Apesar de concordar que o dom da fé não passa,
necessariamente, pelo dom da razão, busco através da leitura, principalmente
dos chamados ‘’doutores da Igreja’’,
explicações para as dúvidas, que me perseguem, sem todavia, trazer tormentos.
Confesso, com certo pudor, que não nutro simpatia pelo apóstolo Paulo, feito
Santo. Tenho a idéia amalucada que pretendeu ele dar um ‘’golpe de estado’’ e assumir a liderança da Igreja, outorgada a
Pedro pelo próprio Cristo. Daí inventou aquela historia da ‘’estrada de Damasco’’ e, levado pelas
mãos de Barnabé – que depois repudiou – introduziu-se entre os apóstolos
originais, intitulou-se a si mesmo apóstolo e bateu de frente com Pedro, homem
humilde e inculto, ao contrário dele, Paulo, judeu educado em Roma e egresso da
nobreza. Por óbvio, não tiro seu valor, já que, com visão cosmopolita, procurou
levar o cristianismo para o mundo de então. Mas, volto aos ‘’doutores’’ e, tardiamente, percorro
Santo Agostinho e me impressiono com sua trajetória de vida, seus deslizes, a
busca incessante da verdade interior, até abraçar Deus e a nossa Religião. De
origem africana, filho de pai ateu e mão católica, Aurélio Agostinho, marcado
por temperamento passional, enveredou por vários caminhos, sempre em busca da
verdade. Sua teologia não nasceu em gabinetes, mas foi sofrida e amadurecida na
odisséia de sua vida. Apesar de sua mãe, Mônica, ser profundamente católica e
ter a ele transmitido tal religiosidade, seu batismo só se deu em idade mais
madura, (mais ou menos, 33 anos). Agostinho cobraria da mãe esse batismo tardio
que seria a causa de suas ‘’concessões ao
pecado’’, cometidos, principalmente, na adolescência. Esse é o período mais
conturbado de sua vida, marcado, inclusive, pelos conflitos com a mãe, que não
aceita seu comportamento, privilegiando a sexualidade. Com cerca de 20 anos,
Agostinho sai de sua cidade natal e se muda para Cartago, a cidade mais rica e
poderosa da África, sob dominação romana. O fascínio do novo e do proibido o
arrasta para ‘’as chamas crepitantes dos
amores impuros’’, como, mais tarde, ele e o declararia em suas ‘’Confissões’’. Estabelece ‘’união de fato’’ com uma mulher, de
condição humilde e, com ela, tem um filho, Adeodato, fundamental em relação ao
amadurecimento de Agostinho. Profundamente estudioso, mergulha ele nas obras,
principalmente de filosofia, com destaque para Cícero, orador, filósofo e
senador romano (106 a 31 a.C). Com crescente intensidade, Agostinho concentra
seu esforço em compreender a si mesmo e a própria vocação. Conflita-se com as
Escrituras, cuja chave interpretativa não consegue encontrar, não penetrando em
seu conteúdo, razão pela qual se agarra nas sedutoras promessas dos manequeus,
seguidores de uma nova religião missionária e universal, cujo fundamento era o
dualismo radical entre o ‘’Reino do bem’’
(Deus) e o ‘’Reino das trevas’’
(Satanás). Sobre um jovem desiludido como Agostinho, que busca dar fundamento à
própria vida, o maniqueísmo exerce notável fascínio. Aquela que mais tarde
definirá ‘’uma abominável e sacrílega
heresia’’ o mantém ligado por quase 10 anos e que provoca a ruptura de suas
relações com a mãe, firme em sua fé cristã. As numerosas leituras filosóficas,
a que se dedica, os debates, dos quais participa, fazem esmaecer a crença no
maniqueísmo. De Cartago, Agostinho parte para Roma, onde sua vida transcorre ‘’na solidão de uma alma inquieta e
perturbada’’, sempre em busca da verdade límpida, que acabou não
encontrando entre os macabeus. Todo o sistema filosófico que tenta experimentar,
como possível itinerário para a sabedoria o deixa, porém, insatisfeito, porque
lhe traz mais duvidas que certezas, sobretudo, porque nenhum deles deixa traços
daquele ‘’Cristo Salvador’’ que
permanece como o referencial imprescindível para a conquista da verdade plena.
Desiludido pela experiência romana, Agostinho parte para Milão, que abrirá
novos horizontes para ele, primordialmente, a partir de sua aproximação com o
Bispo Ambrosio, realizador de consolidada ação pastoral e de incontestável prestigio
cultural e que teria decisiva influencia na formação teológica de Agostinho. A
partir daí, tem diante dos olhos também o exemplo de uma Igreja viva, um povo
unido na celebração eucarística, atento à pregação, ativo nos cuidados
pastorais. O exemplo das comunidades monásticas que nascem e se multiplicam tem
uma força de fascínio que o atrai. Agostinho começa a promover um definitivo
corte em seu passado. Muitas foram as dificuldades enfrentadas, as vacilações,
como ele próprio declara em suas ‘’Confissões’’:
‘’Repetia de mim para mim: vamos, avante!
Estava quase para agir e, no entanto, ainda não conseguia. Depois tentava
novamente, a meta estava perto, cada vez mais perto, ainda um pouco e
finalmente seria tocado e seria minha. E, no entanto, não, a meta estava mais
além, não a tocava e não era minha, porque ainda hesitava em morrer para a
morte e em ressurgir para a vida...’’ Até que enfim a vontade boa vence e
as vozes do passado ensurdecem. E, a partir daí, a vida de Agostinho é
inteiramente voltada à Igreja de Deus e a serviço do próximo.
Vejo a trajetória da vida de Santo Agostinho, os ‘’monstros’’ com os quais lutou, quase
como lenitivo. Para todos nós, ainda vacilantes na fé, que chegamos ao final da
jornada sem compreender o real sentido da vida, que não fomos capazes de ‘’extirpar o mal enraizado’’ e amargamos
esta incapacidade. Ler, refletir e orar
é o caminho que Santo Agostinho nos indica.
Obs: os trechos transcritos foram extraídos das obras: ‘’Confissões’’ – Santo Agostinho – Ed.
Martin Claret, 2002 e ‘’Santo Agostinho –
a aventura da graça e da caridade’’ – Giuliano Vigini – Ed. Paulinas, 2015.
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