Desafiando o quase frio de ontem, à noite, convidei Nara e
Rodolfo a rápido passeio no parque, até para apascentar o nervosismo, porque o
Botafogo jogava, logo mais. Rodolfo, sabedor da causa de minha ansiedade, antes
que adentrássemos ao portão, foi logo questionando: “não entendo você, na sua idade,
com essa pose de intelectual, ainda ficar nervoso porque seu time – aqui pra
nós, bem medíocre, ein? – vai jogar? Se perder ou ganhar, o que muda em sua
vida?”. Olho para Rodolfo, com um pouco de irritação, mas não podia
permitir que à ansiedade se acrescentasse o mau-humor, por isso resolvi
afrontá-lo: “você jamais poderia
entender, porque nunca viveu uma paixão.
Chegou aqui com 03 meses, manteve excelente relação com a Nara, que sempre o
tratou como irmão mais novo, e ficou nisto. Para começar, vamos tratar de
conceituar “paixão”. Como sou jejuno em psicologismos, entendo a paixão como
emoção, que se exacerba, digamos, uma febre alta. Conhecemos uma pessoa e,
antes que aflorem seus defeitos, sentimo-nos apaixonados. Queremo-la, sempre, a
nosso lado, pensamos nela, em situações as mais inusitadas, como, por exemplo,
quando estamos “no trono”. Com o tempo e a convivência, a febre cede, a
temperatura do corpo volta ao normal, vale dizer, equilibramos nossa emoção.
Podemos continuar gostando daquela pessoa, sentir prazer em sua companhia, mas
aquele vulcão recolheu suas larvas. Pessoas, que imaginávamos imprescindíveis,
desaparecem de nossas vidas e seus vestígios vão sumindo, até que nem mais nos
lembremos delas. Costumo dizer que a saudade pelo morto querido, vai até a
missa de sétimo dia, talvez, com exceção de pais que perdem filhos. O ser
humano é muito instável, em relação a sentimentos, hoje gosta, amanhã desgosta.
Agora, em relação ao Botafogo, foi paixão, que se perenizou em mim, mantendo o
vulcão, em erupção, permanentemente. Cada jogo, sofro, esbravejo, o time pode
estar medíocre, mas eu estou firme, lamentando a má fase, mas presente. Outro
dia, um amigo disse-me que esta paixão pelo Botafogo, era espécie de fuga para
a juventude. Ri dele que, ou não sabia o que é paixão, ou não sabe o que é ser
Botafogo. Tenho amigos queridíssimos, torcedores de outros clubes, pelos quais
nutrem semelhante paixão, como Oswaldo Jurema, hoje, morando na Paraíba. Tenho
o maior respeito e carinho por ele, Fluminense até a raiz do cabelo. Ou meu
querido Ruy Mello, que seguiu seu Corintians até Tóquio. Isto se chama paixão.
Coloco dúvida no caráter de quem se diz
torcedor de um time, mas, se ganhar ou
perder, não faz diferença. É pessoa morna e, como está no “Apocalipse”, “porque
és morno, eu te vomitarei de minha boca”. A maior idiotice, meu caro Rodolfo,
foi esta onda do “politicamente correto”, onda que, infelizmente, vai passando,
porque era a “mornidão”. O mundo, desde sua criação, é politicamente incorreto
e é essencial que seja assim, para que mantenhamos nossas diferenças. Temos
apenas de aceitar conviver com essas diferenças, por mais mal-estar que elas
nos tragam. Acho absurdo alguém não torcer pelo Botafogo, mas aceito conviver
com ele e, até, gostar muito dele, como é o caso do Waldo. Tenho desprezo por
verdura, mas, nem por isso, tripudio em cima dos vegetarianos. Apenas acho que eles desconhecem o prazer da comida,
de uma picanha ao ponto, de um lombo de porco com farofa, optando por aquela
coisa sem gosto, como alface, agrião, a que se precisa acrescentar azeite ou
molho, para ter algum sabor”.
De repente, Rodolfo deu um tranco na coleira, quase me
jogando ao chão: “você deve estar
perturbado mesmo, com o jogo de logo
mais. Desandou a falar de assuntos variados, sem nexo, a Nara até me perguntou
se você tinha bebido. Melhor voltarmos, você toma banho, refresca a cabeça, vai
assistir a seu jogo e, depois, muito depois, me conte o resultado.”
O Botafogo ganhou e eu levei para Rodolfo e Nara algumas
costelas-de-porco ao molho “barbecue”, sobras do jantar.
Apesar de não ser supersticioso, a partir de agora, sempre
que houver jogo do Botafogo, antes, vou levá-los ao parque.
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