Eu juro que não queria, mas a tentação é mais forte. Apressei
o final de reunião na cidade e, quebrando hábito, fui almoçar em casa. Não pelo
almoço, que, por sinal, estava ótimo, mas porque queria, sem desassossego,
assistir ao ultimo capítulo da novela ‘’tchau,
querida!’’ Como sempre, convoquei a companhia de Rodolfo, meu pastor alemão,
companheiro constante em jornadas desta natureza. Dentre os oito cachorros, que
tenho, é o único politizado. Olavo, ainda é muito jovem para espetáculos
fortes. Nara não se interessa senão por assuntos de segurança e os demais, em
avançada idade, preferem falar sobre os último lançamentos da medicina
veterinária. E, quanto ao Clovis, impossível contar com ele. Anarquista
revolucionário, leitor adepto de Bakunin, não me deixaria em paz. Porisso,
sobrou Rodolfo que, com inequívoca má-vontade, postou-se a meu lado. Peguei o
espetáculo pela metade, mas a tempo de ouvir senador paulista, de colorida
plumagem, afirmar, até dando exemplo, que ‘’com’’
era conjunção. Rodolfo empinou as orelhas, olhando-me com olhar de dúvida.
Confirmei-lhe que ‘’com’’ era
preposição, a da ideia de companhia, dei-lhe exemplo – iremos ao parque com
Olavo - , mas seu semblante de dúvida permaneceu. Afinal, o que é apagado escriba
diante de um Senador... e paulista... e do PSDB? Para dissipar suas dúvidas,
mostrei-lhe o ‘’Aurélio’’ e robusto
livro de gramática. Mas os escorregões vernaculares não pararam por aí. Um
Senador capixaba, ligado a uma igreja neo-pentecostal, soltou uma ‘’esgarcação’’, em lugar de esgarçamento.
Rodolfo tapou os ouvidos com as patas. Repreendio-o: precisava ser benevolente,
o senador é orador eloquente e, em estado de violenta emoção, é normal
perder-se no uso de palavras mais rebuscadas. Rodolfo ergueu-se sobre as patas,
quando o jovem senador do PT chamou seus pares de ‘’canalhas’’, mas esboçou sorriso, quando o senador goiano, que
lembra os ‘’galãs’’ dos anos 70, ‘’matou a pau’’, apontando os verdadeiros
canalhas. Rodolfo fez um gesto, com as patas dianteiras, dando-me a impressão que
pretendia bater palmas. Finalmente, Rodolfo ficou com os olhos marejados,
quando o senador do Acre pediu, pelo amor a Deus, que não suspendessem os
direitos políticos da definitivamente afastada Presidente, vez que faltava
apenas um ano para sua aposentadoria e, sem ela, no valor mensal de 05 mil
reais, como iria a infeliz viver? Rodolfo olhou-me assustado, como a indagou
se, em indo ela trabalhar na iniciativa privada, tal tempo de contribuição não teria
validade. Fui logo respondendo que melhor fora perguntar ao Lewandowski,
porque, quem consegue dividir, ao meio, norma indivisível da Constituição, sabe
tudo. Encerrada a sessão, voltei ao escritório, Rodolfo para a frente da casa,
Temer para a China e Dilma para a Alvorada. Tem 30 dias para devolver a residência
oficial. Lembrei-me de um amigo, eleito Prefeito em cidade aqui perto. Ao
assumir o cargo, descobriu que seu antecessor, ferrenho inimigo, tinha feito ‘’caca’’, nas gavetas da mesa de
trabalho. Ora, quem fez ‘’caca’’, por
tanto tempo, Brasil afora, pode não ter perdido o hábito.
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