segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Reflexão sobre cinzas do domingo




Quando retornei a São Paulo, depois de 10 maravilhosos anos passados no Rio, mais precisamente do bairro do Leme, quis compensar, a mim e a minha família, pela praia, deixada para trás e fomos morar em espaçosa casa, grudada ao Parque da Aclimação. Nesse parque, onde corria e, depois, com o avançar da carteira de identidade, apenas andava, fiz vários amigos, companheiros de churrascos e cervejadas memoráveis. Com o tempo, nossa turma foi ficando rarefeita: uns mudaram de bairro, outros, de cidade e outros, simplesmente morreram. Hoje, já não vou ao parque, senão, noite caída, para levar os cachorros grandes para uma volta e, quando vou sozinho, geralmente nas manhãs de sábado, sinto-me estrangeiro em minha própria terra, pois só vejo rostos estranhos. Entre os conhecidos de então, tinha especial simpatia pelo José Luiz, Juiz Federal de extrema competência e dedicação, mas que a exercia sem ‘’juizite’’. Era extremamente crítico, com sua profissão e seus colegas, pela incapacidade de ambos cumprirem objetivo maior, fazer justiça. Quase nunca falava de seu trabalho e, apesar de sua veia satírica, tinha conceito pessimista da vida e do ser humano. Cerca de dois nos atrás, teve um ‘’a.v.c’’, que o imobilizou, na cama e, como não reagiu, deixou-se morrer, lentamente. Proibiu os amigos de visitá-lo. Não queria ver e ser visto, sem sua dignidade. Ontem, atendendo à recomendação expressa, suas cinzas foram espargidas no parque, ali, onde era nossa dispersão, após o lazer matinal. Poucos de nós presentes, pelo motivo já referido. Aquelas cinzas, espalhadas sobre a grama rala que, durante anos, foi testemunha de nossas conversas inúteis, foi tudo que restou de um homem inteligente, que ironizava a todos, inclusive ele mesmo. Cumpriu-se a ordem divina: ‘’lembras-te que és pó e ao pó retornarás’’. A inclusão do verbo ‘’lembrar’’ teve, por objetivo, fazer-nos refletir a respeito de nossa insignificância e de como, de forma equivocada, valorizamos o que não é essencial. Mas, como definir o que ‘’não é essencial?’’. Pior, como nos despir do egoísmo acumulado, do materialismo acumulado, do ressentimento acumulado? Vivemos numa sociedade constituída em função desses ‘’desvalores’’ e apenas tomamos consciência – efêmera consciência – de nossa insignificância e dos descaminhos optados, quando, como no domingo, vemos cinzas de entes queridos jogadas ao vento. Eu, cá de mim, saí do parque e, alma em ebulição, fui me apascentar, brincando com meus cachorros e hoje, segunda-feira, contemplo minha agenda do dia, apenas com coisas insignificantes a fazer, mas necessárias para que se cumpra a maldição bíblica de ‘’ganhar o pão com o suor do próprio gosto’’. 

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