sexta-feira, 2 de setembro de 2016

A lingerie da separação



Não o conhecia, fora-me recomendado por colega tributarista que nunca viajou nas turbulentas águas do direito de família, cheio de desvios, a nos enveredar pela psicologia. De qualquer maneira, aquele caso misturava o trágico e o cômico. Paulo (chamêmo-lo assim) era empresário bem sucedido, passando dos 60, casado há 30 com Beatriz (chamêmo-la, assim). Rigoroso em sua empresa e na sua vida particular, razão pela qual os filhos – um casal – tão logo puderam, abandonaram o ninho. O filho foi fazer um curso na Alemanha e por lá ficou. A filha, aos 23 anos, engravidou-se do namorado, filho de rico fazendeiro goiano, o casamento foi apressado e ela foi com ele para o interior de Goiás. Tinha notícia de ambos pela esposa, que se comunicavam por ‘’skype’’. Paulo orgulhava-se de nunca ter tirado férias, viagens, só a trabalho. Seu lazer com Beatriz, resumia a jantares, sempre aos sábados e sempre no mesmo restaurante. Segurança, acima de tudo. Até que veio o infausto acontecimento: eis que adentra a sua sala Helena, sua secretária de 10 ou mais anos. Helena (chamêmo-la, assim) ainda não chegara aos 40 e estava com ‘’tudo em cima’’, principalmente as coxas torneadas, cobiça de todos os diretores da empresa. A relação entre Paulo e Helena era, como sempre foi: de senhor e senhora, sem qualquer intimidade. Naquele fatídico dia, Helena entrou na sala de Paulo, levando-lhe o primeiro café do dia e a agenda de compromissos: ‘’Doutor Paulo, não se esqueça de que hoje é seu aniversário de casamento. Se o senhor quiser, posso providenciar o presente.’’  Paulo não quis, mas solicitou ajuda da secretária para comprar alguma coisa significativa. Afinal fariam 30 anos de casados. Tendo Helena ao lado, na hora do almoço foram ao Shopping Iguatemi e, em uma joalheria, padrão internacional, optou por um conjunto de colar e brincos. Helena, entre constrangida e amedrontada, sugeriu-lhe, além das joias, ‘’alguma coisa mais intima, afinal o senhor e Dª Beatriz ainda são jovens’’ – ‘’Alguma coisa, como o que?’’, pergunta ele. ‘’Uma lingerie, por exemplo’’, respondeu Helena, com um sorriso safado nos lábios. Paulo restou mudo. Ao longo de toda a vida de casado, jamais comprara uma única peça de roupa para a esposa, quanto mais um lingerie. Todavia, talvez pelo sorriso de Helena, talvez pela data, a evocar recordações, concordou com a proposta, desde que Helena escolhesse a peça. Dirigiram-se a uma loja especializada e, após várias escolhas, Helena dirigiu-se ao provador, de lá saindo com uma lingerie azul, exibindo seios pontiagudos, por cima e coxas torneadas, por baixo. Anestesiado, Paulo não conseguia responder à pergunta: ‘’e aí, gostou?’’ Antes que pudesse recuperar o fôlego, sentiu alguém tocar-lhe o braço e, em voz baixa, como convém às pessoas de classe, dizer-lhe ‘’então, esta putinha é sua amante?’’ Era Beatriz.

Hoje, após explicações inúteis, Paulo cabeça baixa, constrangido, veio tratar da separação. Quanto a Helena... talvez! 

Nenhum comentário:

Postar um comentário