segunda-feira, 30 de maio de 2016

Por causa do evangelho de cada dia

Tenho o ancestral hábito de, antes de começar o trabalho cotidiano, fazer alguma oração, pedindo proteção para a jornada e visitando o ‘’evangelho do dia’’. De ambos – oração e evangelho – recarrego as baterias, cada vez mais gastas, nestes tempos de insegurança. Olho em torno e, ao constatar quantas pessoas dependem de mim, já gasto pelos fevereiros acumulados, arrepio-me. Pois na sexta-feira última, de movimento nenhum, telefone deliciosamente silencioso, repeti o ritual das manhãs chegantes e fui ao evangelho de Marcos (11,11-26), de onde extrai dois ensinamentos. O primeiro, vem da irritação de Cristo com a figueira que, por não ser época de frutos, não os dá. Por que teria Jesus se irritado, por não ter colhido frutos, mesmo sabendo que não era época deles? Depreendi que Ele quis nos ensinar que é preciso dar frutos, em qualquer época. Tive a impressão que Ele se irritava comigo, com esta vontade, quase ensandecida, de fechar a porta, deixar para trás compromissos, incompreensões, desamores e, tal qual a figueira improdutiva, andar, sem rumo e sem companhia, por uma praia sem fim. Enquanto escrevo, o telefone toca. Alguém exigindo alguma coisa de mim. Vejo-o, olhando, grave, para mim, como a dizer-me ‘’não disse que você tem que ser como a figueira, a dar frutos, a qualquer época?’’ Consola-me saber que um dia esta figueira morrerá, cessando sua responsabilidade de parir frutos e desaparecerá, sem deixar vestígios. A segunda parte do evangelho de Marcos, por sinal bastante conhecida, fala do momento em que Jesus expulsa os comerciantes do tempo: ‘’não está escrito que a minha casa será chamada casa de oração para todos os povos? ‘’Vós, porém, fizestes dela um antro de ladrões’’. Aqui, não saio da obvia interpretação: se vivesse, hoje, quanto trabalho teria Jesus, ao ver o numero de ‘’casas de oração’’, transformadas em ‘’antro de ladrões’’, que exploram a fé, principalmente dos mais humildes, enriquecendo-se, por conta da promessa de milagres... que não acontecerão. Com certeza, muitos destes políticos, envolvidos em corrupção de todo o gênero, inclusive no desvio da merenda escolar de crianças famintas, freqüentam as missas dominicais e até comungam, esquecidos, ou melhor, despreocupados de que a Eucaristia é o momento em que se estabelece o vinculo entre o homem e Jesus: ‘’fazei isto em memória de mim.’’ Quando eu era criança e me preparava para a ‘’primeira comunhão’’, a catequista – irmã Frozina – (uma freira muito brava, que ensinava o catecismo com uma ameaçadora régua nas mãos), fazia-nos terrível advertência: se mastigássemos a hóstia ou, tivéssemos maus pensamentos, na hora da comunhão, a hóstia se cuspiria e sangue escorreria de nossa boca. Por isso, quando o sacerdote nos oferecia a hóstia consagrada e dizia ‘’o corpo e o sangue de Cristo’’, eu começava a tremer e suar frio, tal o temor de mastigar a hóstia ou ser acometido de pensamento negativo. Pensando bem: gostaria que fosse verdadeiro o vaticínio de minha catequista. Com certeza, seria o fim da hipocrisia religiosa e veríamos a afirmação do ensinamento do Papa Bento XVI, na introdução de sua encíclica ‘’Sacramentum Caritatis’’, onde ele afirma: ‘’No Sacramento do altar, o Senhor vem ao encontro do homem, criado à imagem e semelhança de Deus, fazendo-se seu companheiro de viagem. Com efeito, nesse sacramento, Jesus torna-se alimento para o homem, faminto de verdade e de liberdade. Uma vez que só a verdade nos pode tornar livres, Cristo faz-se alimento de verdade para nós’’.

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