sexta-feira, 7 de julho de 2017

Agruras amorosas de ancião



Eu já o conhecia de vários sábados, quando, após o habitual passeio com Rodolfo e Nara, ia andar no parque, a queimar poucas calorias, que seriam, com juros extorsivos, repostas no uísque ou no vinho de logo mais, acompanhado de patê e torrada. Ele se sentava no mesmo banco, defronte ao campo de futebol, sempre acompanhado de seu manso “golden retriever”. Dissera-me ter 73 anos, ser engenheiro aposentado do extinto “Departamento de Estradas de Rodagem – DER”, ficara viúvo há 02 anos, já fizera duas safenas e uma mamaria, sofria de alucinantes dores nas costas e outros pequenos incômodos físicos, bem próprios do que os cretinos chamam de “melhor idade”. Apesar de tantas mazelas, era homem em paz com a vida. “Afinal – dizia-me – chegar aos 73 anos, ainda passeando com seu cachorro, já é um privilégio.” Não era rico, mas tinha confortável casa e aposentadoria, além de empregada que, de larga data, cuidava de suas necessidades domésticas. Aos domingos, almoçava, alternadamente, com seus dois filhos e respectivos netos. Gostava de ler e, segundo ele, tinha vasta coleção de filmes antigos, das décadas de 50 e 60, que eu, por diversas vezes, prometera conhecer. Como duas velhas corocas trocam receitas de comida, permutávamos informações sobre livros, se bem que ele era chegado a romances policiais, que não fazem a minha cabeça. Ao contrário de todos os sábados, quando me recebia com generoso sorriso, nesse último, encontrei-o sério, olhar perdido, afagando o dorso do Petrus – este é o nome de seu cachorro -. Dei-lhe bom dia, sentei-me a seu lado e, após intermináveis segundos de silêncio, perguntei se estava tudo bem, se ele estava com algum problema de saúde. Lento em responder-me, como se fosse me contar um segredo, um drama vivido. E, de certo modo, era!
- “Você acha possível, em nossa idade, nós nos apaixonarmos?”, perguntou.
- “Talvez eu não seja a pessoa mais indicada para lhe responder, mas não acho impossível, até porque não dá para racionalizar os sentimentos, que afloram, sem que possamos domá-los. Apenas acho que, em nossa idade, devemos tomar algumas cautelas, como, por exemplo, não nos iludirmos que mulher muito mais jovem possa se interessar por nós. Além das diferenças de geração, nossa decrepitude física não combina com o vigor de mulher, digamos, abaixo dos 50. Por que? Não me diga que você está apaixonado!”
- “Muito! Imagine que fui ao Shopping comprar presente para meu neto e, na saída cruzei com uma senhora que tinha certeza que conhecia, só não sabia de onde. Ficamos,  parados, nos olhando, até que ela se aproximou e me perguntou: - “você não é fulano?” – depois que confirmei ela se identificou. Em resumo: tinha trabalhado comigo, no DER, eu já casado, chegou a ter um clima, mas eu, você pode acreditar, sempre fui fiel a minha esposa, por isso ficou só no “clima”. Fomos tomar café, batemos um papo, ela está divorciada, mora sozinha, nas Perdizes. Convidei-a para jantar e, a partir daí, começamos a sair. Ontem, pela  primeira vez, dormimos juntos, no apartamento dela. Foi constrangedor, nós, deitados, de mãos dadas, eu, digamos, com “aquilo” estático, não tive coragem de me aproximar. Depois de certo tempo, dormimos e, quando acordei, em silêncio, preocupado em não despertá-la, vesti a roupa e fui para casa. Já há 03 chamadas dela, em meu celular e eu não atendo, porque não sei o que dizer. Não suporto mais a solidão, ver os mesmos filmes. Agora, surgiu a possibilidade de voltar a viver, ela é mulher encantadora, corpo firme, apesar de ter 53 anos, mas, se não posso oferecer sexo, não posso oferecer nada. Não sei o que fazer!”
Esperei que ele se acalmasse para dar a minha opinião:
Em princípio, penso como você, ser impossível relacionamento, entre homem e  mulher , sem sexo, todavia, na nossa idade, esta regra é relativa. Além do mais, até onde sei, desde que haja desejo, vontade, os viagras da vida resolvem, é questão de você consultar seu médico, já que você tem estes problemas cardíacos. Agora, se ele disser que você não pode tomar esses estimulantes, aí, meu amigo, esqueça e volte para a amargura de seus livros e filmes, vistos e revistos. Mesmo que ela venha com esse papo que sexo não é importante, que vale mais o afeto, a cumplicidade, etc., tudo isto é papo furado. Você vai construir uma ilusão e, a qualquer momento, com pretexto ou sem pretexto, ela vai embora e sua dor, seu sofrimento, será maior. Agora, você correr dela, pelo que aconteceu ontem, à noite, é bobagem, ou você acha que ela não percebeu? Se quer saber mesmo minha opinião, ligue para ela, marque um encontro e abra o jogo.Melhor do que ficar nesta agonia.”
Ele apertou meu braço, deu-me um leve sorriso, levantou-se do banco e, em passos tímidos, saiu andando, arrastando seu cão e suas incertezas. Amanhã vou saber no que deu!

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