Corre a boca solta que este será o natal dos presentinhos,
adquiridos no mercado alternativo. Lamento, pelos comerciantes estabelecidos e
pelos empregos não gerados. Por outro lado, rejubilo-me, porque talvez seja a
oportunidade de as pessoas, angustiadas em seus apertos financeiros, até como
quem grita por socorro, pensarem um pouco no ‘’dono da festa’’, o
aniversariante, que nasceu humilde, viveu humilde e pregou a humildade. Já faz
muito tempo que divido o natal em duas partes, absolutamente distintas: o natal
do menino Jesus, festa maior da cristandade (este ‘’maior’’ a gente discute em
outra ocasião!) e o Natal do comércio, da troca de presentes. Sempre gostei dos
dois, por mais que o segundo banalize o primeiro. Emociono-me com a coragem de
Maria, a credulidade de José e a candura daquela criança. Pelo menos para mim,
o presépio é o verdadeiro símbolo da festa, enquanto a arvore é o enfeite, o chamariz
do comércio para o consumo. Todavia, também me alegra o segundo. Pelo menos, um
dia no ano, lembramo-nos que nosso semelhante existe, principalmente o
porteiro, que nos abre a porta, o manobrista, que nos traz o carro, o garçom,
que nos serve a mesa, o lixeiro, que remove os dejetos, essas pessoas anônimas
que, no cotidiano, passam-nos indiferentes, mas sem as quais o viver seria
quase impossível. Os idiotas da objetividade – para relembrar Nelson Rodrigues
– repudiam o Natal – ou dizem repudiá-lo – alegando ser ele o momento em que
afloram, com mais intensidade, as diferenças socioeconômicas. Mas, o que fazem
eles, ao longo do ano, para minimizarem essas diferenças? A que instituições
ajudam? Modestissimamente, faço minha parte, julgando-me merecedor de comemorar
os dois ‘’natais’’. Ainda me emociono, vendo, agora meus netos, rasgando e
abrindo pacotes, em busca do presente secreto. Procuro ler em seus olhos o
contentamento ou a satisfação. Como os tempos são bicudos, há que se usar com
parcimônia cartão de crédito e de débito. Eu, cá de mim, tenho critério definido
para presentear: às crianças, brinquedo; aos familiares, roupa e aos amigos e
clientes, livro ou vinho. Como o aumento do dólar jogou o preço de qualquer
vinho honrado acima do limite estabelecido, este ano irei de livro,
especialmente dois, que acabei de ler e que inundaram de prazer meu coração e
mente. Falo de ‘’O Doador de Memórias’’ e de ‘’Unidos do Outro Mundo’’ este
ultimo, saborosa e digestiva ficção do Boni, que nos faz viajar com ele,
visitando artistas, que já se foram, mas que se imortalizaram em suas
diferentes artes. O ‘’Doador de Memórias’’ nos faz refletir sobre o mundo
preferido: esse, que vivemos, nesta alternância de ódio e amor, alegria e
tristeza, vitoria e fracasso, ou, outro, absolutamente simétrico, sem conflitos
reais e sentimentais. E, antes que eu me esqueça, ambos custam menos de 50
reais!
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