quinta-feira, 19 de maio de 2016

Considerações sobre o denuncismo




Em entrevista concedida à revista ‘’Veja’’, edição do último fim-de-semana, importante socióloga norte-americana faz apologia do denuncismo ou ‘’dedurismo’’, em linguagem popular, para reduzir a criminalidade. Em determinado ponto da entrevista, a socióloga afirma ‘’não importa a motivação de quem denuncia’’. De larga data, a Polícia instituiu o ‘’disque denuncia’’, garantindo o anonimato do denunciante. Venho de longínqua geração, tendo aprendido cedo que o dedurismo é deformação de caráter. Conto marcante episódio: cursava eu o 5º ano primário – hoje, 1º grau – e era aluno de uma tia, brava e rigorosa que, inclusive, morava com nossa família. Certa feita, um colega, punido por qualquer razão, aproveitando que ela se virara, disse-lhe, baixo, um palavrão e eu me julguei, como sobrinho, no direito ou obrigação de denunciá-lo, o que lhe provocou nova punição. À noite, durante o jantar, meu pai à cabeceira da mesa, a tia narrou o acontecido e não me recordo dos comentários. Recordo-me, sim, que, encerrado o jantar, meu pai convocou-me a seu quarto que era, para nós, filhos, ‘’fortaleza inexpugnável’’, onde me fez ver que meu ato fora fraqueza de caráter, que jamais poderia ser repetido. Veio a Revolução de 31 de Março de 1964, da qual fui e ainda sou adepto, por tudo que dela resultou de positivo para o Brasil. À época, morava eu com meu cunhado, que era comandante da Varig e membro atuante do ‘’Sindicato dos Aeronautas’’ que trabalhava, junto ao Governo João Goulart para a criação da ‘’Aerobrás’’, cujo objetivo era estatizar a aviação, no Brasil. Com a Revolução, tal projeto não só ‘’foi para o espaço’’, mas também alguns diretores do Sindicato tiveram suas prisões decretadas e dois, que eu já conhecia, foram se homiziar lá em casa. Tínhamos, eu e eles, acirradas discussões e jamais cogitei em dedurá-los, tranqüilidade que sempre tiveram. Assim, ao longo de minha vida, consolidei meu total desprezo pelo delator, seja aquele que delata, ‘’sem motivação’’, seja o que delata ‘’com motivação’’. Não é por outra razão que torço o nariz para a ‘’delação premiada’’, tal qual vem sendo ela utilizada na operação ‘’lava jato’’: prende-se o averiguado e condiciona-se sua liberdade – o premio – às denuncias de terceiros, que ele fizer. Pode ser legal, mas, sem dúvida, rompe os limites da moralidade. Quanto à denuncia anônima, considero-a incontestável excrescência jurídica, pois, se falsa for ela, incorrerá o denunciante no crime de ‘’denunciação caluniosa’’ e se sujeitará à ação indenizatória, para ressarcir o denunciado pelos prejuízos, morais e materiais, decorrentes da denuncia falsa. Mas, se anônima for ela, como responsabilizar o denunciante? Na verdade, o denuncismo retrocede-nos à época do nazismo e do stalinismo, onde filho denunciava pai, vizinho denunciava vizinho, com ou sem motivação. Continuo, como Brecht, achando que há, no ser humano, um mínimo de dignidade da qual não pode ele abrir mão, e o denuncismo ultrapassa esse limite mínimo. 

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