Tenho observado como a evolução dos tempos e das coisas,
neles contidas, modifica o entendimento das pessoas em relação à vida. Até
poucas décadas atrás – 04, se tanto – chegar aos 60 anos era quase ato de
proeza e provecto era considerado quem tanto durasse. Meu pai morreu aos 58
anos e a fotografia, na parede ao lado, tirada em seu último natal entre nós,
mostra-me um senhor, cabeça branca, curvado por tantos anos acumulados. Quando
me bate uma angústia, além da justificável, aquele choro contido, que arde o
peito, procuro o silencio dos cemitérios e percorro as alamedas, calculando o
tempo de vida dos definitivos habitantes do lugar, como a me certificar ter
Deus me concedido mais tempo de vida do que o habitual. Da última vez, que lá
estive, comparei e constatei que 70% das pessoas, que nasceram ao final do
século XIX e até a primeira década do século XX não passaram dos 40 anos; os
que nasceram, entre 1910 e 1930, viveram até os 60 e os que vieram ao mundo,
após os anos 40, muitos – como este que vos fala – ainda estão por aqui e os
que partiram contavam, em sua grande maioria, com 70 ou mais anos. Esta
longevidade, essencialmente produto dos avanços da medicina, obriga-nos a rever
valores, tidos como definitivos, sob pena de vivermos atrelados ao passado,
enquanto o que nos resta de vida corre solto. Minha geração, bastante chegada a
uma falsa cultura ou a uma cultura inútil, teve a pretensão de mudar o mundo,
daí gerando brutal sectarismo: a esquerda responsabilizava os Estados Unidos
por todos os males do universo e a direita via o ‘’ouro de Moscou’’ vitaminando todas as democracias, que tentassem
viabilizar qualquer política pública, que privilegiasse os oprimidos. A direita
derramou copiosas lágrimas pela derrocada norte-americana, no Vietnã. A esquerda
sentiu no próprio corpo as marteladas, que derrubaram o muro de Berlim. A
medida que nossos cabelos embranqueceram e o mundo tornou-se menor e mais
próximo, pela internet, ambos, esquerda e direita, foram se aproximando e
encontrando pontos comuns de sobrevivência. A solidariedade passou a ser este
elo, a nos fazer enxergar, com melhores olhos, uns aos outros, cada lado dando
sua colaboração para que vivamos em um mundo menos injusto. Se sou contra o
Estado-empresário, por outro lado, o Governo, como expressão da vontade da
maioria, não pode deixar de intervir, quando a balança ameaça se desequilibrar,
prejudicando os menos favorecidos. Nós, que pertencemos, no passado, a uma
geração, marcada pelo ódio e pelo ressentimento, temos a obrigação de mostrar aos
jovens de hoje que somos capazes de dar as mãos, em busca do entendimento.
Importa – e só importa – a prevalência do justo, que se exterioriza no direito
de cada qual viver vida digna, comendo, morando, vestindo, sem que tenha, para
isto, vilipendiar seu semelhante. Grotius chamava a atenção para o risco de o
cidadão, ao alienar sua liberdade e tornar-se escravo do patrão, admitir a
possibilidade de um povo alienar a sua e tornar-se súdito de um déspota.
Rousseau buscava no ‘’contrato social’’ forma
de associação que proteja e defenda, com toda força, a pessoa e os bens de cada
associado e pela qual cada um, unindo-se a todos, não se submeta senão a si
mesmo, para que possa permanecer livre. Pode até ser uma utopia, mas é
exatamente a busca da utopia que nos mantém vivos e socialmente úteis. Saímos
às ruas, para despejar um Governo que entendíamos prejudicial ao País e
conseguimos nosso intento. Não queiramos, agora, trucidar seus membros,
julgá-los e condená-los, sem que lhes seja assegurado amplo direito de defesa.
O arbítrio, qualquer arbítrio, ao atentar contra a dignidade de um, atinge,
indistintamente, a todos e é fundamental, para a preservação deste bem maior,
que é a liberdade, que respeitemos, muito mais do que isto, que lutemos para
que a justiça, a mais intensa justiça, sobreponha-se a nossas antipatias
pessoais. Afinal, ‘’fora, Dilma’’,
não pode significar ‘’morra, Dilma’’.
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