Pela internet chega-me a noticia de jovem assaltante, preso
em flagrante por populares, que o amarraram a um poste e o surraram, até a
chegada de uma viatura policial que, a tempo, impediu-lhe a morte. Já na semana
passada, em jogo de futebol, torcedores de um clube agrediram, com incomum
agressividade, um único simpatizante do time adversário, desferindo-lhe socos,
pontapés e até pauladas, tendo o rapaz agredido sido removido, inconsciente, em
maca. Provavelmente a Psicologia explique porque pessoas, isoladamente
pacíficas, quando reunidas, sejam capazes de praticar atos de barbárie. Os
fatos acima remetem-me a minha interiorana cidade, eu com meus 10 anos. Uma
jovem da sociedade local fora estuprada morta e abandonada, em terreno baldio,
localizado na periferia da cidade. O crime provocou enorme comoção popular, não
só pela sua inusitada natureza, mas também por envolver moça de uma das mais
proeminentes famílias de uma cidade que, à época, não teria mais do que 30 mil
habitantes e onde todos se conheciam e mantinham estreitas e afetuosas
relações, freqüentando o mesmo clube, indo ao único cinema e aos poucos – dois
ou três – restaurantes e sorveterias. É claro que, quando falo ‘’todos’’, refiro-me àquela minoria
privilegiada, que constituía a ‘’nata’’
da população. O certo, porém, é que, identificado o assassino, dias após o
sepultamento da vítima, seus familiares e amigos realizaram verdadeira caçada
para localizá-lo. Encontraram-no, dormindo, em modestíssima casa, em um bairro
pobre, distante, cerca de um quilometro do centro da cidade. Era um mulato
forte, de uns 30 anos, que não esboçou qualquer reação ao ser amarrado e
arrastado, sob pancadas, até a praça principal, onde foi linchado por dezenas
de pessoas, algumas, até, que nem mesmo conheciam a vítima. Eu, sentado em uma
mureta defronte, a tudo assisti e, mais de meio século depois, ainda vejo o
semblante horrorizado do criminoso – Haroldo, era seu nome – que se deixou
imolar, sem qualquer gesto de defesa. Muitos de seus agressores – comerciantes,
profissionais liberais – eu os conhecia, cumprimentava-os, no dia a dia, e
sabia serem pessoas pacatas que, inclusive, freqüentavam a missa dominical.
Fico a me perguntar que vírus da fúria incontrolada é neles inoculado para que,
quando reunidos em grupo, sejam transformados em bestas-feras. O linchamento de
Haroldo, ocorrido há mais de 50 anos, em uma pequena cidade do interior,
repete-se, com a mesma fúria, por motivos de menor relevância, na maior cidade
do Brasil. Até quando o homem continuará a ser o lobo do homem?
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