Como o fato ocorreu há mais de 02 anos, posso contá-lo,
omitindo nomes e dados identificadores.
Já de larga data faço atendimento gratuito a moradores pobres
de minha Paróquia, sem condições financeiras de pagar advogado. Não totalmente
gratuito, porque lhes cobro uma cesta básica, que eles mesmos entregam na
Igreja. Aparece de tudo um pouco e me empenho para alcançar o melhor resultado
possível. Eis que sou procurado por casal, ambos já ultrapassados os 70 anos.
Convido-os a entrar, mas a esposa se
recusa, que o problema é só do marido, muito constrangedor para ela, que
só não se separa dele, porque estão juntos há quase 50 anos e que ele só fez
aquilo, porque não está batendo bem. Ele senta a minha frente, cabeça baixa,
olhos marejados e, em sepulcral silêncio, entrega-me intimação para comparecer
em dia e hora determinados, em Vara Criminal. O delito, atribuído a ele, é o do
artigo 233 do Código Penal – “ato obsceno”,
assim descrito: “praticar ato obsceno em
lugar público, ou aberto ou exposto ao público,” Antes de eu lhe perguntar
o que fizera, queria saber se corria risco de ser preso. Como não tinha nenhuma
condenação anterior, assegurei-lhe que não havia risco de prisão, no máximo
seria condenado a pagar multa ou a prestar serviço comunitário, como atender em
creche ou hospital público. “Mas –
insisti eu – o que fez o Senhor? Para que eu
possa defendê-lo é preciso que o Senhor me conte a verdade, sem esconder
nada.” Duas lágrimas escorreram-lhe, antes que começasse a falar: - “vou contar tudo, doutor, mas o Senhor tem
que jurar que vai ficar entre nós, porque contei história diferente para minha
mulher”. Depois de afirmar que guardar segredo é minha obrigação
profissional, ele se abriu: - “eu tenho uma
mania, que é um vício do qual não consigo me libertar; gosto de mostrar
“as coisas” em público. Vou a um ponto de ônibus, espero juntar gente, ao
abaixo as calças e mostro tudo que, modéstia à parte, sou bem servido. Faz uns
06 meses, fiz isto, lá na Rua da Moóca, uma moça chamou uma viatura da Polícia
Civil que me levou para a Delegacia. Depois de tomar meu depoimento e de umas
pessoas, que estavam no ponto do ônibus, o Delegado me mandou embora. Agora, chegou
este papel para eu ir ao Fórum. Pra minha mulher eu disse que estava apertado
para urinar, e, quando estava me aliviando, em uma parede, a polícia chegou e
me prendeu.” Na verdade, o vetusto Senhor estava mais preocupado com sua
imagem, perante a esposa do que com possível condenação. No dia da audiência,
lá fomos nós para o fórum criminal. Na sala de testemunhas, 03 mulheres olharam
para ele, entre repugnância e desprezo. O Promotor propôs transação: ele
pagaria valor correspondente a 03 cestas básicas, a favor do “AACD - Associação de Assistência à Criança
Defeituosa”, e o processo seria encerrado, sem que fosse proferida
sentença. Antes mesmo que eu tentasse reduzir o valor da multa aplicada, ele já
concordara, querendo pagar ali mesmo. Saímos, ele, quase eufórico, abraçou a
esposa, que o esperava do lado de fora, o olhar triste e envergonhado, como se
soubesse a verdade.
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