quinta-feira, 30 de junho de 2016

A estrela que se apaga

Era uma vez um jovem, ainda adolescente, preto, de família paupérrima, que sonhou o sonho de se transformar em grande jogador de futebol, um Romário ou Ronaldo, talvez. Ficaria famoso e, depois do Brasil, conquistaria a Europa, Milan e Barcelona, talvez. Ganharia muito dinheiro e daria vida digna a sua paupérrima família. Correu atrás de seu sonho e, como tinha “bola nos pés”, como dizem os cronistas esportivos, chegou ao Botafogo carioca. Encantou a todos, inclusive a mim, que, por ser torcedor do Botafogo desde o ventre de minha mãe, vi passar pelo clube incontáveis craques, tantos o foram, que seria desperdício nominá-los. Acontece que aquele jovem fora tomado pela droga, cocaína, eu acho. Podia e devia ser assistido, até investimento seria. Resolveram que melhor seria abandoná-lo a própria sorte e ele, sozinho, seguiu batendo cabeça, passando por clubes menores. Um dia, voltou ao Botafogo. Ainda tinha “bola nos pés”, mas precisava de tempo para mostrá-la. De quando em vez ele entrava em campo. Não tinha o brilho do começo, todavia, se o ajudassem, jovem ainda, talvez transformasse seu sonho em realidade... não fosse a droga, cocaína, eu acho, que não o abandonara e da qual, sozinho, era presa fácil. Um dia, triste e infame dia, recusou-se a um exame “anti doping”. Foi proibido de fazer a única coisa que sabia fazer e de onde tirava seu viver: jogar futebol, por dois anos. Aquele era seu trabalho e a lei assegura a todos o direito ao trabalho, como, então, ficou aquele cidadão privado desse primordial direito? Por que, dentro do Botafogo, não se ergueu uma única voz para defender esse desprotegido jovem? Proibido de trabalhar, lançado à própria sorte, aquele jovem, agora preso, acusado de estupro, vê o sonho, um dia sonhado, transformar-se em pesadelo: negro, pobre, prisioneiro da droga e do homem. Muitas vezes me entristeci, vendo o Botafogo ser batido. Agora, mais que tristeza, envergonho-me por ver a indiferença, quase desprezo, em constatar que meu Botafogo poderia ter evitado o pesadelo daquele quase menino, que chegou Jobson e, sem gloria, termina apenas um nome, na estatística da criminalidade.

quarta-feira, 29 de junho de 2016

A Imprensa erra o alvo



A imprensa elegeu, como ‘’bola da vez’’, para deitar falação, o salário dos serventuários da justiça, em geral e dos Magistrados, de modo particular. Leio que tal salário nos últimos 20 anos, teve reajuste da ordem de 112%. Saco de minha raquítica calculadora, divido 112 por 20 e, linearmente, concluo que tal ‘’fantástico’’ aumento é de cerca de 5.6% ao ano. Por certo, alguma coisa está errada naquele cálculo. Quanto aos serventuários da Justiça, afirmo, sem qualquer receio de me equivocar, que, dentre os funcionários dos 03 Poderes, são os que mais trabalham. E a razão é simples: somos um País de litigantes, principalmente o Poder Público, que discute sempre, principalmente quando não tem razão. Tramitam, atualmente, nos diversos fóruns do Brasil, cerca de 150 milhões de processo, o que dá um e meio processo, por habitante e quem toca o dia a dia dos mesmos são os serventuários da Justiça. Quem duvidar passe pelo fórum da Praça João Mendes e constatará funcionários escondidos atrás de pilhas de processo. As Câmaras do nosso Tribunal de Justiça chegam a julgar, numa única seção, 100 ou mais recursos. Esta história de dizer – como o faz nossa Constituição – que os 3 Poderes são independentes, é pura bazofia, porque toda a arrecadação, inclusive de custas processuais, vai para o Executivo.Temos serventuários e magistrados de menos. Um Juiz de primeiro grau ganha o correspondente ao salário de gerente jurídico de grande empresa e um Desembargador, com não menos 25 anos de judicatura, incorporando todas as vantagens, ganha o equivalente a Diretor Jurídico daquela mesma empresa. Os escândalos pululam, no Executivo e Legislativo, sendo, porém, raros e pontuais no Judiciário. O Brasil vive tormentosos dias, com a corrupção alcançando, indiscriminadamente, políticos e governantes de todos os partidos. Quem vendo segurando as instituições, evitando que sejamos, todos nós, integrantes do ‘’samba do crioulo doido’’, é o Judiciário, seja através dos milhares de juízes que, muitas vezes, ao julgar, colocam em risco a própria vida, seja através dos funcionários daquele Poder. A chamada ‘’imprensa investigativa’’ precisa ‘’investigar’’ melhor, antes de manchantear bobagens e, quanto contestada, não ter de esconder no interminável manto da ‘’liberdade de expressão’’. 

terça-feira, 28 de junho de 2016

O ‘’Brexit’’: direita ou esquerda?



É interessante como alguns conceitos ideológicos vão sofrendo mutações, ao longo do tempo e dos acontecimentos históricos. Pessoalmente, acho esta dicotomia esquerda/direita total anacronismo, que desapareceu com o fim do regime comunista, cujo tiro de misericórdia fora a queda do muro de Berlim, em 1989. No meu tempo de estudante universitário, ser de esquerda era, essencialmente, ser anti-americano, era defender os valores nacionais, preconizar a estatização de tudo. Nós que, já naquela época, imaginávamos um Brasil inserido no universo político e econômico, éramos chamados de ‘’americanófilos’’, ‘’americanalhas’’, ‘’gorilas’’ e outros epítetos, tão a gosto de uma geração bastante politizada. A roda do tempo girou, veio a globalização, as redes sociais passaram a ser o mais efetivo meio de comunicação e o conceito daquela dicotomia virou de cabeça para baixo. Hoje, ser de esquerda, é defender a integração com organismos internacionais e, em contraponto, ser de direita, como sinônimo de ‘’reacionário’’, é proteger valores e conceitos ‘’nacionais’’. Vejam o que aconteceu com a Inglaterra, cuja população, em sua maioria, optou por se desvincular da União Européia, como meio de proteger seus valores nacionais, em um momento em que os empregos e a segurança ficaram ameaçados com a chegada de mais de 600 mil imigrantes. A vitória do ‘’sim’’, isto é, dos que desejavam a saída de União Européia, foi considerada vitória da ‘’direita xenófoba’’. Afinal, o que pretendiam esses ‘’reacionários’’? Uma Grã Bretanha mais independente, sem se submeter às normas intervencionistas da ‘’União’’, o estabelecimento de regras de controle sobre a entrada de estrangeiros, principalmente os refugiados. A ‘’direita’’ avança, no mundo, não porque prega o privilégio da classe mais rica, em detrimento dos mais pobres, como sustenta a esquerda derrotada. O que aflora, como óbvio, é que os discursos de esquerda são bons, em campanha política, mas não guardam identidade com o ato de governar. Exemplo disto, é François Hollande que, ao propor reforma trabalhista, fundamental para reduzir o ônus financeiro, advindo do protecionismo, enfrenta a fúria da esquerda, que o elegeu. A vitória do conservador, Mariano Rajoy, na Espanha, reflete o anseio do povo espanhol de arquivar o populismo, que gerou a mais devastadora crise econômica, que deixou, sem emprego, mais de 20% de força de trabalho espanhola. O Brasil, querendo ou não, deverá rever sua permanência nesta união de esfarrapados, que se chama ‘’Mercosul’’ e, através de acordos bilaterais, expandir seu mercado exterior. Que o inútil debate sobre esquerda/direita fique restrita aos intelectualóides desocupados e que os países civilizados, sem abdicarem de seus valores nacionais – como sustenta o ‘’Brexit’’ -, procurem o caminho comum do desenvolvimento. 

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Parcas considerações sobre as eleições norte-americanas

Alguns articulistas brasileiros têm mostrado espanto diante do fato de Donald Trump ter ganho, com folga, o direito de disputar as eleições presidenciais norte-americanas e, mais, segundo recentes pesquisas, estar tecnicamente empatado com Hillary Clinton. À primeira vista, Trump é um fanfarrão, acostumado ao jogo de cena, de seu programa televiso. Todavia, quando se examina suas propostas, constata-se que estão elas focadas em dois problemas que, em muito, interessam ao norte-americano comum e genuíno, aquele cidadão de ancestrais norte-americanos e lá vivendo. Estes dois problemas são: a imigração e a segurança, problemas que acabam se entrelaçando, como, mais adiante, esclarecerei. Desde o 11 de Setembro de 2001, a segurança virou obsessão nos Estados Unidos. Os vários atentados, com centenas de vítimas, que se seguiram àquele fatídico acontecimento, mostram que aquele País é alvo fácil de terroristas e psicopatas, de todo o gênero e que organismos, como a CIA e o FBI têm sido, pelo menos, lenientes na tomada de medidas acautelatórias. As restrições à compra e ao uso de armas – de - fogo, proposta pelas democratas, constitui verdadeiro ‘’tiro no pé’’, já que o norte-americano tradicional, além de ser avesso a qualquer restrição a suas liberdades individuais, tem a cultura do uso de arma, não só para lazer, mas também como meio de defesa pessoal. Isto sem falar na importância da industria armamentista para a economia americana. Lembro-me de que, anos atrás, fui conhecer a gigantesca fábrica da ‘’Smith Weston’’, que fica em ‘’Springfield’’, cidade de uns 200 mil habitantes, toda ela dependente daquela indústria. Passava das 10 da noite e pedi uma cerveja, no bar do hotel – ‘’Ramada Inn’’ – onde estava hospedado. Meu pedido foi negado, porque era proibido vender bebida alcoólica, depois daquele horário. Achei um paradoxo não poder beber uma humilde cerveja, enquanto, sobre o balcão, repousava reluzente rifle. É a tal obsessão por segurança que Donald Trump vem explorando, com habilidade, como obrigação do Estado e direito do cidadão. A questão migratória é quase secular: nenhum País do mundo acolhe tantos imigrantes, legais e ilegais, quanto os Estados Unidos. Quem vai a Miami, Nova York ou São Francisco não precisa falar inglês. Se arranhar o espanhol, não passará dificuldades. A questão sempre incomodou o americano genuíno, mas se agravou com o achatamento do mercado de trabalho, principalmente após a crise de 2008. Trump tem batido na tecla de que o imigrante, que suporta salários aviltados, tem tomado emprego do norte-americano autêntico. E mais, quanto mais aumenta a imigração, mais aumenta o índice de criminalidade e, infelizmente, nisto Trump tem razão, apesar da forte dose de demagogia, utilizada em sua argumentação. Na verdade, a eleição presidencial norte-americana está nas mãos dos ‘’cucarachos’’. Se eles comparecerem às urnas, ganha Hillary, caso contrário dá Trump. Ganhando a primeira, nada mudará, mera continuidade da administração Obama. Ganhando Trump, os Estados Unidos estarão mais voltados para si mesmos. Não vejo Trump como um celerado, a promover guerra atômica, a qualquer pretexto. Por mais que não queira, não poderá isolar os Estados Unidos do mundo. Afinal, ‘’é a economia, estúpidos’’. Quem manda é esta, definitivamente, já globalizada e nem o Presidente dos Estados Unidos, seja quem for, pode reverter isto.  

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Sobre achados e perdidos



Acho que todo mundo já passou por experiência igual: você sai à procura de uma coisa, um objeto qualquer e acha outro, que nem mais sabia da existência. Pois não é que abro a gaveta de minha mesa de trabalho, buscando os óculos reserva e, lá do fundo vem pequena agenda de endereços, capa descolorida, páginas enrugadas, embaralhando as letras. Quantos anos têm? Difícil sabê-lo, apenas constato sua antiguidade. Telefones de pessoas, que morreram ou se tornaram desconhecidas, o que dá no mesmo. A antiguidade se revela por ainda serem telefones de seis números e não haver registro de um único celular. Por que teria eu guardado tal ‘’documento histórico’’? É mania que tenho, herdado de minha mãe que guardava até papel de presente usado. A minha estante está cheia dessas reminiscências: calendários de anos passados, revistas idem, escritos, que me acompanham, vindos de outros escritórios. Em minha casa, para ira contida de minha mulher, desapropriei um dos quartos, transformando-o em ‘’arquivo morto’’ de processos, que se findaram há mais de 10 anos. Por que guardá-los, se não poderão ressuscitar? Prometo que o transformarei em arquivo ‘’eletrônico’’, contendo apenas os dados essenciais. Sei que não cumprirei a promessa e as inúteis pastas, juntando traças, lá ficarão, tornando inútil o espaço, até que minha esposa cumpra a ameaça de jogar tudo no lixo... o que, confesso, me deixará aliviado. E sigo acumulando tudo, inclusive meus amados cachorros, que já foram 10 e, agora, são 8 e mais não são, porque me curvei ao óbvio argumento de minha esposa que não temos tanta expectativa de vida assim, para novos, uma vez que acabarão sendo herdados por nossos filhos, todos morando em apartamento. Na verdade, ao longo da vida, apenas não acumulei dinheiro e amigos. Quanto ao primeiro, preferi viver a vida, comendo bem, bebendo melhor ainda e praia, muita praia, em diferentes locais do mundo. Como conseqüência, acumulei lembranças, que, na velhice, torna-se a melhor riqueza. Quanto a não acumular amigos, decorre da enorme má-vontade de conviver, jogar conversa fora, prazeres que ficaram no arquivo, definitivamente morto, da juventude. 

quinta-feira, 23 de junho de 2016

A hora e a vez de Janot



O Senado da República cogita da hipótese  de promover o afastamento de Rodrigo Janot do cargo de Procurador Geral da República. Não será de todo mal se tal hipótese se concretizar. Janot, buscando a luz dos holofotes, tem, sem consistência fática, não só pedido a prisão de expressivas figuras políticas, mas também permitindo o vazamento de tais pedidos. Por óbvio, ninguém pode ser contra que os envolvidos no maior escândalo de corrupção do mundo, concebido e gerado pelo lulopetismo, sejam punidos. Todavia, o que se repudia, é que o principio da presunção da inocência, esculpido em nossa Constituição, seja violado, sem gerar conseqüências para o violador. Não podemos deixar de reconhecer os ingentes esforços do Presidente Temer para nos tirar do abismo econômico, em que nos meteram 13 anos de petismo. A negociação da dívida dos Estados foi exemplo disto. Todavia, todo este trabalho fica comprometido, quando um sociopata, como Sergio Machado, abre a boca e gira sua metralhadora, procurando salvar a própria pele. É aí que Janot, de modo incompatível com a responsabilidade de seu cargo, mete a caneta e ‘’solta a voz’’ para a mídia. Já disse alguém que o principal papel da Imprensa é separar o joio do trigo. O problema é que ela só publica o joio. Nada contra a investigação, mas o correto é que ela só venha a público, quando devidamente fixada a culpabilidade do investigado. Janot, hoje, querendo ou não, parece trabalhar para trazer de volta Dilma e sua camarilha. Conheço inúmeros membros do Ministério Público que têm o mesmo juízo crítico, em relação à conduta do Procurador Geral, pelos prejuízos acarretados àquela Instituição, que tanto lutou para se fortalecer. O Supremo Tribunal Federal encontra-se estagnado, no julgamento dos processos comuns, dedicando-se, quase exclusivamente, às denuncias de Janot. Aos olhos do mundo – e principalmente dos investidores internacionais – somos um País, onde só há corruptos e do qual se deve passar longe. Assim, a expulsão de Janot, malgrado o trauma acarretado, pode ser medida profilática, substituindo-o por alguém, competente, sério e discreto, que cumpra seu dever, sem tambores e trombetas. 

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Das imperfeições do sistema jurídico



Depois de longo tempo, voltei, ontem, ao Tribunal do Júri, em pobre cidade da periferia da Capital. A jovem Promotora, extremamente dedicada, pela sua tenra idade, deu-me a impressão de que debatia com minha neta. O Juiz, também jovem, de forma didática, explicava aos jurados, pessoas simples, de pouca formação cultural como deveriam exercer sua função. Tratava-se de caso de duplo homicídio, mas as investigações, realizadas por uma Polícia, precária de estrutura para trabalhar, não chegou, com precisão, à autoria, o que levou à absolvição dos acusados. Portanto, a absolvição foi menos mérito meu e muito mais demérito da prova. Todavia, do que queria falar, ao constatar a sobre-humana carga de trabalho dos jovens Juiz e Promotora e o baixo nível intelectual do corpo de jurados, é que firmei, como nunca, minha convicção sobre dois temas, bastante polêmicos entre os chamados ‘’operadores do direito’’. O primeiro, diz respeito à manutenção do Tribunal do Júri, integrado por pessoas leigas, incumbidas de julgar o crime de homicídio. Trata-se, a meu juízo, de instituição desusada, a merecer extinção, exatamente por estar em julgamento a valoração do maior bem, que é a vida humana. Aprendi, com o saudoso e brilhante Promotor, meu primeiro ‘’adversário’’, Hermínio Alberto Marques Porto, que Júri não é exibição teatral, mas profundo exame da prova, o que só pode ser, adequadamente, feito pelo Juiz togado, técnica e psicologicamente preparado para isto. Ao jurado, via de regra, pessoa de mediana escolaridade, expressões como ‘’excludente penal’’, ‘’instrumento pérfuro-cortante’’, soam estranhas. Ontem, quando recebi a lista nominal dos jurados com suas respectivas profissões, preocupei-me em ser o mais didático possível, abandonando termos grandiloqüentes e terminologia técnica. Confesso que me sentiria mais seguro, tendo, como julgador, um magistrado mais preparado para tal mister. A segunda questão diz respeito à obrigação constitucional de os Tribunais serem integrados, em 1/5, por advogado, indicado por Ordem. Ontem, ao ver aquele jovem Juiz trabalhando, consciente de sua responsabilidade, imaginei as agruras de seu cotidiano. Se reside na Comarca, deve ser em local isolado, vez que a larga região central é paupérrima e a cidade está nas estatísticas oficiais, como uma das mais violentas do Estado. Onde estudarão seus filhos e onde disporá de assistência médica de emergência? Se reside fora da Comarca, com certeza, sufoca-se no trânsito, nas piores horas do dia. Pois esse Juiz, como tantos outros, após completar seu périplo e ter condições de ascender ao Tribunal, com toda a bagagem acumulada na longa estrada, poderá ser obstada sua trajetória, porque a vaga disponível pertence ao malfadado quinto constitucional e será ocupada por advogado que não se preparou para isso. Esse é o momento em que o legal e o justo se divorciam.

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Sobre traição e culpa


A madrugada já avançada, em direção à manhã de sábado e Henrique ainda lutava com o travesseiro, atormentado pela culpa, que o afastava, do sono. Casado, há quase 20 anos, com Helena, sempre lhe fora fiel, jamais, em qualquer momento, sentira o menor interesse por outra mulher. Considerava a confiança a viga mestra do casamento e, além do mais, Helena o satisfazia em tudo, tanto como companheira, quanto como fêmea. Conhecera-a na mesma agencia bancária, onde fora trabalhar. Fora quase amor à primeira vista: em um ano, namoraram, noivaram e casaram, ele com 24, ela com 21 anos. Foram tempos difíceis: dinheiro pouco, morando na periferia, sem carro, apartamento pequeno e Helena sem nada reclamar, dando a maior força. O projeto de filho foi sendo adiado, até que ambos, já passados dos 30, desistiram. – ‘’temos um ao outro e, para mim, isto basta’’, dizia Helena. Com muito esforço e dedicação, Henrique chegara a diretor regional do banco e Helena era gerente de RH de uma multinacional. Mudaram para confortável apartamento, em Moema, cada um tinha seu carro e, nos finais de semana, estavam sempre juntos. Mas aí veio aquela fatídica 6ª feira. Henrique dirigia-se, em direção à sede do banco, quando, fechado o farol, ao lado do seu, parou um carro, ao volante uma mulher. Instintivamente, olharam-se e ela sorriu um dos mais belos sorrisos que já vira. Ela jogou-lhe um cartão, que caiu sobre o banco do carona, o semáforo abriu e eles se perderam no sufocante trânsito matinal. O cartão dizia que ela era ‘’promoter’’, chamava-se Sabrina e continha um número de celular. A manhã transcorreu agitada, reunião com gerentes a ele subordinados, revisão de metas e outras expedientes de rotina. Apenas quando foi pagar a conta do almoço e o cartão veio junto com o dinheiro, é que ele se lembrou de Sabrina. Já na rua, quase instintivamente ligou para ela, sem ter muito a dizer. Ela, ao contrário, totalmente à vontade, conversou como se o conhecesse há séculos. Acabaram marcando um ‘’happy hour’’ para aquele mesmo dia. Já a partir daquele momento, Henrique sentiu o coração apertado de remorso e mentiu para si mesmo que seria apenas um encontro, sem qualquer conseqüência. Quando Sabrina entrou no bar, seios apontando para o norte, coxas, maravilhosas coxas, à mostra, todas as cabeças se voltaram para aquela mulher de 1,80m, mais ou menos 30 anos, que já entrava abrindo largo sorriso para Henrique. Sentou-se ao lado dele, transferindo-lhe o calor de seu corpo e perfumando-lhe com seu hálito adocicado. Contou um pouco de sua vida, que promovia eventos para empresas, daí seu jeito expansivo. De repente, não mais que de repente, ela lhe tomou as mãos, depositando-as sobre as coxas e, lábios colados ao ouvido dele, sussurrou:
- ‘’quero você, agora!’’ Henrique se deixou levar, sem qualquer resistência e se amaram, com a intensidade de apaixonados. Depois, quando a deixou no carro, ela lhe deu rápido beijo e foi embora, despedindo-se, assim, como se despede de um estranho, em quem se esbarrou, na rua. Em casa, banho tomado, sentado à mesa do jantar, Helena questionou o silencio, o ar distante, que ele justificou pelos problemas do dia. Contrariando o hábito, ela foi dormir e ele se deixou ficar, sentado no sofá, olhar perdido, o rosto de Sabrina, os seios de Sabrina, as coxas de Sabrina e até o gosto intimo de Sabrina indo e vindo, cravando-lhe a culpa da traição imerecida, que o perseguiu, noite adentro. Se confessasse, Helena o perdoaria? Afinal fora apenas uma não querida transa com estranha pessoa, que não deixara marca. E, se Helena não o perdoasse, o que faria da vida, sem ela? Sábado, céu cinzento, foram, ele e sua culpa, correrem no Ibirapuera. Talvez, ali, entre as árvores, recebesse um sinal, indicando-lhe o que fazer. Na segunda volta, encontrou Virgílio, seu amigo de longa data. Tinham feito carreira no mesmo banco, passaram pelas mesmas dificuldades. Era alguém com quem podia abrir o peito, vomitar sua culpa e pedir sugestão. Virgilio já passara por dois casamentos, indo para o terceiro e, por certo, entendia destas coisas de traição e culpa.
- ‘’Virgílio, que bom que te encontrei! Aconteceu uma coisa terrível e não sei o que fazer.’’
- ‘’Fique tranqüilo, Henrique, já sei o que é. Não tome nenhuma medida precipitada. Na verdade, eu ia te contar, apenas achei que não devia me meter em sua vida. Mas, se você já sabe, conte comigo, que amigo é pra estas coisas.’’
Quase sem voz, ofegante e surpreso, apenas perguntou:
- ‘’Afinal, o que você sabe, Virgílio?’’
- ‘’Da Helena, sua esposa, que está transando com o Glauco, o diretor de RH do banco! Não é isto?’’
- ‘’Claro que é’’, respondeu Henrique, deixando Virgílio sozinho, estático, enquanto ele, como se fosse um robô, saía do parque. Esqueceu o carro e foi andando para casa, cabeça a mil, quase sendo atropelado, quando atravessava a avenida. Em casa, Helena guardava as compras do supermercado.
- ‘’Poxa, Henrique, por que você não me esperou para irmos ao parque? Nossa, você está pálido, aconteceu alguma coisa?’’
Ele, tremendo, abriu a geladeira, encheu o copo de suco, bebeu-o, vagarosamente, e perguntou:
- ‘’Helena, se você descobrisse que eu te traí, o que você faria?’’
- ‘’Acho que eu te matava, Henrique. Por quê? Você me traiu?’’
- ‘’Claro que não, apenas curiosidade’’, respondeu, indo para o quarto. Abriu, ao acaso, a Bíblia, colocada no criado mudo. Evangelho de Mateus: ‘’ouvistes que foi dito:

’olho por olho, dente por dente’’. Ora, eu vos digo: não ofereçais resistência ao malvado! Pelo contrário, se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a esquerda.’’ Fechou a Bíblia, foi até o armário, retirou o revolver de dentro de uma caixa, voltou à cozinha, Helena, de costas, guardava alguma coisa. Desferiu-lhe dois tiros e depois disparou contra a própria cabeça. Decididamente, não fora convincente a lição do evangelista. 

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Por uma reforma política



Logo após a Revolução de 1964, os partidos políticos foram extintos, pelo óbvio motivo que o regime democrático não podia – como não pode – funcionar com ilimitada pluralidade partidária, sem ideologia e linha programática definidas. Surgiram, assim, a ARENA e o MDB, o primeiro, dando sustentação ao Governo e o segundo que, na verdade, era vasta ‘’frente’’, fazendo-lhe oposição. Nos Estados Unidos, maior e mais consolidada democracia do mundo, há dois partidos, o Republicano, mais à direita, que preconiza menos Estado e o Democrata, mais ao centro, o Estado pouco intervencionista, minimizando os conflitos sociais. É verdade que há os chamados ‘’independentes’’, mas que, não contam, porque jamais tiveram representatividade real. No Brasil, especialmente após a romântica Constituição de 1988, os partidos políticos foram se multiplicando e tantos os são que não consigo quantificá-los. A coisa chegou ao ridículo extremo que se tem o Partido da Mulher Brasileira – PMB, com um único representante no Congresso... e que é homem. Tal multiplicidade gerou as ‘’legendas de aluguel’’. As coligações partidárias não se formam em razão de programas ou identidade ideológica, mas em razão de tempo na televisão e divisão de cargos. Na última eleição municipal ficou célebre o triplo aperto de mão entre Lula, Paulo Maluf e Haddad e, no ‘’palanque da vitória’’ do último, lá estava Maluf, sorridente, com ar de vencedor. Todos falam na imperiosa necessidade de uma reforma política, com clausula de barreira, que reduziria o número de partidos e a fidelidade partidária, que eliminaria o mercado de compra e venda de deputados, senadores e correlatos. Ingenuidade de quem acredita que tal reforma sairá do papel, já que teria de ser efetivada pelos próprios congressistas, nada dispostos a abrirem mão de seus privilégios. Hoje, no Brasil, os três melhores negócios a serem criados são: partidos políticos, sindicatos e igrejas neo-pentecostais. Todavia, surge uma luz no fundo do túnel, quanto à reforma política. É que a operação ‘’lava jato’’ vai revelando que a corrupção alcançou, democraticamente, todos os partidos, do PCDB ao PP, em extenso leque que não discriminou ninguém, nem a Marina, com aquele seu ar de donzela invicta. Por que uma Construtora, lídima representante do capitalismo, doaria mais de 01 milhão para uma deputada do Partido Comunista? Eduardo Cunha, por sua vez, já avisou que, se cair, leva 150 deputados com ele. Juntando todos os envolvidos, passados, presentes e futuros, talvez sobre menos de 50 deputados e 20 senadores, o que inviabilizará o funcionamento do Congresso Nacional. Daí, a reforma política emergirá, como conseqüência natural. Não mais que 03 partidos não necessários: um, à direita, mais liberal, a pregar o Estado mínimo; outro, à esquerda, adepto do Estado protecionista, e outro, ao centro, como fiel da balança, impedindo as radicalizações. Tenho, inclusive, sugestão de nomes para liderar as 03 citadas alas: à esquerda, Cristovão Buarque; à direita, Ronaldo Caiado; ao centro, José Serra. Por enquanto, é só um sonho, que a ‘’lava jato’’ pode transformar em realidade. 

terça-feira, 14 de junho de 2016

Aniversário de casamento

Comentei com um amigo fraterno que estou completando 45 anos de casado e ele se assusta, já que passou por três casamentos e, agora, solteiro, assim pretende continuar. – ‘‘como você conseguiu?’’, perguntou-me ele. Em primeiro lugar, não fui eu, mas ‘’nós conseguimos’’, malgrado chuvas e trovoadas. Depois, se se fizer as contas, bem feitas, não é tanto tempo assim. Vamos lá: 45 anos são 394.200 horas. Se dessas horas você excluir as que fica fora de casa, trabalhando – 10 horas/dia – e as que passa dormindo – 07 horas dia – o tempo/dia fica reduzido para 07 horas que transformados em anos, reduz o tempo de casado para menos de 14 anos. E ainda há que se computar os dias, que se ficou fora de casa, viajando a trabalho, o que reduzirá o tempo real de convivência para, no máximo, 12 anos, o que, convenhamos, não é tanto tempo assim. Todavia, a longevidade matrimonial exige algumas regras básicas a serem observadas, principalmente, quando a ‘’velha chama’’ já não arde. Companheirismo e compreensão são essenciais e, manter a família sempre unida, é mais essencial ainda, porque um dia os filhos batem asa, na construção de seus próprios ninhos e, aquela união, faz com que eles sempre retornem, agora trazendo netos, que voltarão a encher de barulho e alegria a casa. O silêncio constante é irmão gêmeo da solidão e nada como criança, correndo, jogando bola na sala, fazendo guerra de travesseiro, para impedir que o silêncio se instale. Ter cachorro também é muito bom, por eles, companheiros fidelíssimos e por nós, pelo trabalho que requerem. Manter e respeitar a individualidade de cada um, é fundamental, não disputando a televisão, a música ou a leitura, quando se tem – e sempre se tem – gosto diferente. Outra coisa: a casa é propriedade comum, mas o direito de seu uso é privativo da mulher, que deve determinar, sem contestação, as regras internas de funcionamento. Com o correr dos anos você descobre que as discussões são inúteis: a mulher tem sempre razão, mesmo quando a obviedade demonstre o contrário. Por isso ouça, prestando atenção ou não atenção, sem retrucar... até porque será inútil fazê-lo.

De minha parte, declaro, para todos os fins de direito, que estes 45 anos passaram com a velocidade do vento. Para mim, valeu a pena vivê-los com a companheira que tenho e, se o tempo voltasse, com ela começaria tudo outra vez. 

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Considerações sobre a legalização do jogo, no Brasil

Ressurge, no Congresso Nacional, projeto de lei, propondo a legalização de jogos de azar, sendo que o dinheiro arrecadado – estimado em 20 bilhões/ano – seria utilizado para cobrir o rombo da previdência social. O jogo, no Brasil, teve seu esplendor nos anos 30 e metade nos anos 40, ficando famosos o ‘’Cassino da Urca’’ e o do ‘’Hotel Quitandinha’’, na subida para Petrópolis. Em 1946, o Presidente Dutra, influenciado por sua esposa, carola até o ultimo fio de cabelo e que considerava o jogo ‘’coisa do diabo’’, decretou sua ilegalidade, gerando desemprego para artistas, garçons, enfim, para todo o pessoal que dava apoio logístico às casas de jogo. Como ainda não existia, por aqui, a televisão – que surgiria apenas em 1954 – e o rádio tinha alcance limitado, foi nos cassinos que surgiram e brilharam grandes orquestras, como a de Severino Araújo, vedetes como Virginia Lane – que se tornaria amante do então Presidente Getúlio Vargas – e cantores, que se imortalizaram, como Silvio Caldas, Francisco Alves, Orlando Silva, dentre tantos outros que, com o fechamento daquelas casas, viram estreitar, de modo significativo, o mercado de trabalho. Mas, como tudo no Brasil prevalece a hipocrisia, posto na ilegalidade, o jogo corria – e ainda corre solto – em cassinos clandestinos e clubes sociais, sendo que, nesses últimos, predominam o ‘’carteado’’. Lembro-me de que, em minha cidade, eram famosos os casos de homens que perderam fortunas em mesas de ‘’pôquer’’ e ‘’pif-paf’’. Comentou-se, à época, tinha eu uns 15 anos, que conhecido fazendeiro ‘’perdera’’, por uma noite, sua belíssima esposa, morena, olhos azuis, numa infeliz rodada de cartas. Em tempos mais modernos, pulularam, em nossa Capital, casas de bingo e vídeo pôquer, algumas sofisticadíssimas, como uma, existente na 23 de Maio, cujo restaurante tinha suas mesas postas sobre um piso de vidro, sob o qual, em lago artificial, nadavam carpas coloridas. Como o jogo era proibido, não gerava arrecadação para o Estado, mas era – e ainda é – generosa fonte de propina para os agentes públicos, encarregados de fazer valer a proibição. Já nem falo do ‘’jogo do bicho’’, que se espalha por todas as esquinas, acessível, principalmente às camadas mais pobres das populações. Como tudo é hipocrisia, o jogo é proibido, mas a Caixa Econômica Federal tem o monopólio legal de explorar a loteria, a lotofácil, a lotomania, a mega sena e dezenas de outros, tantos os são que não os recordo o nome. Como o prêmio pago corresponde a 1/3 do total arrecadado, seria interessante investigar como e onde essa arrecadação é aplicada. Assim, a legalização do jogo, além de gerar novos empregos, trará relevantes recursos para o Estado. Fica apenas receio de se criar uma ‘’Jogobrás’’, com direito a presidente, diretores, assessores, habituais cabides de emprego, principalmente quando se noticia que a legalização do jogo está sendo patrocinada pelas Centrais Sindicais. Só falta terem elas o monopólio da exploração. Como estamos no Brasil, tudo é possível! 

sexta-feira, 10 de junho de 2016

Por que bater palmas ‘’com alegria’’?



Antes de se iniciar a leitura do Evangelho, é costume cantar uma música, como a preparar os corações e mentes para a leitura que se vai ouvir. No domingo último, cantou-se uma, cujo estribilho diz:‘’batam palmas, com alegria, o Evangelho vai falar...’’ E, na homilia que se seguiu, o sacerdote, que a proferiu, indagou se, em tempos tão adversos, tínhamos motivação para batermos palmas, ‘’com alegria’’. A homilia prosseguiu, mas minha cabeça ‘’viajou’’, naquela rápida introdução. Como, de larga data, freqüento a mesma missa – das 10 horas – conheço inúmeras pessoas e, até, seus motivos, para não baterem palmas ‘’com alegria’’. Meu companheiro de banco, um ainda jovem de não mais de 40 anos, depois de uma década, trabalhando na mesma empresa, foi despedido e assim permanece, passados vários meses. Com fé, conversa com Deus, nele depositando sua esperança. Dois bancos à frente, senta-se uma pessoa, óculos escuros para esconder sua tristeza, cujo companheiro abandonou-a, depois de cerca de 30 anos de convívio diuturno. Ao lado do primeiro banco, instala-se, sentado em cadeira-de-rodas, um senhor, que conheci há cerca de dois anos e que, por razões que desconheço, foi lentamente, perdendo a capacidade de locomoção. Bem atrás de mim, estão os dois filhos albinos do jovem Ministro Extraordinário da Eucaristia. E quantos outros não haverá, sem motivos para bater palmas ‘’com alegria’’? A verdade é que todos temos que carregar nossa cruz e seguir Jesus, como ele nos convidou a fazê-lo. Vivemos tempos paradoxais, onde a humanidade se utiliza de todos os meios científicos e sociais para evitar a dor e padece, como nunca, de angústias e depressões. Adquiri o hábito de assistir à missa, olhos fixos no imenso Cristo crucificado, postado sobre o altar. Nele coloco minha esperança, meu refúgio e, acima de tudo, naquela imagem, ao mesmo tempo sofrida e terna, busco forças para carregar minha cruz, tão leve, diante de tantas outras. Afinal, ‘’mesmo se vier noite traiçoeira e a cruz pesada for, Cristo estará conosco e o mundo pode até vos fazer sofrer, mas Deus nos quer sorrindo.’’

quarta-feira, 8 de junho de 2016

História de um quase amor


Ela se chamava Joana, assim, simplesmente Joana, nome antigo, a remeter-lhe à empregada de sua infância. Conhecera-a por causa da chuva, que caíra sem aviso prévio, retendo-o no restaurante defronte ao prédio, onde tinha escritório. Ambos, ele e a futura Joana, à porta, esperavam a chuva pelo menos diminuir de intensidade. Devia ter ela entorno de 40, alta e, pelo modo sóbrio de vestir, seria executiva de alguma empresa, já que o calor de mais de 30 graus desnudava as mulheres. Ela lhe dirigiu um sorriso de cumplicidade, afinal eram prisioneiros da mesma causa. Ele respondeu com comentário, estupidamente óbvio:
- ‘’que chuva mais fora de hora, não?’’
Ela sorriu de novo, deu uma resposta monossilábica e continuaram, ambos a olharem o cair da chuva. De repente, o sol surgiu, ardido, entre as nuvens e ele e a futura Joana caminharam na mesma direção.
- ‘’Você também trabalha neste prédio?’’, perguntou ele, o que continuava a ser uma imbecilidade, porque era o único edifício do quarteirão.
- ‘’Trabalho e nós já nos cruzamos várias vezes no elevador. Sei que o senhor é advogado e tem escritório no 15º andar. Eu sou sócia da agência de publicidade que fica no 11º. Meu nome é Joana’’.
Ele e a agora Joana entraram no elevador, ela desceu no 11º e ele, envolvido no cotidiano, esqueceu-se dela. Passara dos 60 anos e, com três casamentos fracassados, concluíra não ter vocação para ligações amorosas. Homem de poucos amigos, dividia a vida com livros e cachorros. Além do mais, pela estatísticas, teria mais dois ou três anos de vida, o que já era muito. Fizera e tivera muito mais que imaginara e se sentia pronto para a viagem definitiva. Noite já caminhando, toma o elevador para a garagem. A porta se abre e Joana assusta-se ao vê-lo. Riem e seguem em eloqüente silencio até o subsolo, onde se despedem com raquítico ‘’boa-noite’’. Ao entrar em seu carro olhou para ela, que, outra vez, riu para ele, com um aceno de mão. Os dias se passaram, com a monotonia de sempre e ele, quase imperceptivelmente, procurava por Joana, no elevador e no estacionamento. Qual o significado daquela busca, ele que nada buscava? Além do mais, ela o tratava por senhor, como a sublinhar a distancia que os separava, no tempo. Achou ridícula sua ansiedade, por isso decidiu não mais pensar em Joana, a simplesmente Joana. Fora uma sexta-feira para esquecer: perdera a ação que tinha certeza que ganharia, a segunda mulher ligou, pedindo mais dinheiro, o caseiro da casa da praia pedira demissão. Era correr para casa, escolher um vinho forte e brincar com os cachorros. Mas o elevador parou no 11º andar e Joana entrou, usando um vestido que projetava o bico dos seios e exibia coxas torneadas. Riram, outra vez e ele se constrangeu por perceber que ela percebera seu olhar, quase indecente. Ela o chamou de você – ‘’Você anda sumido!’’ -, o que encorajou a convidá-la para um aperitivo, sob a velha desculpa de esperar o trânsito melhorar. Foram. Falaram de suas perdas e ganhos, beberam o suficiente para expulsar verdades escondidas. Ele quis beijá-la, deslizar as mãos pelas coxas torneadas e sentiu que ela ansiava por isto. Num rasgo de sobriedade ele anteviu a conseqüência do beijo, não beijado; as magoas que se acumulariam com o inevitável desamor, ele que, na essência, nunca conhecera o amor. Por isso, no quase beijo, desviou o olhar dela, chamou o garçom, pediu a conta e apenas disse: ‘’acho que o trânsito já melhorou, podemos ir.’’

Joana, em eloqüente silencio, mas surpresa, se deixou levar até seu carro, onde se despediram com um inexpressivo ‘’boa noite’’. Já em casa, afagando o dorso de ‘’Apolo’’, seu gigante e dócil ‘’Mastif’’, ele respirava o alívio de quem conseguira sobreviver a um grande perigo. 

terça-feira, 7 de junho de 2016

A operação lava jato sob o prisma da relação custo/benefício

Leio que, como consequência da “lava jato”, a Construtora Odebrecht acumula déficit de 110 bilhões e demite 50 mil empregados. O mesmo efeito se produz em outras construtoras e empresas, sem falar na própria Petrobras, reduzida em cerca de ¼ de seu anterior valor de mercado. No “conjunto da obra”, estima-se que a “lava jato” acarretou, para as empresas, direta ou indiretamente, envolvidas na “petropropina”, prejuízo da ordem de 500 bilhões de reais e gerou cerca de 300 mil desempregados, tendo recuperado menos de 01 bilhão de reais do dinheiro desviado. Neste lapso de 02 anos da “operação”, a economia do País regrediu e nossas instituições atingiram seu mais baixo índice de credibilidade. Se se optasse pela realização de novas eleições, em todos os níveis, quem seria, à esquerda ou à direita, o líder capaz de motivar a opinião pública? São dados objetivos que nos leva à reflexão, se a “lava jato”, em toda a sua dinâmica, teria valido a pena. Algumas aberrações jurídicas foram produzidas, para regozijo da população, mas que inspira cuidados, porque a justiça, para ser eficiente, deve, indistintamente, ser o primado do Direito. Cito alguns exemplos: ver um poderoso e milionário empresário preso, por desvio de conduta, é excelente exemplo de imparcialidade. Todavia, mantê-lo recluso, sem justa causa, até que ele decida pela delação premiada, é deformação desse instituto e que coloca em dúvida, até mesmo o valor probante dessa delação. Todos somos críticos da conduta do deputado Eduardo Cunha, mas seu afastamento da presidência da Camara, pelo Supremo Tribunal Federal, sem que haja previsão constituição para tal ato punitivo, traz, no mínimo, desconforto para quem pretende ver preservado o Estado de Direito. Sempre integrou nosso ordenamento jurídico o principio da “presunção da inocência”, que apenas desaparece com a sentença definitiva, aquela contra a qual não pende mais recurso. Assim está esculpido na Constituição em vigor. Pois o mesmo Supremo, cognominado “guardião da Constituição”, agindo como legislador, estabeleceu a regra da prisão compulsória, a partir da confirmação da sentença pelos tribunais regionais. Essa desarrumação do ordenamento jurídico pátrio também foi consequência da “lava jato”, que parece envolvida em reluzente e poderoso manto sagrado, que a protege de qualquer critica, a ponto de transformar em “inimigo do povo”, quem dela discorde. Deixo o julgamento para a história, mas, por hora, limito-me a apontar dados concretos, a demonstrarem que o ídolo tem pés de barro.

segunda-feira, 6 de junho de 2016

A volta dos mortos vivos

Não há mais qualquer razão para se voltar a falar da afastada Presidente Dilma, defunto, que precisa ser enterrado, para que o País vire esta vergonhosa página de sua historia e retome o caminho do desenvolvimento, que gera emprego, que restaura a dignidade. Todavia, como vivemos época de ‘’cambalachos’’ políticos, a morta ameaça ressuscitar e nos aterrorizar a todos. As revistas, do último fim-de-semana, revelam as tratativas, nada republicanas, estabelecidas entre Dª Dilma e Marcelo Odebrecht, do qual ‘’arrancou’’ 20 milhões de reais. Através da delação de Cerveró, tem-se a informação de que ela, como presidente do Conselho da Petrobrás, sempre soube da ‘’tenebrosa transação’’, envolvendo a refinaria de Pasadena e das vantagens indevidas recebidas pelos seus asseclas. E, extremo ridículo, toma-se conhecimento que até mesmo o cabeleireiro da madame era pago pela construtora. Cai, assim, a máscara da mulher tida como ‘’pessoalmente honesta’’, como apregoava muito gente boa, inclusive meu prezadíssimo Delfim Netto. Pois, agora, Dª Dilma anda irritada, porque o novo Governo recusa-se a liberar avião da FAB, para que ela passeie pelo Brasil, soltando o verbo, a falar que está sendo vitima de um ‘’golpe’’, malgrado todo o rito constitucional do impeachment ter sido seguido. O jornal ‘’O Globo’’, edição de ontem, domingo, noticia a revolta da oficialidade jovem da FAB, pelo uso de aviões para transporte de políticos, impossibilitando o uso de aeronaves para fins relevantes, como transporte de órgãos humanos, para serem transplantados. Renan Calheiros utilizava aviões da FAB para fazer transplante de cabelo e Dilma usa-os para que seu cabeleireiro se desloque a Brasília, para pentear suas ‘’madeixas’’. Enquanto isso, pessoas humildes morrem, porque o coração, a lhe ser transplantado, não dispõe de meios de transporte rápido, para chegar a seu destino. Dª Dilma, que não tem nenhuma função, dispõe de 35 pessoas para servi-la, no Palácio da Alvorada, a um custo mensal de 500 mil reais. O que farão esses serviçais, inúteis e desnecessários serviçais? Cessa, assim, de modo melancólico, a farsa da mulher honesta, vitima de um golpe, urdido ao arrepio da lei e surge a imagem real de uma presidente que integrou a quadrilha que dizimou o patrimônio da Petrobrás. 

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Porque Junho chegou



Como já alardeei, detesto o frio, que nos faz camuflar em pesadas roupas e me traz inevitável banzo do verão. Todavia, tenho especial carinho pelo mês de Junho, tantas são as comemorações, gerais e pessoais, nele realizadas. No plano geral, as festas juninas que, se nestas plagas paulistanas resumem-se às quermesses das Igrejas, pelo Brasil afora, especialmente no Nordeste, continuam a serem festejadas com danças, fogueiras e quentões. Nada tenho de saudosismo, mas são as raízes que traçam a personalidade de um povo e de uma nação. Dos Santos reverenciados, minhas preferências recaem sobre São João, que me remete à infância e São Pedro que considero injustiçado pela hagiografia, apesar de ter sido a pedra sobre a qual se erigiu a Igreja. Acabou tendo sua importância empanada pelo seu colega de dia, São Paulo, por quem chego a ter antipatia: intitulou-se a si mesmo apostolo, desprezou Barnabé, que o introduziu entre os apóstolos verdadeiros e quis tomar o lugar de Pedro. Suas ‘’cartas’’ – em grande numero não escritas por ele – estão recheadas de cabotinismo, como se ele tivesse sido, pessoalmente, escolhido por Cristo, para difundir o evangelho. É óbvio que Paulo foi importante. Culto, de origem nobre, teve a visão cosmopolita que faltou a Pedro, humilde e analfabeto pescador. Outro dia, um amigo, recém chegado da ‘’terra santa’’, mostrou-me uma foto da casa de Pedro, quase uma gruta de ínfima dimensão. Nasceu e viveu ele na pobreza, desceu da vida para seguir Jesus e o entendeu, mais com o coração do que a razão, fraquejou, como qualquer ser humano e, exatamente pelo seu despojamento, Cristo o escolheu para ser o fundador da Igreja que emergia. Impossível imaginar Paulo, com seu imponente cavalo e aquela pose de ‘’eu sou mais eu’’, participando de festa junina. Quanto a Pedro, vejo-o percorrendo as barracas de canjica e quentões, pulando fogueiras e, até, ensaiando passos de quadrilha. E não esqueçamos Santo Antonio, reverenciado, com incontida expectativa, pelas ‘’moças casadoiras’’.

Boas festas juninas a todos e quem puder, desfrute-as no nordeste, especialmente na Paraíba, terra de muitos encantos e quase nenhum frio.

quarta-feira, 1 de junho de 2016

Da difícil arte de viver



Ao longo do exercício da advocacia – e põe longo nisto – tive e tenho o privilegio de conviver com colegas, de elevada competência profissional, mas que, exatamente por saberem quanto valem, são avessos a auto-promoção, nem fazem pose de impolutos. Com muitos, apenas convivo, com uns poucos tenho o privilégio de passear em suas intimidades. Hoje vou falar de um – e apenas ele se identificará nestes escritos – que, quando o visito em seu belo escritório, lá tenho vontade de ficar, por tempo indeterminado. Filho de desembargador já falecido, pouco mais novo do que eu, alcançou sucesso na profissão e total independência financeira, da qual não faz alarde. Cultiva o principio que ‘’viver é melhor que sonhar’’ e, sem tirar os olhos dos menos favorecidos, a quem empresta habitual generosidade, é amante dos bons vinhos e das belas mulheres, presas fáceis de sua inteligência e elegância. Casou-se, no sentido largo do termo, quatro ou cinco vezes e, nestes cerca de 10 anos que com ele convivo, jamais ouvi dele qualquer comentário desairoso em relação a elas. Certa vez, leu, esculpido em uma parede, a frase, que reproduzo, provavelmente com alguma imperfeição ‘’quem não ama totalmente, é porque não ama.’’ Naquele momento, tomou a decisão de terminar um relacionamento, que já perdera o brilho. Hoje, vive sozinho, em seu espaçoso apartamento. Sozinho, é maneira de dizer. Quando o corpo requisita, convida mulheres avulsas, mas se recusa a manter com elas simples relação de compra e venda. Respeita-as, como ser humano e as acolhe, fidalgamente, oferecendo-lhes um jantar, que ele mesmo prepara, regado a um vinho, de boa linhagem. O que vem depois é o que viria depois, com qualquer mulher, esposa, amante, mas com a reverencia, com que a distingue e que faz dele um cavalheiro, espécie que vai se extinguindo em tempo de barbárie. Orgulha-me, tê-lo em meu convívio, com quem aprendo, a cada dia, que a vida fica mais fácil e melhor de se viver, quando se a vive com generosidade.