sexta-feira, 28 de julho de 2017

A Universidade Pública em crise



A crise econômica, que assola todos os segmentos produtivos do País, como não poderia deixar de ser, chegou às universidades públicas,  comprometendo salários de funcionários e professores e reduzindo as já incipientes pesquisas. A ordem é cortar custos e, em se tratando da área educacional, isto significa cortar na própria carne. Talvez este momento difícil da economia nacional dê-nos a oportunidade de, sem demagogia, debatermos espinhoso tema, envolvendo o ensino superior gratuito. Por mais que se busque, impossível encontrar fórmula, através da qual o acesso às universidades públicas fique restrito a estudantes hipossuficientes. O critério, único, tem que ser o da meritocracia, razão pela qual me insurgí contra a política de quotas, instituída pela Universidade de São Paulo, pela qual, até 2020, 50% das vagas estarão reservadas a negros e indígenas. Por outro lado, não é necessário invocar dados estáticos para se constatar que a maioria os estudantes, que frequentam universidades públicas, pertence às classes média e alta, em condições financeiras de pagar pelos seus estudos, despesas esta que, na conjuntura atual, recaem sobre o contribuinte. Não podemos ser ingênuos em imaginar que, a curto ou mesmo a médio  prazo – e falo em, no mínimo, 05 anos – haja reversão de nossa economia e possamos voltar a crescer a uma confortável taxa de 5% ao ano. Nem mesmo temos um candidato à eleição presidencial do próximo ano, o que vale dizer que, tateando no escuro, desconhecemos qualquer projeto de retomada do crescimento. Dentro deste cenário, só nos resta buscar soluções pontuais, apagando os focos de incêndio, para que este não se irradie. Assim, no caso específico da crise, que assola as universidades públicas, a solução mais viável é eliminar a gratuidade, concedendo bolsas a estudantes que comprovarem sua incapacidade de pagar. É a aplicação da velha máxima, “quem tem, põe, quem não põe, tira”. Já se tornou acaciano dizer que o desenvolvimento de um País passa, necessariamente, por uma boa educação, impossível de ser proporcionada sem recursos financeiros adequados. É hora de enfrentarmos a realidade!

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Para falar em Pasárgada



Recebo a visita de cliente, quase amigo de larga estrada, biólogo de formação e empresário por opção, que ousa o ser em País, que tudo faz para desestimular quem o queira. Seja pela sua formação profissional, seja porque os leões cotidianos enfileiram-se, à porta de sua empresa para serem abatidos, o certo é não ser ele afeito às coisas da poesia, forma literária que eu mesmo imaginava sepulta, até que meu querido Marcelo Martins Pizzo, exibiu-me um punhado delas, de amolecer corações, mesmo empedernidos. Confessa que segue – ou é perseguido – pelo meu “blog” e, no texto de ontem, falei em “Pasárgada” e queria saber o que significava. Como estou naquela idade, em que a memória remota aflora, com mais nitidez, repeti Manuel Bandeira: “vou-me embora pra Pasárgada, lá sou amigo do rei, tenho a mulher que quero, na cama que escolherei...” Busquei minha explicação: “Pasárgada”, no imaginário do poeta, é o lugar ideal, sem credores ou devedores, sem reclamações trabalhistas, sem ladrão, nem polícia, onde você pode se deitar na praia, vendo o mar batendo suas ondas e, ao simples levantar do braço, alguém, sem nome, nem rosto, lhe entrega cerveja gelada, enquanto, “a mulher que quero” faz um chamego, sem segundas intenções. Ele me pergunta: “mas isto existe?”, ao que eu retruco: “em algum momento de nossa vida, deve ter existido, mas que se esvaiu, antes que pudéssemos guardá-lo na “algibeira da calça”, para  citar Fernando Pessoa, travestido de “Álvaro de Campos”. Antes que ele me indagasse sobre o poeta português que, sem querer, entrou na conversa, eu o perguntei: “você nunca teve suaPasárgada”?” – “Agora me lembro e tenho muita saudade: até alguns anos atrás, tinha um barco e, quando me batia o sufoco, eu o colocava no mar, procurava uma enseada, jogava o anzol e zerava meu pensamento, só ouvindo o bater das ondas no casco do barco, que balançava, suavemente.” Enquanto falava, ele contemplava o vazio, com certeza, viajando no tempo e duas lágrimas tristes lhe caíram. Rapidamente, ele se levantou, foi ao banheiro lavou o rosto e já voltou falando na ação que pretendia propor. Deixou na pia suas fugidias recordações! Depois que saiu, recostei-me no sofá, a buscar minha “Pasárgada”. Iniciava minha reflexão, quando Jorge, meu fiel timoneiro, entrou na sala: “desculpe-me Doutor, mas estou lhe trazendo a relação das despesas do mês de agosto”. Então, minha Pasárgada explodiu, convertendo-se em ruínas, como a Pasárgada da antiga Pérsia.

quarta-feira, 26 de julho de 2017

O urgente exercício da cidadania



Tenho ouvido de muitas pessoas, com boa formação intelectual, que estão cansadas de más notícias, que não mais suportam ouvir palavras como “corrupção”, “violência”, por isso  mudam de canal, quando os noticiários entram no ar. Sou até capaz de entender o comportamento dessas pessoas, levadas à exaustão, por notícias repetitivas, mas, por outro lado, como fazemos todos  parte dos problemas, temos, pelo menos, de nos interessar pelas soluções propostas e, as redes sociais oferecem excelente veículo para, isoladamente ou em grupo, debatermos essas propostas, até para aperfeiçoá-las. Vejamos, por exemplo, o problema da “cracolândia”, objeto de reiteradas reportagens e, malgrado as ações da Prefeitura Municipal e da Polícia Militar, resta insolúvel, porque o Poder Judiciário Paulista proíbe a remoção compulsória dos usuários de droga para centros de recuperação. Não seria o caso de se ouvir Psicólogos, Psiquiatras, profissionais ligados às áreas da saúde e assistência social, para se enfrentar tão grande problema? Vejamos, por exemplo, o problema da cidade do Rio de Janeiro, que vem sendo, progressivamente, “ocupada” por organizações criminosas, ligadas ao tráfico de entorpecentes. As ações, intentadas pelo Estado, como as “UPPs”, não resultaram em redução da criminalidade. Nós, distantes 450 quilômetros do Rio, não podemos dar de ombros e apenas dizer “o problema não é nosso”. É claro que é, vez que, por aqui, o PCC atua com a mesma desenvoltura do “Comando Vermelho”. Nossa Capital, pela sua geografia, dificulta a percepção do avanço da criminalidade, mas isto não significa que ela não esteja prestes a bater a nossa porta, onde quer que residamos. O aparelho policial, em nosso Estado, ainda funciona, mesmo precariamente, graças ao denodo da Policia Civil e da Polícia Militar, mas o nó, decorrente de salários vis, de falta de equipamentos, vai sendo apertado e, se nada for feito, logo chegará à asfixia. Quem duvida, basta entrar em qualquer dos 100 distritos policiais da Capital. Vivemos  real estado de guerra e não, adianta simplesmente “mudar de canal”, para se encontrar a paz. Quem ainda não foi assaltado, sob a mira de um revólver, que se apresente! Agradeço a Deus ter saído vivo de três deles. Na minha rua, das 06 residências, a única “virgem” é a minha e devo isto aos 07 cachorros, que a guarnecem. Já não se fala em mudar para o interior, já alcançado pelos tentáculos da criminalidade. Fala-se em mudar para Miami e, nos últimos tempos, Portugal passou a ser a “Pasárgada” dos brasileiros, desiludidos com os destinos do País. Será esta a solução? Quantos poderão buscá-la? Não basta que saiamos à rua e gritemos “fora Dilma”, “fora Lula”, “fora Temer”, “fora todo mundo” e, depois voltarmos para casa, achando que cumprimos nosso dever cívico. É claro que “soltar a voz”, manifestar indignação, é importante. Todavia, podemos muito mais: pelas redes sociais, podemos transmitir essa indignação diretamente à autoridade (in) competente. Podemos, por exemplo, encher o e-mail do Prefeito, falando dos buracos de nossas ruas, que se eternizam; dos caminhões de lixo que, na contra-mão de todas as grandes metrópoles do exterior, fazem a coleta, durante o dia, provocando desnecessários engarrafamentos; idem caminhão de carga e descarga de mercadoria. Que tal informar ao Secretário de Segurança que o Distrito Policial de seu bairro está acéfalo, por falta de pessoal e equipamentos, que, ali na esquina, funciona um ponto de vendas de drogas?
Enfim, se não queremos ou podemos nos mudar para os Estados Unidos ou Portugal, temos que, de forma dinâmica e participativa, exercer nossa cidadania.

terça-feira, 25 de julho de 2017

Por conta da reforma do Código de Processo Penal



Comecei na advocacia criminal, ainda no 4° ano da Faculdade, como estagiário da 21ª Vara Criminal da Capital, que tinha, como juiz, o exigente Fausto Whitaker de Machado Alvim, que chegaria à Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Quando me formei, Dr. Fausto nomeou-me advogado dativo: defendia réus revéis e os que não tinham advogado constituído. Ao final do processo, o próprio Juiz arbitrava os honorários, que eram recebidos, tempos depois, na Secretaria da Fazenda. Dr. Fausto era “mão pesada” e arrancar absolvição era tarefa ingente. Todavia, foi uma “pós graduação”, em direito penal e processo penal, até porque, como Promotor de Justiça da mesma Vara, funcionava o competente Alberto Marino Junior, que se tornaria meu amigo, inclusive de boemia. Pela 21 Vara Criminal passaram processos, que se tornariam célebres, como o primeiro assalto a banco, praticado no Brasil, por quadrilha de gregos e aqueles praticados por um bando, apelidado pela Imprensa como “os crioulos doidos”. Funcionei nos dois casos, como dativo e minha memória seletiva não me permite lembrar  das sentenças proferidas.
Viajo, no tempo, neste momento em que o Congresso estuda a reforma do Código de Processo Penal, dando ênfase aos institutos jurídicos, que mereceram destaque, a partir da operação “lava jato”: a prisão preventiva e a delação premiada. O projeto pretende fixar em 180 dias o prazo máximo de duração da prisão preventiva. Equivocam-se os que afirmam que, dentro da sistemática atual, a prisão preventiva tem duração por prazo indeterminado. Visita ao artigo 312 do Código vigente,  permite-nos concluir que o prazo de duração de tal custódia está atrelado aos requisitos para sua decretação. Por exemplo, enquanto o acusado puder colocar em risco a ordem pública ou influenciar na produção das provas, justifica-se mantê-lo preso. Assim, 180 dias  poderia, ser prazo longo ou prazo curto e teria que levar em conta a pontualidade de cada crime. Já tive caso em que um jovem, menor de 21 anos, que nunca cometera qualquer delito, ficou preso, preventivamente, por quase um ano, por suposta participação em assalto a mão armada. Por outro lado,  consegui, no exíguo prazo de 35 dias, a liberação de importante líder de organização criminosa. Por óbvio, em ambos os casos, por má aplicação da lei, afastou-se dos interesses da sociedade e a fixação de prazo não resolveria o impasse. No que concerne à delação premiada, o projeto anda muito bem, ao retirar do Ministério Público a competência para negociar com o delator. Por óbvio, o Ministério Público, como titular da ação penal, deve participar da negociação, mas, esta, tem que ser comandada pelo Juiz, que impedirá eventuais coações, perpetradas para se obter o resultado pretendido, ou a oferta de vantagens, desproporcionais  a tal resultado, como aconteceu no caso Joesley.
Todavia, a meu modesto juízo, o projeto deve dar especial atenção ao Inquérito Policial, causa determinante à formação do processo-crime e de seu melhor resultado. Pela sistemática atual, a Delegacia tem 30 dias de prazo para concluir o Inquérito, findo o qual, sem conclusão, deve encaminhá-lo ao Fórum para que o Juiz, ouvido o Ministério Público, conceda nova dilação de prazo. Aqui, em nossa Capital, o órgão do Poder Judiciário, que recebe, concede tal prorrogação de prazo e determina realização de novas diligências, é o “Dipo – Departamento de Inquéritos Policiais”. Como consequência dos incontáveis inquéritos policiais instaurados, o lapso de tempo, entre a saída do inquérito do Distrito Policial e seu retorno do DIPO, nunca é inferior a 04 meses, merecendo destacar que, via  de regra, o pedido de dilação de prazo é formulado, pelo menos, 03 vezes. A consequência desta desnecessária burocracia, é o esmaecimento na produção da prova ou na perfeita formação da culpa. Outra irrelevante exigência do atual Código Processual Penal é que, busca e apreensão  só pode ser realizada mediante autorização judicial, a demandar longo lapso de tempo, entre o pedido, formulado pela Autoridade Policial e a autorização dada pelo Juiz. Muita vez, quando a busca e apreensão é  concedida, o local do crime já foi desfeito, as provas já desapareceram e o mandado se frustra. Parece-nos lógico que deveria ser concedida à Autoridade Policial, como condutor do Inquérito, competência para determinar a realização de busca e apreensão, bem como a de todos os atos necessários à apuração do delito e sua autoria. Como dissemos, anteriormente, o Inquérito Policial é que dá vida à ação penal, razão pela qual a Comissão de Reforma do Código de processo penal, ouvindo entidades representativas do aparelho policial, deveria priorizar a parte da legislação processual, que versa sobre o Inquérito. A reforma é bem vinda, mormente quando a criminalidade parece controlar o estado de direito. Para alcançar seus objetivos, deve ela não ser simples remendo, mas deve ter o maior alcance possível, o que somente será alcançado, com a efetiva participação da sociedade.
De minha parte, mesmo reconhecendo minhas limitações, estou encaminhando 30 sugestões ao Relator do projeto.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

A Revelação



Vicente era meu cliente desde a época em que o escritório ficava na Faria Lima, isto no começo dos anos 80. Tinha pequena empresa de instalações hidráulicas e elétricas e participava de concorrências públicas que, naquele tempo, eram, mais  ou menos, sérias. Eu o assessorava nessa atividade, impugnando editais, oferecendo recursos administrativos, impetrando mandados de segurança, enfim dando-lhe o necessário apoio jurídico. A empresa dele cresceu, até ser comprada por uma  gigante do ramo. Vicente montou grande loja de material de construção, com várias filiais na Capital e nas cidades da Grande São Paulo. Continuou cliente e nossa amizade foi se fortalecendo, a ponto de eu me tornar espécie de seu “conselheiro sentimental”. Seu casamento de mais de 20 anos estava em crise, o que não chega a ser novidade em uniões de longa duração. Todavia, aqui pra nós, achava eu que a culpa era do meu amigo, mais envolvido com o trabalho e frequentador assíduo dos puteiros granfinos da cidade, onde gastava, por semana, o que eu não faturava em um mês. Tinha o estranho hábito de levar 05 ou mais mulheres para o quarto, acompanhado de 01 litro de uísque e 02 de “Amarula”. Não sei bem o que fazia com tal contingente de “prestadoras de serviços” e nunca o questionei. Apesar de ser amigo, poucas vezes frequentei sua casa, razão pela qual meu relacionamento com a esposa era quase nenhum. Estava ela na faixa, entre 50 e 55 anos, era baixa, quase gorda e de difícil papo já que, fora do tema casa/filho, melhor era o silêncio. Aliás, por falar em filho, tinham dois, ainda adolescentes. Vicente consultava-me sobre a possibilidade de divórcio, que deixou de lado, quando lhe mostrei os inconvenientes econômico-financeiros, com divisão de patrimônio e, principalmente, o fato de a esposa ser sócia da Empresa, recebendo  pró- labore” fictício. Já que ela não se importava – até porque não sabia – com as atividades sexuais, mantidas por ele, fora do casamento, então... vida que segue. Vicente tinha estranho hábito: dois dias, por semana, passava fora de São Paulo, alegando que estudava abertura de filiais, fora do Estado, assunto que, pelo menos por enquanto, não me dizia respeito. Numa manhã de domingo, chegando da missa e me preparando para levar os cachorros ao parque, toca o telefone: Vicente tivera infarto fulminante, durante a madrugada, o velório no Cemitério do Morumbi, onde seria enterrado às 16 horas. Lá cheguei, por volta do meio-dia, muita gente, esposa e filhos junto ao caixão. De repente, adentra ao recinto uma mulata, para incontáveis talheres, acompanhada de duas crianças, que se debruçou sobre o morto e, em pranto convulso, gritava: “Vi, você não podia me deixar” e, em seguida, ergueu os filhos, dizendo “beija o  papai, beija o papai!” A viúva, atônita, jogou-se no sofá ao lado. Os filhos saíram, chorando e o ar exalava constrangimento. Como todos estavam paralisados, resolvi tomar uma atitude: fui até a mulata e a levei para fora do velório, ela sempre com os filhos agarrados na calça comprida que, apertada no corpo, projetava bunda fenomenal. Resumo da ópera-bufa: era amante, teúda e manteúda, há quase 10 anos e aquelas crianças, eram filhos dele. Era com esta outra “família”, que ele passava os dias da semana, em que desaparecia. Com muito jeito, coloquei-a, a ela e os filhos, dentro do taxi, dando-lhe meu cartão. Que me procurasse, se precisasse  de alguma coisa! Quando retornei ao velório, fui cercado por todos os lados. Rompi o cerco e fui me sentar ao lado da viúva, que contemplava o espaço, como se estivesse em transe hipnótico. Naquele momento, o silêncio era ouro. O enterro se encerrou sem  outros incidentes. Despedi-me da viúva, com o compromisso de esclarecer a situação, no dia seguinte, quando passaria em sua casa.
Os fatos narrados passaram-se faz 02 anos, mas o inventário do Vicente está longe de terminar!
Obs.: é óbvio que “Vicente” é nome falso!