Já tinha escrito várias páginas sobre o novo livro. Era para
ser um conto de poucas palavras, mas a historia me pareceu valer um livro.
Historia de um homem que para de envelhecer aos 30 anos e se eterniza em vigor
físico e mental. E vê passar gerações, mudar usos e costumes. Amigos envelhecem
e morrem, mulher e filhos envelhecem e morrem e ele, ali, firme e forte, com
seus 30, mesmo com sua carteira de identidade mostrando a realidade dos 70, 80,
90, 100 anos. Imaginei-o aos 110 correndo, no Parque do Ibirapuera ou no
calçadão de Copacabana e olhado com cupidez (que palavra, Deus meu!) pelas
moças que vêm, sem sentido contrario. Recostei na cadeira para melhor
visualizar a cena. Assim, poderia descrevê-la com mais precisão. Tentei sentir
a angustia de suas perdas cotidianas e compará-las com o ganho da descoberta,
não buscada, da ‘’fonte da juventude’’.
Mais ganhos ou mais perdas? Entusiasmo-me com a idéia e solto a imaginação, que
corre mais veloz que a escrita. Querendo dividir minha euforia, ligo para uma
amiga, viajada em livros e anuncio, quase aos gritos, meu achado. Ela me ouve,
por incontáveis minutos, em sepucral silencio. Termino e aguardo seus
comentários. Na reticência de sua voz, antevejo tempestade... que chega.
Informa-me ela, em sua habitual gentileza, que a idéia é boa, mas não é
original. E me remete a um autor francês (Nicolas qualquer coisa), que
desenvolveu tema idêntico. Ela, mesmo do lado invisível, percebe minha decepção
e tenta me reanimar, dizendo que, contando a historia de outra forma, com
certeza seria diferente. Mas sei que não seria, porque seria a mesma historia.
Desligo o telefone e sento no sofá, amargando a frustração de ter perdido o
inusitado. Não li o livro do ‘’Nicolas
não sei o que’’, mas agora sei que ele existe. Recolho as folhas escritas,
dobro-as, simetricamente, rasgo-as e as atiro ao lixo. Acabei de, para
felicidade de todos, fazer um aborto literário.
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