Vicente era meu cliente desde a época em que o escritório
ficava na Faria Lima, isto no começo dos anos 80. Tinha pequena empresa de
instalações hidráulicas e elétricas e participava de concorrências públicas
que, naquele tempo, eram, mais ou menos,
sérias. Eu o assessorava nessa atividade, impugnando editais, oferecendo
recursos administrativos, impetrando mandados de segurança, enfim dando-lhe o
necessário apoio jurídico. A empresa dele cresceu, até ser comprada por uma gigante do ramo. Vicente montou grande loja de
material de construção, com várias filiais na Capital e nas cidades da Grande
São Paulo. Continuou cliente e nossa amizade foi se fortalecendo, a ponto de eu
me tornar espécie de seu “conselheiro
sentimental”. Seu casamento de mais de 20 anos estava em crise, o que não
chega a ser novidade em uniões de longa duração. Todavia, aqui pra nós, achava
eu que a culpa era do meu amigo, mais envolvido com o trabalho e frequentador
assíduo dos puteiros granfinos da cidade, onde gastava, por semana, o que eu
não faturava em um mês. Tinha o estranho hábito de levar 05 ou mais mulheres
para o quarto, acompanhado de 01 litro de uísque e 02 de “Amarula”. Não sei bem o que fazia com tal contingente de “prestadoras de serviços” e nunca o
questionei. Apesar de ser amigo, poucas vezes frequentei sua casa, razão pela
qual meu relacionamento com a esposa era quase nenhum. Estava ela na faixa,
entre 50 e 55 anos, era baixa, quase gorda e de difícil papo já que, fora do
tema casa/filho, melhor era o silêncio. Aliás, por falar em filho, tinham dois,
ainda adolescentes. Vicente consultava-me sobre a possibilidade de divórcio,
que deixou de lado, quando lhe mostrei os inconvenientes econômico-financeiros,
com divisão de patrimônio e, principalmente, o fato de a esposa ser sócia da
Empresa, recebendo “pró- labore” fictício. Já que ela não se importava – até porque não
sabia – com as atividades sexuais, mantidas por ele, fora do casamento,
então... vida que segue. Vicente tinha estranho hábito: dois dias, por semana,
passava fora de São Paulo, alegando que estudava abertura de filiais, fora do
Estado, assunto que, pelo menos por enquanto, não me dizia respeito. Numa manhã
de domingo, chegando da missa e me preparando para levar os cachorros ao
parque, toca o telefone: Vicente tivera infarto fulminante, durante a
madrugada, o velório no Cemitério do Morumbi, onde seria enterrado às 16 horas.
Lá cheguei, por volta do meio-dia, muita gente, esposa e filhos junto ao
caixão. De repente, adentra ao recinto uma mulata, para incontáveis talheres,
acompanhada de duas crianças, que se debruçou sobre o morto e, em pranto
convulso, gritava: “Vi, você não podia me
deixar” e, em seguida, ergueu os filhos, dizendo “beija o papai, beija o papai!”
A viúva, atônita, jogou-se no sofá ao lado. Os filhos saíram, chorando e o ar
exalava constrangimento. Como todos estavam paralisados, resolvi tomar uma
atitude: fui até a mulata e a levei para fora do velório, ela sempre com os
filhos agarrados na calça comprida que, apertada no corpo, projetava bunda
fenomenal. Resumo da ópera-bufa: era amante, teúda e manteúda, há quase 10 anos
e aquelas crianças, eram filhos dele. Era com esta outra “família”, que ele passava os dias da semana, em que desaparecia.
Com muito jeito, coloquei-a, a ela e os filhos, dentro do taxi, dando-lhe meu
cartão. Que me procurasse, se precisasse de alguma coisa! Quando retornei ao velório,
fui cercado por todos os lados. Rompi o cerco e fui me sentar ao lado da viúva,
que contemplava o espaço, como se estivesse em transe hipnótico. Naquele
momento, o silêncio era ouro. O enterro se encerrou sem outros incidentes. Despedi-me da viúva, com o
compromisso de esclarecer a situação, no dia seguinte, quando passaria em sua
casa.
Os fatos narrados passaram-se faz 02 anos, mas o inventário
do Vicente está longe de terminar!
Obs.: é óbvio que “Vicente”
é nome falso!
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