Tenho o ancestral hábito de, antes de começar o trabalho
cotidiano, fazer alguma oração, pedindo proteção para a jornada e visitando o ‘’evangelho do dia’’. De ambos – oração e
evangelho – recarrego as baterias, cada vez mais gastas, nestes tempos de
insegurança. Olho em torno e, ao constatar quantas pessoas dependem de mim, já
gasto pelos fevereiros acumulados, arrepio-me. Pois na sexta-feira última, de
movimento nenhum, telefone deliciosamente silencioso, repeti o ritual das
manhãs chegantes e fui ao evangelho de Marcos (11,11-26), de onde extrai dois
ensinamentos. O primeiro, vem da irritação de Cristo com a figueira que, por
não ser época de frutos, não os dá. Por que teria Jesus se irritado, por não
ter colhido frutos, mesmo sabendo que não era época deles? Depreendi que Ele
quis nos ensinar que é preciso dar frutos, em qualquer época. Tive a impressão
que Ele se irritava comigo, com esta vontade, quase ensandecida, de fechar a
porta, deixar para trás compromissos, incompreensões, desamores e, tal qual a
figueira improdutiva, andar, sem rumo e sem companhia, por uma praia sem fim.
Enquanto escrevo, o telefone toca. Alguém exigindo alguma coisa de mim. Vejo-o,
olhando, grave, para mim, como a dizer-me ‘’não
disse que você tem que ser como a figueira, a dar frutos, a qualquer época?’’
Consola-me saber que um dia esta figueira morrerá, cessando sua
responsabilidade de parir frutos e desaparecerá, sem deixar vestígios. A
segunda parte do evangelho de Marcos, por sinal bastante conhecida, fala do
momento em que Jesus expulsa os comerciantes do tempo: ‘’não está escrito que a minha casa será chamada casa de oração para
todos os povos? ‘’Vós, porém, fizestes dela um antro de ladrões’’. Aqui,
não saio da obvia interpretação: se vivesse, hoje, quanto trabalho teria Jesus,
ao ver o numero de ‘’casas de oração’’,
transformadas em ‘’antro de ladrões’’,
que exploram a fé, principalmente dos mais humildes, enriquecendo-se, por conta
da promessa de milagres... que não acontecerão. Com certeza, muitos destes
políticos, envolvidos em corrupção de todo o gênero, inclusive no desvio da
merenda escolar de crianças famintas, freqüentam as missas dominicais e até
comungam, esquecidos, ou melhor, despreocupados de que a Eucaristia é o momento
em que se estabelece o vinculo entre o homem e Jesus: ‘’fazei isto em memória de mim.’’ Quando eu era criança e me
preparava para a ‘’primeira comunhão’’,
a catequista – irmã Frozina – (uma freira muito brava, que ensinava o catecismo
com uma ameaçadora régua nas mãos), fazia-nos terrível advertência: se
mastigássemos a hóstia ou, tivéssemos maus pensamentos, na hora da comunhão, a
hóstia se cuspiria e sangue escorreria de nossa boca. Por isso, quando o
sacerdote nos oferecia a hóstia consagrada e dizia ‘’o corpo e o sangue de Cristo’’, eu começava a tremer e suar frio,
tal o temor de mastigar a hóstia ou ser acometido de pensamento negativo.
Pensando bem: gostaria que fosse verdadeiro o vaticínio de minha catequista.
Com certeza, seria o fim da hipocrisia religiosa e veríamos a afirmação do
ensinamento do Papa Bento XVI, na introdução de sua encíclica ‘’Sacramentum Caritatis’’, onde ele
afirma: ‘’No Sacramento do altar, o
Senhor vem ao encontro do homem, criado à imagem e semelhança de Deus,
fazendo-se seu companheiro de viagem. Com efeito, nesse sacramento, Jesus
torna-se alimento para o homem, faminto de verdade e de liberdade. Uma vez que
só a verdade nos pode tornar livres, Cristo faz-se alimento de verdade para nós’’.
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