Formávamos um grupo de sete homens passados dos 60, com
exceção do Gustavo, ainda na casa dos 40. Encontrávamos no portão do Parque do
Ibirapuera, que dava para a Avenida IV Centenário, por volta das 5 da manhã –
às 6, no horário de verão – e corríamos, duas vezes, o anel interno do parque,
coisa de 8 quilômetros, sempre no sentido horário. Até um ano atrás, fazíamos o
percurso em 50 minutos, mas o infarto do Benício, fez-nos cair na real e
diminuímos o ritmo, 01 hora estava de bom tamanho. Aquele era o horário dos
profissionais ou dos que, como nós, faziam da corrida m ritual. Ainda escuro,
víamos silhuetas de pessoas e o sol, surgindo entre as árvores, era espetáculo
que impunha silêncio e reverência. Tínhamos uma regra, severamente observada:
era proibido falar de problemas pessoais e de trabalho. Após a corrida, era
tomar o café-da-manhã, naquela padaria de Moema e cada qual procurar seu
caminho. Foi numa manhã chegante de primavera, verão já acenando, que ela se
aproximou: ainda escuro, tinha receio de correr sozinha. Queria se juntar a
nós. Concordamos, mais por educação do que por prazer, pois, a partir dali,
nossas conversas seriam auto-censuradas. Dizia chamar-se Viviane, mas podia ser
chamada de ‘’Vivi’’ que era como
todos a tratavam. Viera, fazia pouco tempo, do Espírito Santo, daí seu sotaque,
meio carioca, meio baiano. Seu jeito um pouco afetado passou-nos a impressão de
ser mulher sofisticada. Morena, corpo esguio, lembrava modelo não esquelética,
uma Gisele Buchen, sem esplendor. Pouco falava e, quando ria, apenas ria, não
gargalhava. Dava apenas uma volta e saía pelo portão da ‘’República do Líbano’’. Era quando Gustavo monopolizava a
conversa: só falava em Vivi – ‘’que
mulher fantástica: não atropela nossas conversas e mesmo quando discorda o faz
meigamente, como se pedisse desculpa. Que diferença da minha ex, a criticar
minhas idéias, qualquer uma. Com o tempo, entendi que ela não tinha opinião
própria, que sua opinião era ser contra a minha. Que bom que me livrei daquele
traste’’. E, falando alto, em tom dramático, mas arrancando gargalhadas,
poetava: ‘’ai, Vivi, meu coração bate por
ti’’. Após um desses rompantes matinais, sugerimos que ele se abrisse com
ela. Afinal, com 40 e poucos era o único que podia investir em uma mulher, que
ainda não chegara aos 30. – Dizia ela ter 27 -. Um dia, Gustavo encheu-se de
coragem. Não podia mais ‘’sufocar esta
paixão que me tira o sono’’ e acompanhou Vivi, na saída dela. Acho que ela
já esperava, ou, até ansiava pela abordagem, pois sorriu, quando Gustavo disse
que precisava falar-lhe. Seguimos nossa corrida, ansiosos pelo dia seguinte.
Gustavo conquistaria Vivi, ou perderíamos nossa companheira? Ao passarmos pelo
portão da República do Líbano, em nossa última volta, vimos Gustavo, cabeça
baixa entre as mãos, sentado em um banco. Teria levado um fora? Estaria
passando mal? Corremos até ele, preocupados. Ao sentir nossa presença, ergueu
os olhos e, em voz fúnebre, revelou ‘’Vivi é ‘’traveco’’! Ela – ou ele – nunca mais apareceu no parque.
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