quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Um dia para esquecer




O dia amanheceu cinzento sobre meu escritório e sobre todos os escritórios de advocacia de nossa cidade e, por certo, de todos os do País, mesmo onde haja sol. Ontem, ocorreu mais um golpe de Estado, em nosso desafortunado País, o pior dos golpes, porque, com a força da caneta, o Supremo Tribunal Federal rasgou a Constituição Federal, do qual é guardião e subjugou o Senado da República. Todos que me honram, acompanhando meus quebrados escritos, sabem de minha aversão ao PT, a seus membros e a seu ideário. Todavia, acima dessa aversão, instalo minha subserviência ao Direito, campo de onde tiro meu sustento há quase meio século, Direito, sem o qual o homem seria equiparado às brutas feras. Portanto que não se veja nestas palavras defesa a Delcídio do Amaral, figura abjeta, que maculou o já tão aviltado Senado da República e que deve ser exemplarmente punido porisso. O que repudio é que, agindo com o fígado ou para afastar suspeitas injuriosas, o Supremo se apequenou e apagou todo o conteúdo do §1° do art.53 de nossa Lei Maior que determina ‘’desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crimes inafiançáveis.’’ Ora, quem acompanhou o noticiário, teve a exata percepção que as condutas ilícitas, perpetradas pelo nefasto Senador, já estavam consumadas. Outras adviriam, se o abominável projeto não tivesse sido abortado, mas esses ‘’futuros crimes’’ estavam na fase da ‘’cogitação’’, que, na sistemática de nosso ordenamento jurídico, não se pune. Não há um mínimo de sustentação fática para se argumentar que se caracterizou o ‘’flagrante’’ ou mesmo o ‘’quase flagrante’’. O primeiro ocorre quando há absoluta concomitância entre a ação delitiva e a prisão do agente; o segundo, quando a prisão ocorre logo após o crime e o agente ainda se encontra na esfera de vigilância da Autoridade Policial, situações que não ocorreram, no caso do Senador, preso, quando já estava instalado, em sua casa. Justificar a prisão em flagrante, como o fez o Ministro Teori Zavaski, sustentando que, no caso, tratava-se de ‘’crime permanente’’ é mero sofisma jurídico, que não honra a inteligência do insigne Ministro. Em simplificado conceito, ‘’crime permanente’’ é aquele cujos efeitos prosseguem mesmo após sua consumação, como acontece, por exemplo, no sequestro, enquanto a vítima ainda estiver em poder do sequestrador. No caso do Senador Delcídio, o crime de ‘’obstrução à justiça’’, nem mesmo se consumou, vez ter sido tal consumação abortada, com a entrega da gravação à Polícia. Por ainda grave, pela violação à mencionada norma constitucional, é desconhecer que, na hipótese, não há que se falar em crime inafiançável, pois a lei, de forma a não permitir interpretação extensiva, especifica quais são os crimes inafiançáveis, dentre os quais não figura o imputado ao Senador Delcídio. O Supremo quis confirmar sua imagem de independência e lisura, que, pelo menos por enquanto, ninguém questiona. E o Senado, ao coonestar tal excrescência jurídica, colocou-se de joelhos, diante do Supremo, deixando a nítida impressão que, preocupado com os deslizes de muitos de seus membros, acovardou-se, temendo o confronto com a Corte Suprema. Que o ‘’sol da liberdade em raios fúlgidos’’ volte a brilhar sobre a cabeça de todos os brasileiros, o que só acontecerá quando a lei for obrigação imposta a todos, com maior razão, aos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

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