Queixa-me amiga queridíssima de que tenho quase fixação pela
morte e, sem justificativa plausível, mato meus personagens. Que culpa tenho
eu, querida amiga, se ela, a morte, é nossa companheira inseparável? A vida não
rende dividendos, não desperta interesse, não promove manifestações e nem mesmo
vende notícia. Quantas crianças nasceram nos últimos dias e alguém falou delas?
Ao contrario, o terremoto no Nepal, que produziu milhares de vítimas, continua
sendo assunto, assim como o eterno conflito no Oriente Médio, os refugiados,
que morrem no Mediterrâneo, etc, etc. Se você reza a ‘’Ave Maria’’, termina dizendo ‘’...rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte...’’ Leia
as revistas do último fim de semana: surgiu nova ‘’fortaleza do tráfico’’, no Rio, pessoas já morreram e muitas
outras morrerão, no confronto, polícia x traficantes. Pessoas morrem vitimadas
pela dengue, que já adquiriu natureza endêmica, no Brasil. Premio de fotografia
foi concedido por importante organismo internacional, à foto de um homem,
carregando uma criança morta, nos braços, no momento exato que um míssil
israelense caiu em praia, na cidade de Gaza. Para não me estender, ‘’ad infinitum’’, conclamo você a dar uma
espiada nos ‘’games’’, manipulados
pelos jovens: quanto mais se mata, mais pontos são acumulados. O certo, minha
cara, é que a vida, pela sua monotonia, não rende assunto e eu, escriba amador
de menor grandeza, sigo a onda. Apenas procuro revestir a morte de alguma
classe: matei a presidente, de infarto, à beira da piscina, após beber vinho de
boa cepa; a mulher traída saltou da janela do apartamento, com vista para o
Parque do Ibirapuera, o que não é pra qualquer um. O outro, entediado, pulou do
‘’ap’’, no Leblon. No escrito, onde
você observou meu gosto pela morte, tive, no último momento, a preocupação de
cobrir as pernas da falecida com um paletó.
Por último, procuro, através de meus escritos, estabelecer
uma relação de cordialidade com a morte: que ela não se me faça anteceder de dores
e maldades intermináveis, mas que me seja rápida, conduzindo-me em momento
esfuziante, como, por exemplo, a comemorar um gol do Botafogo.
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