terça-feira, 19 de maio de 2015

Por que não falar da morte?

Queixa-me amiga queridíssima de que tenho quase fixação pela morte e, sem justificativa plausível, mato meus personagens. Que culpa tenho eu, querida amiga, se ela, a morte, é nossa companheira inseparável? A vida não rende dividendos, não desperta interesse, não promove manifestações e nem mesmo vende notícia. Quantas crianças nasceram nos últimos dias e alguém falou delas? Ao contrario, o terremoto no Nepal, que produziu milhares de vítimas, continua sendo assunto, assim como o eterno conflito no Oriente Médio, os refugiados, que morrem no Mediterrâneo, etc, etc. Se você reza a ‘’Ave Maria’’, termina dizendo ‘’...rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte...’’ Leia as revistas do último fim de semana: surgiu nova ‘’fortaleza do tráfico’’, no Rio, pessoas já morreram e muitas outras morrerão, no confronto, polícia x traficantes. Pessoas morrem vitimadas pela dengue, que já adquiriu natureza endêmica, no Brasil. Premio de fotografia foi concedido por importante organismo internacional, à foto de um homem, carregando uma criança morta, nos braços, no momento exato que um míssil israelense caiu em praia, na cidade de Gaza. Para não me estender, ‘’ad infinitum’’, conclamo você a dar uma espiada nos ‘’games’’, manipulados pelos jovens: quanto mais se mata, mais pontos são acumulados. O certo, minha cara, é que a vida, pela sua monotonia, não rende assunto e eu, escriba amador de menor grandeza, sigo a onda. Apenas procuro revestir a morte de alguma classe: matei a presidente, de infarto, à beira da piscina, após beber vinho de boa cepa; a mulher traída saltou da janela do apartamento, com vista para o Parque do Ibirapuera, o que não é pra qualquer um. O outro, entediado, pulou do ‘’ap’’, no Leblon. No escrito, onde você observou meu gosto pela morte, tive, no último momento, a preocupação de cobrir as pernas da falecida com um paletó.

Por último, procuro, através de meus escritos, estabelecer uma relação de cordialidade com a morte: que ela não se me faça anteceder de dores e maldades intermináveis, mas que me seja rápida, conduzindo-me em momento esfuziante, como, por exemplo, a comemorar um gol do Botafogo. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário