quarta-feira, 3 de agosto de 2016

A Viagem



De vez em quando, cada vez com mais freqüência, aquela angústia apertava-lhe o peito, provocando-lhe intensa taquicardia. Não sabia bem de onde ela vinha, se do cansaço do cotidiano, se da constatação óbvia de que a idade fizera dele refugiado, em sua própria terra. O certo é que conviver passou a ser verbo difícil de ser conjugado, principalmente no presente. E tinha aquela viagem para fazer. Houve um tempo que elas, as viagens, faziam-no sentir importante e sempre trazia a possibilidade de conhecer novas pessoas. Agora, não mais suportava as confusões de aeroporto, pessoas atropelando pessoas, vistorias constrangedoras, em nome da segurança. E, para piorar, não conseguira lugar no corredor e seguiu, espremido na poltrona do meio, entre uma jovem, que não despregava os olhos do ‘’lap top’’ e um senhor gordo que insistia em dar ordens pelo celular. Depois de todas aquelas recomendações inúteis, feitas por robótica comissária de bordo, o avião iniciou o procedimento de decolagem. Rompendo hábito, adquirido desde que voara pela primeira vez, não fez o ‘’nome do Pai’’. Esquecimento? Pensamento subjugado por indefinidos pensares? Ou seria espécie de desafio ao Todo Poderoso? Afinal, estava cansado de, sempre, ser o responsável pela vida de todos os passageiros, salvando-os, com aquele simples gesto protetor, como, de resto, sentia-se exaurido por ser, sempre, o provedor. Em seus devaneios, imaginava as delícias de ser o provido, recebendo tudo de mão beijada, sem as preocupações de ‘’correr atrás’’. Há quanto tempo o telefone não tocava, alguém simplesmente querendo saber dele, como ia... Sempre alguém pedindo, reivindicando, cobrando-lhe soluções. Recusou o insípido e indigente serviço de bordo que, de repente, foi suspenso, porque, como justificou o comandante, ‘’a aeronave entrara em zona de intensa turbulência’’, que foi aumentando, gradativamente. A jovem, ao lado, não disfarçava seu nervosismo e o homem, à janela, suava pelas têmporas. Ele, como em situações análogas, simplesmente fechou os olhos e procurou zerar seus pensamentos. Sabia que estavam na mão do imponderável e eram impotentes para reverter qualquer situação contrária. O avião chacoalhava, cada vez com mais intensidade e bolsas se desprenderam do bagageiro. As pessoas já não disfarçavam seu quase pavor, quando o comandante, depois de várias explicações inaudíveis, informou que fariam um pouso de emergência. Ele, em absoluto silêncio, sem mover um músculo, sentiu-se culpado, pelo ‘’nome do Pai’’, não feito, antes de o avião decolar. Fazê-lo agora, não seria ato de confiança, mas de covardia. Estranhamente, mantinha-se calmo, alheio ao desespero coletivo e assim se manteve, até a aeronave explodir no solo. 

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