Sexta-feira, à noite, chego em casa, absolutamente histérico
e nem olho na cara do Rodolfo que, entendendo meu péssimo humor, não me
acompanhou, na subida da escada. Joguei o paletó sobre o sofá, fui ao bar e fiz
um uísque triplo. Felizmente, ninguém estava em casa, a correr risco de receber
resposta atravessada. O banho e o uísque foram me devolvendo a quase
tranquilidade. Aí me bateu dor de consciência, afinal Rodolfo é um dos meus
maiores lenitivos, amigo e confidente, por que o tratara mal, ele que nada
tinha a ver com minha irritação? Banho tomado, vestido, roupa cheirando a limpo,
aproveitei a ausência da patroa, deixei-o entrar. Ele olhou para mim,
para o copo de uísque sobre a mesinha de centro e arriscou um comentário: “e aí, parceiro, como você está e, bebendo em
plena sexta-feira, a coisa deve ter sido brava, posso ajudar?” É claro que
não podia, mas a demonstração de solidariedade foi suficiente para trazer-me
quase ao normal. Achei que era justo desculpar-me e justificar minha ira
chegante: “foi mal, meu amigo, mas acho
que atingi meu ponto de saturação, com este trabalho, que vai ficando cada dia
mais difícil. A máquina judiciária simplesmente parou, os funcionários,
inclusive juízes, não estão nem aí e sobra pra nós, advogados, que somos
responsabilizados pelos clientes, porque os processos deles não andam. Hoje,
meu caro Rodolfo, gastei 03 horas, atrás de um processo, fui a 04 cartórios
diferentes e não consegui nem mesmo resposta convincente. Você sabia, Rodolfo,
que tramitam pelo País cerca de 100 milhões de processos? E, se você considerar
que, em cada processo, há, pelo menos, duas pessoas litigando, isto significa
que 80% da população estão a depender de um Poder Judiciário, cada vez mais retido
no congestionamento da justiça. Isto é o caos, onde apenas nós, advogados,
estamos afundados, seja porque devemos satisfação a nossos clientes, seja
porque, com os processos parados, nosso pão fica no cesto. Ultimamente, entro em pânico, quando o domingo
anoitece e me certifico que a
segunda-feira está aí, para se começar inútil trabalho”. Rodolfo enrosca a
cabeça em minhas pernas e tenta me consolar: “você precisa tirar um tempo para você, acabar o livro, que está no fim,
começar o outro projeto, sobre a vida ao contrário, que achei muito
interessante. Faz tempo que vejo você chegar, ombros arqueados, olhar
embaraçado, quase se arrastando para subir a escada. Não será hora e vez de
rever seu cotidiano?”
Olho o Rodolfo e admiro sua perspicácia. Aliso sua cabeça e
me vem à memória canção antiga: “sonhar,
mais um sonho impossível...”
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