Ela se chamava Joana, assim, simplesmente Joana, nome antigo,
a remeter-lhe à empregada de sua infância. Conhecera-a por causa da chuva, que
caíra sem aviso prévio, retendo-o no restaurante defronte ao prédio, onde tinha
escritório. Ambos, ele e a futura Joana, à porta, esperavam a chuva pelo menos
diminuir de intensidade. Devia ter ela entorno de 40, alta e, pelo modo sóbrio
de vestir, seria executiva de alguma empresa, já que o calor de mais de 30
graus desnudava as mulheres. Ela lhe dirigiu um sorriso de cumplicidade, afinal
eram prisioneiros da mesma causa. Ele respondeu com comentário, estupidamente
óbvio:
- ‘’que chuva mais fora
de hora, não?’’
Ela sorriu de novo, deu uma resposta monossilábica e
continuaram, ambos a olharem o cair da chuva. De repente, o sol surgiu, ardido,
entre as nuvens e ele e a futura Joana caminharam na mesma direção.
- ‘’Você também
trabalha neste prédio?’’, perguntou ele, o que continuava a ser uma
imbecilidade, porque era o único edifício do quarteirão.
- ‘’Trabalho e nós já
nos cruzamos várias vezes no elevador. Sei que o senhor é advogado e tem
escritório no 15º andar. Eu sou sócia da agência de publicidade que fica no
11º. Meu nome é Joana’’.
Ele e a agora Joana entraram no elevador, ela desceu no 11º e
ele, envolvido no cotidiano, esqueceu-se dela. Passara dos 60 anos e, com três
casamentos fracassados, concluíra não ter vocação para ligações amorosas. Homem
de poucos amigos, dividia a vida com livros e cachorros. Além do mais, pela
estatísticas, teria mais dois ou três anos de vida, o que já era muito. Fizera
e tivera muito mais que imaginara e se sentia pronto para a viagem definitiva.
Noite já caminhando, toma o elevador para a garagem. A porta se abre e Joana
assusta-se ao vê-lo. Riem e seguem em eloqüente silencio até o subsolo, onde se
despedem com raquítico ‘’boa-noite’’.
Ao entrar em seu carro olhou para ela, que, outra vez, riu para ele, com um
aceno de mão. Os dias se passaram, com a monotonia de sempre e ele, quase
imperceptivelmente, procurava por Joana, no elevador e no estacionamento. Qual
o significado daquela busca, ele que nada buscava? Além do mais, ela o tratava
por senhor, como a sublinhar a distancia que os separava, no tempo. Achou
ridícula sua ansiedade, por isso decidiu não mais pensar em Joana, a simplesmente
Joana. Fora uma sexta-feira para esquecer: perdera a ação que tinha certeza que
ganharia, a segunda mulher ligou, pedindo mais dinheiro, o caseiro da casa da
praia pedira demissão. Era correr para casa, escolher um vinho forte e brincar
com os cachorros. Mas o elevador parou no 11º andar e Joana entrou, usando um
vestido que projetava o bico dos seios e exibia coxas torneadas. Riram, outra
vez e ele se constrangeu por perceber que ela percebera seu olhar, quase
indecente. Ela o chamou de você – ‘’Você
anda sumido!’’ -, o que encorajou a convidá-la para um aperitivo, sob a
velha desculpa de esperar o trânsito melhorar. Foram. Falaram de suas perdas e
ganhos, beberam o suficiente para expulsar verdades escondidas. Ele quis
beijá-la, deslizar as mãos pelas coxas torneadas e sentiu que ela ansiava por
isto. Num rasgo de sobriedade ele anteviu a conseqüência do beijo, não beijado;
as magoas que se acumulariam com o inevitável desamor, ele que, na essência,
nunca conhecera o amor. Por isso, no quase beijo, desviou o olhar dela, chamou
o garçom, pediu a conta e apenas disse: ‘’acho
que o trânsito já melhorou, podemos ir.’’
Joana, em eloqüente silencio, mas surpresa, se deixou levar
até seu carro, onde se despediram com um inexpressivo ‘’boa noite’’. Já em casa, afagando o dorso de ‘’Apolo’’, seu gigante e dócil ‘’Mastif’’,
ele respirava o alívio de quem conseguira sobreviver a um grande perigo.
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