Começávamos, quase sempre, pelo ‘’Aladin’’, um bar, sem maiores pretensões, dentro de nossas parcas
condições financeiras e que ficava ali na Bernardino de Campos, ‘’entrada’’ da Avenida Paulista. Entre
chopes e quibes, discutíamos musica e literatura, com a segurança inconseqüente
da juventude: ‘’Sabiá’’, ou ‘’Pra não dizer que não falei de flores’’?
E tome discussão sobre a finalidade da arte. A “arte pela arte”, dos
parnasianos ou a ‘’arte engajada’’,
dos realistas? Bandeira ou Drummond? E minha preferência pelo primeiro, certa
vez, quase resultou em agressão física, com um dos presentes, atirando-me o
conteúdo do copo. Deixávamos para trás os autores brasileiros e, meio às tontas,
na selva escura de nossa ignorância, avançávamos pela literatura estrangeira,
eu, sempre na linha do ‘’politicamente
incorreto’’, exaltando os romancistas ingleses: - ‘’Sartre é uma besta, que só agrada a esta esquerda podre. ’’ E lá
vinha o Vidal – o mais culto do grupo – a repetir seu bordão preferido: - ‘’cara, reacionário e pobre, não combina’’.
Eu e Paulo éramos os únicos ‘’reacionários’’ daquele grupo de 10 ou quase. Lá
pelo décimo chope e algumas vodcas de permeio, para me irritar, os ‘’outros’’ começam a cantar ‘’Caminhando’’, do Vandré, que fizera
sucesso no último festival, a que eu respondia com um palavrão e saia, batendo
os pés, até que alguém me alcançasse na calçada, fazendo-me voltar ao convívio
dos semi-embriagados. Foi, então, que ‘’bolei’’ um plano para sufocar os membros
daquela esquerda boemia. Como era possuidor de bela enciclopédia literária –
que, apesar de desatualizada, ainda conservo comigo – recorria a autores,
absolutamente desconhecidos, que abonavam minhas teses, sem nem eles mesmos
saberem: - ‘’que Brecht, que nada. Você
já leu o sociólogo Daniel Bell?’’ É claro que eu nunca tinha lido, mas
citá-lo, revestia-me de uma aura de sapiência, que impressionava meus
opositores. E eu citava, como se fosse do tal Bell, pensamentos que eram meus,
apenas revestidos de palavras e imagens rebuscadas. Não me envergonhava de tal
estratégia, até porque, mais 10 chopes à frente, os debates acalorados eram
esquecidos, alguém alcançava um violão e cantávamos as músicas de sucesso, até
sermos, mesas e cadeiras empilhadas, colocados para fora.
Constato, sem tristeza, mas com doce lembrança, que o ‘’Aladin’’ não mais existe e os
companheiros daquelas noitadas perderam-se na inexorável poeira do tempo.
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