segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Saber onde é o seu lugar

Outro dia, lia eu antiga crônica do escritor Mario Prata, onde fala ele da fixação que temos por lugar, no sentido de ‘’espaço ocupado’’, o que, só nos permite ver as coisas do mesmo ângulo, com prejuízo, em relação a uma visão, por inteiro. Recostei na poltrona e viajei no tempo e não é que meu ilustre conterrâneo tem razão? No grupo escolar e no ginásio, minha carteira situava-se no centro da sala de aula, mas sempre a mesma, por mim, unilateralmente escolhida e mantida, do primeiro ao ultimo dia de aula. No curso clássico e na faculdade, era eu o segundo, na extrema direita do professor, Na casa de meus pais, era o primeiro, à direita do ‘’velho’’ e a foto, aqui na parede, não me deixa mentir. Perdia eu, daquele lugar, a visão da janela que se abria, da sala de jantar, para o corredor lateral, cujo muro era coberto por acácias e flamboyants. Em minha casa, sento-me na cadeira, ao lado da cabeceira da mesa, de costas para a parede. Como diz um dos meus filhos: ‘’aqui, ninguém tem lugar marcado, desde que se sente, sempre, no mesmo’’. Em meu escritório, a mesa de reunião é redonda, mas me sento na mesma cadeira, defronte à porta. Desde a época de criança, nos ‘’rachas’’ de rua, tijolos à guisa de traves, fui goleiro e segui goleiro, no ginásio, no colégio, na faculdade, no futebol de praia e terminei goleiro, alguns anos atrás, num jogo de futebol society, quando, esquecido da carteira de identidade, fiz uma defesa acrobática. Quatro para me tirarem do chão e me levarem para casa e dar por encerrada minha longeva carreira. Em resumo, repetindo Mario Prata, sempre soube onde era meu lugar. Ah, esqueci de dizer que, na missa dominical, sento-me, de larga data, no mesmo banco. E, para não correr o risco de vê-lo ocupado (o que, por certo me deixaria bastante irritado), procuro chegar à Igreja, com antecedência. É claro que esta obsessão, ou, vá lá, mania de ocupar sempre o mesmo lugar, tem a desvantagem de ver as coisas sempre pelo mesmo ângulo. Por isso, perdi as flores na infância, como não via o céu, no colégio, olhos voltados para a parede. De minha cadeira de trabalho, perco a visão da Avenida Paulista e, da mesa de reunião, apenas contemplo a porta, como se estivesse vigilante ao ataque invasor. Todavia, saber qual é o meu lugar, envolve-me em sensação de segurança, protegido das surpresas que, nesta quadra da vida, tornam maiores os perigos a serem enfrentados.

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