quinta-feira, 13 de julho de 2017

Estória de Cotidiano



Como o fato ocorreu há mais de 02 anos, posso contá-lo, omitindo nomes e dados identificadores.
Já de larga data faço atendimento gratuito a moradores pobres de minha Paróquia, sem condições financeiras de pagar advogado. Não totalmente gratuito, porque lhes cobro uma cesta básica, que eles mesmos entregam na Igreja. Aparece de tudo um pouco e me empenho para alcançar o melhor resultado possível. Eis que sou procurado por casal, ambos já ultrapassados os 70 anos. Convido-os a entrar, mas a esposa se  recusa, que o problema é só do marido, muito constrangedor para ela, que só não se separa dele, porque estão juntos há quase 50 anos e que ele só fez aquilo, porque não está batendo bem. Ele senta a minha frente, cabeça baixa, olhos marejados e, em sepulcral silêncio, entrega-me intimação para comparecer em dia e hora determinados, em Vara Criminal. O delito, atribuído a ele, é o do artigo 233 do Código Penal – “ato obsceno”, assim descrito: “praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público,” Antes de eu lhe perguntar o que fizera, queria saber se corria risco de ser preso. Como não tinha nenhuma condenação anterior, assegurei-lhe que não havia risco de prisão, no máximo seria condenado a pagar multa ou a prestar serviço comunitário, como atender em creche ou hospital público. “Mas – insisti eu – o que fez o Senhor? Para que eu  possa defendê-lo é preciso que o Senhor me conte a verdade, sem esconder nada.” Duas lágrimas escorreram-lhe, antes que começasse a falar: - “vou contar tudo, doutor, mas o Senhor tem que jurar que vai ficar entre nós, porque contei história diferente para minha mulher”. Depois de afirmar que guardar segredo é minha obrigação profissional, ele se abriu: - “eu tenho uma  mania, que é um vício do qual não consigo me libertar; gosto de mostrar “as coisas” em público. Vou a um ponto de ônibus, espero juntar gente, ao abaixo as calças e mostro tudo que, modéstia à parte, sou bem servido. Faz uns 06 meses, fiz isto, lá na Rua da Moóca, uma moça chamou uma viatura da Polícia Civil que me levou para a Delegacia. Depois de tomar meu depoimento e de umas pessoas, que estavam no ponto do ônibus, o Delegado me mandou embora. Agora, chegou este papel para eu ir ao Fórum. Pra minha mulher eu disse que estava apertado para urinar, e, quando estava me aliviando, em uma parede, a polícia chegou e me prendeu.” Na verdade, o vetusto Senhor estava mais preocupado com sua imagem, perante a esposa do que com possível condenação. No dia da audiência, lá fomos nós para o fórum criminal. Na sala de testemunhas, 03 mulheres olharam para ele, entre repugnância e desprezo. O Promotor propôs transação: ele pagaria valor correspondente a 03 cestas básicas, a favor do “AACD - Associação de Assistência à Criança Defeituosa”, e o processo seria encerrado, sem que fosse proferida sentença. Antes mesmo que eu tentasse reduzir o valor da multa aplicada, ele já concordara, querendo pagar ali mesmo. Saímos, ele, quase eufórico, abraçou a esposa, que o esperava do lado de fora, o olhar triste e envergonhado, como se soubesse a verdade.

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