a preço de banana,
recuperando-os e, depois, alugando. Para o velho Alcebíades patrimônio era o
que ‘’se pode pisar, andar em cima’’, como costumava dizer. Felix continuou o
negocio do velho e devia ter mais de cem imóveis, espalhados por toda São
Paulo. Tinha não mais do que 50 anos, cultura quase nenhuma, mas muito hábil em
seu negocio. Apesar de rico, tinha hábitos espartanos: carro comum, que só trocava
de tempo, em tempo, sempre de calça jeans e camiseta. Seu único luxo era a casa
de praia, no litoral sul, onde reunia os poucos amigos para um churrasco. Era
casado, ou melhor, mantinha união estável com Leila, 20 anos mais jovem e que
ele conhecera e tirara de uma ‘’casa de
massagem’’. Felix tinha estranho hobby: gostava de ler livros de direito
penal e assistir a filmes americanos, onde havia grandes julgamentos. Era
calmo, no falar e, nestes 05 anos, jamais o ouvi dizer um palavrão ou se
exaltar, porisso estranhei, quando ele entrou em minha sala, agitado e logo
dizendo, sem nem mesmo me dizer bom-dia:
- ‘’vou matar aquela
desgraçada e o senhor vai me defender, alegando legitima defesa da honra’’.
A secretária trouxe água e café, esperei que ele se acomodasse na poltrona,
para só então começar a conversa, que prometia longa e difícil:
- ‘’meu caro Felix,
primeiro me conte o que aconteceu, mas desde já devo dizer-lhe que, depois que
inventaram produtos de limpeza, detergente, sabão em pó, essas coisas, lavar a
honra com sangue não pega como argumento de defesa. Além do mais, existe uma
campanha internacional, combatendo violência contra a mulher. Até um tapinha,
na hora da transa, que ajudava a ‘’esquentar’’ o clima, tá proibido, vira
indenização. Mas, vamos lá, abre seu peito’’.
- ‘’É o seguinte: minha
mulher, aquela infeliz que eu tirei do puteiro, que dei conforto, carinho,
aquela filha daquilo que o senhor sabe o que é, anda me traindo e eu vou
enchê-la de bala, e daí é que vou precisar de sua ajuda.’’
- ‘’Ajudar a matá-la,
não posso, Felix. Talvez resolver o problema, uma separação...’’
- ‘’Só isso, doutor?
Ela me bota chifre, me humilha, a gente separa e minha honra, como é que
fica?’’
- ‘’Melhor do que ficar
vingado, mas preso, estragar sua vida. Você ainda é jovem, pode arranjar outra
mulher que lhe dê amor, que envelheça com você...’’
- ‘’Pelo menos
processá-la por adultério, pra que ela passe uns tempos na cadeia...’’
- ‘’Desculpe, Felix,
mas, no Brasil, adultério não é mais crime, mas, mesmo quando era, a pena,
branda, não levava à prisão.’’
- ‘’Mas que droga de
País é esse, Doutor? Vem uma puta, mancha sua honra e fica por isso mesmo?
Porisso que essa droga não vai pra frente, é esta esculhambação toda, dignidade
não tem valor, ninguém respeita nada.’’
- ‘’Meu querido Felix,
você sabe como eu gosto de você, tanto quanto gostava de seu pai. Porisso me
responda, com sinceridade: você sempre foi fiel a sua esposa, nunca saiu com
outras mulheres?’’
- ‘’Pô, doutor, mas
homem é diferente. Essas beliscadas, que damos por aí, não envolvem sentimento,
o senhor não acha?’’
- ‘’Não acho nada,
Felix, ate porque o que eu acho ou deixo de achar, não interfere em seu
problema. Mas, me diga uma coisa: você tem ‘’comparecido?’’
- ‘’Muito de vez em
quando, minha vida é um corre-corre, chego cansado e bato direto na cama, às
vezes nem janto!’’
- ‘’Pois é isto, meu
caro, sua mulher é jovem, precisa de assistência e, se você não dá, ela vai
procurar quem dê. Me diga uma coisa: você ainda gosta dela?’’
- ‘’O senhor deve tá
brincando! Não sou homem de lustrar chifre. Quero mais é que ela volte de onde
veio! Veja quanto essa vagabunda quer para sumir de minha vida, prepara a
papelada, enquanto isto, vou morar em um flat, porque se me encontrar com ela,
faço uma besteira’’.
Dois dias depois, ela, atendendo a meu chamado, veio a meu
escritório. Humilde, olhos para o chão, nitidamente constrangida, revelou: ‘’gosto do Felix, doutor, devo tudo a ele, me
tirou da vida, mas, nos últimos tempos esqueceu que sou mulher. Só faz reclamar,
que a roupa está mal passada, a comida sem gosto. Faz mais de um ano que não
vamos a um cinema, a um restaurante. Deixa uma merreca para as compras e, se
vou ao cabeleireiro, fica histérico. Sou tratada pior do que empregada
domestica’’. Apesar de vestida de forma simples, saia e blusas surradas,
Leila era uma bela morena, coxas torneadas, bunda firme. Ainda estava longe dos
40. Desprezada e humilhada, era presa fácil. E foi! Um implante levou-a ao
dentista que com ela se encantou. Deliberadamente o tratamento foi prolongado,
ate que ele implantou nela outra coisa. A relação entre os dois já estava
chegando ao fim. Tinham combinado uma despedida, em grande estilo, no motel de
sempre. Para azar dela, o carro deles cruzou com o de Felix, que os seguiu e o
resto foi um bate-boca que ela, para não apanhar, trancou-se, no banheiro de
onde só saiu, quando ouviu o carro dele dar a partida. Acertamos um valor a ser
pago a ela, redigi, na hora, um ‘’termo
de rescisão de união estável’’, com o qual ela concordou e, no dia
seguinte, fomos a Cartório assinar a rescisão. Ela recebeu o cheque, no valor
combinado, Felix dirigiu-lhe algumas ofensas, que ela ouviu, calada e fomos
embora, eu e ele para um lado, ela para outro. Cerca de um ano depois ela
telefona, marcando uma hora. Precisava de meus serviços profissionais. Chegou,
elegantemente vestida, as mesmas coxas torneadas. Abrira uma casa de massagem,
em imóvel alugado e agora queria comprá-lo. Com um sorriso largo, contou-me:
- ‘’O negócio vai bem,
tenho 20 meninas, rigorosamente selecionadas, com uma freqüência predominante
de orientais, que não tem dó de meter a
mão no bolso, às vezes pagando em dólar. Sabe quem, toda semana, passa por lá?
Exatamente, o Felix! O problema é que ele só quer ficar comigo, pode?’’