Quando retornei a São Paulo, depois de 10 maravilhosos anos
passados no Rio, mais precisamente do bairro do Leme, quis compensar, a mim e a
minha família, pela praia, deixada para trás e fomos morar em espaçosa casa,
grudada ao Parque da Aclimação. Nesse parque, onde corria e, depois, com o
avançar da carteira de identidade, apenas andava, fiz vários amigos,
companheiros de churrascos e cervejadas memoráveis. Com o tempo, nossa turma
foi ficando rarefeita: uns mudaram de bairro, outros, de cidade e outros,
simplesmente morreram. Hoje, já não vou ao parque, senão, noite caída, para
levar os cachorros grandes para uma volta e, quando vou sozinho, geralmente nas
manhãs de sábado, sinto-me estrangeiro em minha própria terra, pois só vejo
rostos estranhos. Entre os conhecidos de então, tinha especial simpatia pelo
José Luiz, Juiz Federal de extrema competência e dedicação, mas que a exercia
sem ‘’juizite’’. Era extremamente crítico, com sua profissão e seus colegas,
pela incapacidade de ambos cumprirem objetivo maior, fazer justiça. Quase nunca
falava de seu trabalho e, apesar de sua veia satírica, tinha conceito
pessimista da vida e do ser humano. Cerca de dois nos atrás, teve um ‘’a.v.c’’,
que o imobilizou, na cama e, como não reagiu, deixou-se morrer, lentamente. Proibiu
os amigos de visitá-lo. Não queria ver e ser visto, sem sua dignidade. Ontem,
atendendo à recomendação expressa, suas cinzas foram espargidas no parque, ali,
onde era nossa dispersão, após o lazer matinal. Poucos de nós presentes, pelo
motivo já referido. Aquelas cinzas, espalhadas sobre a grama rala que, durante
anos, foi testemunha de nossas conversas inúteis, foi tudo que restou de um
homem inteligente, que ironizava a todos, inclusive ele mesmo. Cumpriu-se a
ordem divina: ‘’lembras-te que és pó e ao pó retornarás’’. A inclusão do verbo ‘’lembrar’’
teve, por objetivo, fazer-nos refletir a respeito de nossa insignificância e de
como, de forma equivocada, valorizamos o que não é essencial. Mas, como definir
o que ‘’não é essencial?’’. Pior, como nos despir do egoísmo acumulado, do
materialismo acumulado, do ressentimento acumulado? Vivemos numa sociedade constituída
em função desses ‘’desvalores’’ e apenas tomamos consciência – efêmera consciência
– de nossa insignificância e dos descaminhos optados, quando, como no domingo,
vemos cinzas de entes queridos jogadas ao vento. Eu, cá de mim, saí do parque
e, alma em ebulição, fui me apascentar, brincando com meus cachorros e hoje,
segunda-feira, contemplo minha agenda do dia, apenas com coisas insignificantes
a fazer, mas necessárias para que se cumpra a maldição bíblica de ‘’ganhar o
pão com o suor do próprio gosto’’.
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