quarta-feira, 11 de maio de 2016

O amor e a chantagem

Cena 01
Ela se chamava Ana Lucia. Morena, mais de 1,70m,olhos absurdamente pretos, pele bronzeada. Aos 26 anos, começara a trabalhar em um escritório de arquitetura, depois de mais de um ano de formada, sem conseguir emprego. Sabia de seu potencial, porisso não iria se aviltar, como tantos colegas, transformando-se em decoradora: Após várias entrevistas, fora contratada pelo escritório ‘’RS2 – Arquitetos Associados Ltda.’’. Os ‘’arquitetos associados’’ eram, na verdade, marido e mulher, especializados em projetar residências de alto padrão. Pelo menos, era um começo. Casara aos 23 anos, muito mais para se livrar da opressão do pai do que por amor a Glauco, bonzinho, mas de quase nenhuma cultura e ambição. Era gerente de supermercado e, para ele, isto bastava, apesar do baixo salário. Exatamente por essas duas razões – nenhuma cultura e falta de ambição – o casamento já estava em crise. Dinheiro pouco, morando na periferia, sexo, só raramente, ele sempre cansado e cheirando à cerveja. Foi quando Ana Lucia conheceu Marcos, o engenheiro responsável pela reforma da mansão dos Almeida de Castro, no Morumbi, cujo projeto era do escritório e sob sua supervisão. Marcos estava chegando aos 40, casado, com dois filhos adolescentes. Educado, elegante, jamais alterava a voz, fosse para discutir detalhe técnico, fosse para dar a bronca em um peão de obra. Mas o que chamou a atenção Ana Lucia, quando o conheceu, foram as mãos de Marcos, longas, fortes, unhas sempre impecáveis. Ele a convidou para almoçar e ela aceitou. Conversa trivial, sobre trabalho, o achatamento do mercado etc. Mas ela reparou que ele, de quando em vez, tentando disfarçar, lançava olhares pedintes para as coxas dela... e ela gostava. Era uma insuportavelmente quente tarde de verão e Ana Lucia já se imaginava sufocada, em um transito que se arrastava, mais de uma hora em seu velho ‘’Fiat Uno’’, sem ar condicionado, presente ganho do pai, quando entrou na faculdade, quase 7 anos atrás. Porisso quase perdeu o fôlego, quando seu celular tocou. Era Marcos:
- ‘’Oi, tudo bem? Que tal um ‘’happy hour’’, até o trânsito aliviar?’’
Ela, quase sem pensar, aceitou o convite. Encontraram-se em um simpático barzinho, perto do escritório, falaram da vida, seus ganhos e perdas e, quando secavam a segunda garrafa de vinho branco gelado, ele aproximou sua cadeira da dela, tomou-lhe as mãos, beijou-lhe, superficialmente os lábios e, como não encontrou resistência, colaram as bocas, numa demora sucção, enquanto ele percorria as coxas macias, sentindo a leve plumagem, que a revestia. Nascia, ali, frenética relação onde predominava o sexo, cujos limites foram sendo ultrapassados, com o tempo. Às sextas-feiras, como se fora ritual, saiam, sem retorno, em direção à Barra Funda, onde se situava o ‘’Afrodite’’, motel classe ‘’A’’, onde se amavam, almoçavam, voltavam a se amar, até que a tarde começasse a esmaecer. Iam, quase sempre, no carro dela, porque ele, morando nas ‘’Perdizes’’, ali ao lado, não podia expor a ambos.
Cena 02
Salustiano, agora com 30, chegara a São Paulo, aos 15, vindo do interior de Sergipe, deixando para trás uma vida de misérias, trazendo consigo a esperança de ‘’ganhar a cidade grande, como dizia seu tio, com quem foi morar, no bairro do ‘’Tucuruvi’’. No começo, trabalhava como ‘’office boy’’, no centro da cidade e estudava à noite. Completado, às duras penas, o primeiro grau, constatou que ele e o estudo tinham completa incompatibilidade. Aos 20 anos fez um curso de segurança e foi trabalhar em uma empresa, a ‘’Total Serviços de Vigilância Ltda.’’ O tio, solteiro, sem filhos, morrera e ele herdara o minúsculo apartamento do Tucuruvi. O salário era pouco, mas dava para as despesas básicas, inclusive o ‘’pagodão’’ de fim-de-semana. Depois de pular ‘’de galho em galho’’, conhecera Deusminda – Minda, para os íntimos – morena, quase mulata, tipo ‘’mignon’’, por quem se apaixonou e ela por ele. Levou-a para o apartamento, ela, cuidadora de uma senhora idosa, ajudava nas despesas. Ambos sonhavam sonhos poucos, um fim-de-semana na praia, roupas melhores, um carrinho, mesmo de idade longeva. Sonhos, que o dinheiro pouco não permitia realizar. Salustiano fora trabalhar como segurança de uma grande concessionária de veículos, que ficava defronte ao motel ‘’Afrodite’’ e se impressionava com o movimento, principalmente na hora do almoço e, com mais intensidade às sextas-feiras. Comentou o fato com seu amigo Francisco, cabo da Policia Militar que, lhe disse serem os freqüentadores amantes ou homens com garotas de programa. O raciocínio de Francisco era tão simples quanto verdadeiro: que casal, marido e mulher, freqüentava motel, durante a semana e justamente na hora do almoço? Dias depois, Francisco ligou para Salustiano. Tinha tido uma idéia genial para levantarem boa grana: ele, Salustiano, muito discretamente, fotografava a placa dos carros, entrando no motel, naquele dia e horário e ele, Francisco, através do sistema da Policia Militar, identificaria o proprietário ou proprietária do carro e respectivo endereço e, depois, era mandar um bilhete, pedindo uma grana – 3 mil para carro comum e 5 mil para carro de luxo -, sob a ameaça de mandar a fotografia para a esposa ou esposo. Em um primeiro momento, Salustiano relutou, que não era nenhum santo, mas não queria acabar na cadeia, ainda mais agora, que estava de amor novo. Pouco a pouco, sua resistência foi baixando, ele, mesmo sem querer, fazendo conta: um carro comum e um de luxo por semana, renderiam 4 mil para cada um, 16 mil por mês, mais do que 3 vezes seu salário. Topou: ele fotografava, Francisco levantava os dados e mandava o bilhete para a “vitima”. Alguns cuidados essenciais: o local da entrega do dinheiro tinha que ser distante do local de trabalho de ambos e o ‘’bilhete’’, curto e grosso, tinha que ser colocado na agencia central do correio. A dupla começou a agir e, em 06 meses, cada um já tinha faturado 50 mil. Salustiano e Minda passavam fim-de-semana, em hotel em Santos, depois de ele ter comprado um ‘’gol bolinha’’, 1983. Minda perguntava de onde estava saindo o dinheiro e ele explicava que estava fazendo segurança pessoal para um ‘’bacana’’ e faturando boa grana, por fora e Minda, inteligência curta, engoliu a historia, até porque estava desfrutando mordomias, que nunca tivera.
Cena 03
- ‘’Marcos, é Ana Lucia, preciso, urgentemente, falar com você e pelo telefone não dá.’’
- ‘’Tudo bem, amor, podemos almoçar juntos.’’
Ana Lucia, voz de pânico: ‘’Você não está entendendo! Aconteceu uma coisa horrível, tem que ser agora.’’
- ‘’Ok, passo aí, telefono quando estiver chegando, você desce e nós conversamos. Não posso demorar, porque tenho reunião importantíssima às 11 horas’’.
Enquanto dirigia, em direção ao escritório de Ana Lucia, Marcos tenta adivinhar o que acontecera. Em dois anos de convivência, ela, sempre serena e ponderada, nunca a vira tão estressada, histérica até. Chegou a uma única conclusão: o marido descobrira, apesar de todos os cuidados tomados. É verdade que, com o tempo, foram relaxando, chegando em casa mais tarde, trocando carinho em público. Quando Ana Lucia entrou no carro, estava, nitidamente transtornada e mal conseguia falar:
- ‘’Veja o que chegou pelo correio. A sorte é que o porteiro esqueceu de entregar ao Glauco e entregou a mim, quando cheguei. Leia e me diga o que vamos fazer. E entregou a Marcos uma folha de papel e uma cópia de fotografia. A fotografia era a traseira do carro dela, onde se podia identificar as cabeças dos dois e, no papel, estava escrito:
‘’Prezada Senhora Ana Lucia Martins,
Vi a senhora entrar muito bem acompanhada, na última sexta-feira, exatamente às 12 horas e 35 minutos, no motel ‘’Afrodite’’ e sei que seu acompanhante não era seu marido. Segue a fotografia de seu carro entrando no motel. Se a senhora não quiser que ela caia nas mãos de seu marido, na 2ª-feira, as 11 da noite ponha 3 mil reais, em um envelope e coloque dentro do cesto de lixo do posto de gasolina Petrobrás, que fica na Rua Vergueiro nº 290. Estarei vigiando, não tente bancar a esperta. Vá sozinha.’’
Marcos leu e releu o bilhete varias vezes. O dinheiro não era problema. Que decisão tomar, pagar e correr o risco de continuar a chantagem, não pagar e correr o risco da foto cair nas mãos do marido de Ana Lucia, levar o caso à Polícia e o assunto se tornar público, expondo todos, inclusive ele que, por mais que estivesse envolvido com Ana Lucia, não cogitava abandonar a família? Começavam a pagar o preço de uma felicidade fugidia.
Em tempo: os personagens são fictícios, mas os fatos são verdadeiros. Interferi, como advogado, para a melhor solução. Portanto, aos ‘’aventureiros do amor’’ recomendo cautela.


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