segunda-feira, 10 de julho de 2017

Reflexões – ruins – de uma sexta-feira amarga




Sexta-feira, à noite, chego em casa, absolutamente histérico e nem olho na cara do Rodolfo que, entendendo meu péssimo humor, não me acompanhou, na subida da escada. Joguei o paletó sobre o sofá, fui ao bar e fiz um uísque triplo. Felizmente, ninguém estava em casa, a correr risco de receber resposta atravessada. O banho e o uísque foram me devolvendo a quase tranquilidade. Aí me bateu dor de consciência, afinal Rodolfo é um dos meus maiores lenitivos, amigo e confidente, por que o tratara mal, ele que nada tinha a ver com minha irritação? Banho tomado, vestido, roupa cheirando  a limpo,  aproveitei a ausência da patroa, deixei-o entrar. Ele olhou para mim, para o copo de uísque sobre a mesinha de centro e arriscou um comentário: “e aí, parceiro, como você está e, bebendo em plena sexta-feira, a coisa deve ter sido brava, posso ajudar?” É claro que não podia, mas a demonstração de solidariedade foi suficiente para trazer-me quase ao normal. Achei que era justo desculpar-me e justificar minha ira chegante: “foi mal, meu amigo, mas acho que atingi meu ponto de saturação, com este trabalho, que vai ficando cada dia mais difícil. A máquina judiciária simplesmente parou, os funcionários, inclusive juízes, não estão nem aí e sobra pra nós, advogados, que somos responsabilizados pelos clientes, porque os processos deles não andam. Hoje, meu caro Rodolfo, gastei 03 horas, atrás de um processo, fui a 04 cartórios diferentes e não consegui nem mesmo resposta convincente. Você sabia, Rodolfo, que tramitam pelo País cerca de 100 milhões de processos? E, se você considerar que, em cada processo, há, pelo menos, duas pessoas litigando, isto significa que 80% da população estão a depender de um Poder Judiciário, cada vez mais retido no congestionamento da justiça. Isto é o caos, onde apenas nós, advogados, estamos afundados, seja porque devemos satisfação a nossos clientes, seja porque, com os processos parados, nosso pão fica no cesto. Ultimamente, entro em pânico, quando o domingo anoitece e me certifico  que a segunda-feira está aí, para se começar inútil trabalho”. Rodolfo enrosca a cabeça em minhas pernas e tenta me consolar: “você precisa tirar um tempo para você, acabar o livro, que está no fim, começar o outro projeto, sobre a vida ao contrário, que achei muito interessante. Faz tempo que vejo você chegar, ombros arqueados, olhar embaraçado, quase se arrastando para subir a escada. Não será hora e vez de rever seu cotidiano?”
Olho o Rodolfo e admiro sua perspicácia. Aliso sua cabeça e me vem à memória canção antiga: “sonhar, mais um sonho impossível...”


Nenhum comentário:

Postar um comentário