sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Santo Agostinho: exemplo e caminho

Apesar de concordar que o dom da fé não passa, necessariamente, pelo dom da razão, busco através da leitura, principalmente dos chamados ‘’doutores da Igreja’’, explicações para as dúvidas, que me perseguem, sem todavia, trazer tormentos. Confesso, com certo pudor, que não nutro simpatia pelo apóstolo Paulo, feito Santo. Tenho a idéia amalucada que pretendeu ele dar um ‘’golpe de estado’’ e assumir a liderança da Igreja, outorgada a Pedro pelo próprio Cristo. Daí inventou aquela historia da ‘’estrada de Damasco’’ e, levado pelas mãos de Barnabé – que depois repudiou – introduziu-se entre os apóstolos originais, intitulou-se a si mesmo apóstolo e bateu de frente com Pedro, homem humilde e inculto, ao contrário dele, Paulo, judeu educado em Roma e egresso da nobreza. Por óbvio, não tiro seu valor, já que, com visão cosmopolita, procurou levar o cristianismo para o mundo de então. Mas, volto aos ‘’doutores’’ e, tardiamente, percorro Santo Agostinho e me impressiono com sua trajetória de vida, seus deslizes, a busca incessante da verdade interior, até abraçar Deus e a nossa Religião. De origem africana, filho de pai ateu e mão católica, Aurélio Agostinho, marcado por temperamento passional, enveredou por vários caminhos, sempre em busca da verdade. Sua teologia não nasceu em gabinetes, mas foi sofrida e amadurecida na odisséia de sua vida. Apesar de sua mãe, Mônica, ser profundamente católica e ter a ele transmitido tal religiosidade, seu batismo só se deu em idade mais madura, (mais ou menos, 33 anos). Agostinho cobraria da mãe esse batismo tardio que seria a causa de suas ‘’concessões ao pecado’’, cometidos, principalmente, na adolescência. Esse é o período mais conturbado de sua vida, marcado, inclusive, pelos conflitos com a mãe, que não aceita seu comportamento, privilegiando a sexualidade. Com cerca de 20 anos, Agostinho sai de sua cidade natal e se muda para Cartago, a cidade mais rica e poderosa da África, sob dominação romana. O fascínio do novo e do proibido o arrasta para ‘’as chamas crepitantes dos amores impuros’’, como, mais tarde, ele e o declararia em suas ‘’Confissões’’. Estabelece ‘’união de fato’’ com uma mulher, de condição humilde e, com ela, tem um filho, Adeodato, fundamental em relação ao amadurecimento de Agostinho. Profundamente estudioso, mergulha ele nas obras, principalmente de filosofia, com destaque para Cícero, orador, filósofo e senador romano (106 a 31 a.C). Com crescente intensidade, Agostinho concentra seu esforço em compreender a si mesmo e a própria vocação. Conflita-se com as Escrituras, cuja chave interpretativa não consegue encontrar, não penetrando em seu conteúdo, razão pela qual se agarra nas sedutoras promessas dos manequeus, seguidores de uma nova religião missionária e universal, cujo fundamento era o dualismo radical entre o ‘’Reino do bem’’ (Deus) e o ‘’Reino das trevas’’ (Satanás). Sobre um jovem desiludido como Agostinho, que busca dar fundamento à própria vida, o maniqueísmo exerce notável fascínio. Aquela que mais tarde definirá ‘’uma abominável e sacrílega heresia’’ o mantém ligado por quase 10 anos e que provoca a ruptura de suas relações com a mãe, firme em sua fé cristã. As numerosas leituras filosóficas, a que se dedica, os debates, dos quais participa, fazem esmaecer a crença no maniqueísmo. De Cartago, Agostinho parte para Roma, onde sua vida transcorre ‘’na solidão de uma alma inquieta e perturbada’’, sempre em busca da verdade límpida, que acabou não encontrando entre os macabeus. Todo o sistema filosófico que tenta experimentar, como possível itinerário para a sabedoria o deixa, porém, insatisfeito, porque lhe traz mais duvidas que certezas, sobretudo, porque nenhum deles deixa traços daquele ‘’Cristo Salvador’’ que permanece como o referencial imprescindível para a conquista da verdade plena. Desiludido pela experiência romana, Agostinho parte para Milão, que abrirá novos horizontes para ele, primordialmente, a partir de sua aproximação com o Bispo Ambrosio, realizador de consolidada ação pastoral e de incontestável prestigio cultural e que teria decisiva influencia na formação teológica de Agostinho. A partir daí, tem diante dos olhos também o exemplo de uma Igreja viva, um povo unido na celebração eucarística, atento à pregação, ativo nos cuidados pastorais. O exemplo das comunidades monásticas que nascem e se multiplicam tem uma força de fascínio que o atrai. Agostinho começa a promover um definitivo corte em seu passado. Muitas foram as dificuldades enfrentadas, as vacilações, como ele próprio declara em suas ‘’Confissões’’: ‘’Repetia de mim para mim: vamos, avante! Estava quase para agir e, no entanto, ainda não conseguia. Depois tentava novamente, a meta estava perto, cada vez mais perto, ainda um pouco e finalmente seria tocado e seria minha. E, no entanto, não, a meta estava mais além, não a tocava e não era minha, porque ainda hesitava em morrer para a morte e em ressurgir para a vida...’’ Até que enfim a vontade boa vence e as vozes do passado ensurdecem. E, a partir daí, a vida de Agostinho é inteiramente voltada à Igreja de Deus e a serviço do próximo.
Vejo a trajetória da vida de Santo Agostinho, os ‘’monstros’’ com os quais lutou, quase como lenitivo. Para todos nós, ainda vacilantes na fé, que chegamos ao final da jornada sem compreender o real sentido da vida, que não fomos capazes de ‘’extirpar o mal enraizado’’ e amargamos esta incapacidade.  Ler, refletir e orar é o caminho que Santo Agostinho nos indica.

Obs: os trechos transcritos foram extraídos das obras: ‘’Confissões’’ – Santo Agostinho – Ed. Martin Claret, 2002 e ‘’Santo Agostinho – a aventura da graça e da caridade’’ – Giuliano Vigini – Ed. Paulinas, 2015.

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