Cena 01
Ela se chamava Ana Lucia. Morena, mais de 1,70m,olhos absurdamente
pretos, pele bronzeada. Aos 26 anos, começara a trabalhar em um escritório de
arquitetura, depois de mais de um ano de formada, sem conseguir emprego. Sabia
de seu potencial, porisso não iria se aviltar, como tantos colegas,
transformando-se em decoradora: Após várias entrevistas, fora contratada pelo
escritório ‘’RS2 – Arquitetos Associados Ltda.’’. Os ‘’arquitetos associados’’
eram, na verdade, marido e mulher, especializados em projetar residências de
alto padrão. Pelo menos, era um começo. Casara aos 23 anos, muito mais para se
livrar da opressão do pai do que por amor a Glauco, bonzinho, mas de quase
nenhuma cultura e ambição. Era gerente de supermercado e, para ele, isto
bastava, apesar do baixo salário. Exatamente por essas duas razões – nenhuma
cultura e falta de ambição – o casamento já estava em crise. Dinheiro pouco,
morando na periferia, sexo, só raramente, ele sempre cansado e cheirando à
cerveja. Foi quando Ana Lucia conheceu Marcos, o engenheiro responsável pela
reforma da mansão dos Almeida de Castro, no Morumbi, cujo projeto era do
escritório e sob sua supervisão. Marcos estava chegando aos 40, casado, com
dois filhos adolescentes. Educado, elegante, jamais alterava a voz, fosse para
discutir detalhe técnico, fosse para dar a bronca em um peão de obra. Mas o que
chamou a atenção Ana Lucia, quando o conheceu, foram as mãos de Marcos, longas,
fortes, unhas sempre impecáveis. Ele a convidou para almoçar e ela aceitou.
Conversa trivial, sobre trabalho, o achatamento do mercado etc. Mas ela reparou
que ele, de quando em vez, tentando disfarçar, lançava olhares pedintes para as
coxas dela... e ela gostava. Era uma insuportavelmente quente tarde de verão e
Ana Lucia já se imaginava sufocada, em um transito que se arrastava, mais de
uma hora em seu velho ‘’Fiat Uno’’, sem ar condicionado, presente ganho do pai,
quando entrou na faculdade, quase 7 anos atrás. Porisso quase perdeu o fôlego,
quando seu celular tocou. Era Marcos:
- ‘’Oi, tudo bem? Que tal um ‘’happy hour’’, até o trânsito
aliviar?’’
Ela, quase sem pensar, aceitou o convite. Encontraram-se em
um simpático barzinho, perto do escritório, falaram da vida, seus ganhos e
perdas e, quando secavam a segunda garrafa de vinho branco gelado, ele
aproximou sua cadeira da dela, tomou-lhe as mãos, beijou-lhe, superficialmente
os lábios e, como não encontrou resistência, colaram as bocas, numa demora
sucção, enquanto ele percorria as coxas macias, sentindo a leve plumagem, que a
revestia. Nascia, ali, frenética relação onde predominava o sexo, cujos limites
foram sendo ultrapassados, com o tempo. Às sextas-feiras, como se fora ritual,
saiam, sem retorno, em direção à Barra Funda, onde se situava o ‘’Afrodite’’,
motel classe ‘’A’’, onde se amavam, almoçavam, voltavam a se amar, até que a
tarde começasse a esmaecer. Iam, quase sempre, no carro dela, porque ele,
morando nas ‘’Perdizes’’, ali ao lado, não podia expor a ambos.
Cena 02
Salustiano, agora com 30, chegara a São Paulo, aos 15, vindo
do interior de Sergipe, deixando para trás uma vida de misérias, trazendo
consigo a esperança de ‘’ganhar a cidade grande, como dizia seu tio, com quem
foi morar, no bairro do ‘’Tucuruvi’’. No começo, trabalhava como ‘’office
boy’’, no centro da cidade e estudava à noite. Completado, às duras penas, o
primeiro grau, constatou que ele e o estudo tinham completa incompatibilidade.
Aos 20 anos fez um curso de segurança e foi trabalhar em uma empresa, a ‘’Total
Serviços de Vigilância Ltda.’’ O tio, solteiro, sem filhos, morrera e ele
herdara o minúsculo apartamento do Tucuruvi. O salário era pouco, mas dava para
as despesas básicas, inclusive o ‘’pagodão’’ de fim-de-semana. Depois de pular
‘’de galho em galho’’, conhecera Deusminda – Minda, para os íntimos – morena,
quase mulata, tipo ‘’mignon’’, por quem se apaixonou e ela por ele. Levou-a
para o apartamento, ela, cuidadora de uma senhora idosa, ajudava nas despesas.
Ambos sonhavam sonhos poucos, um fim-de-semana na praia, roupas melhores, um
carrinho, mesmo de idade longeva. Sonhos, que o dinheiro pouco não permitia
realizar. Salustiano fora trabalhar como segurança de uma grande concessionária
de veículos, que ficava defronte ao motel ‘’Afrodite’’ e se impressionava com o
movimento, principalmente na hora do almoço e, com mais intensidade às
sextas-feiras. Comentou o fato com seu amigo Francisco, cabo da Policia Militar
que, lhe disse serem os freqüentadores amantes ou homens com garotas de
programa. O raciocínio de Francisco era tão simples quanto verdadeiro: que
casal, marido e mulher, freqüentava motel, durante a semana e justamente na
hora do almoço? Dias depois, Francisco ligou para Salustiano. Tinha tido uma
idéia genial para levantarem boa grana: ele, Salustiano, muito discretamente,
fotografava a placa dos carros, entrando no motel, naquele dia e horário e ele,
Francisco, através do sistema da Policia Militar, identificaria o proprietário
ou proprietária do carro e respectivo endereço e, depois, era mandar um
bilhete, pedindo uma grana – 3 mil para carro comum e 5 mil para carro de luxo
-, sob a ameaça de mandar a fotografia para a esposa ou esposo. Em um primeiro
momento, Salustiano relutou, que não era nenhum santo, mas não queria acabar na
cadeia, ainda mais agora, que estava de amor novo. Pouco a pouco, sua
resistência foi baixando, ele, mesmo sem querer, fazendo conta: um carro comum
e um de luxo por semana, renderiam 4 mil para cada um, 16 mil por mês, mais do
que 3 vezes seu salário. Topou: ele fotografava, Francisco levantava os dados e
mandava o bilhete para a “vitima”. Alguns cuidados essenciais: o local da
entrega do dinheiro tinha que ser distante do local de trabalho de ambos e o
‘’bilhete’’, curto e grosso, tinha que ser colocado na agencia central do
correio. A dupla começou a agir e, em 06 meses, cada um já tinha faturado 50
mil. Salustiano e Minda passavam fim-de-semana, em hotel em Santos, depois de
ele ter comprado um ‘’gol bolinha’’, 1983. Minda perguntava de onde estava
saindo o dinheiro e ele explicava que estava fazendo segurança pessoal para um
‘’bacana’’ e faturando boa grana, por fora e Minda, inteligência curta, engoliu
a historia, até porque estava desfrutando mordomias, que nunca tivera.
Cena 03
- ‘’Marcos, é Ana Lucia, preciso, urgentemente, falar com
você e pelo telefone não dá.’’
- ‘’Tudo bem, amor, podemos almoçar juntos.’’
Ana Lucia, voz de pânico: ‘’Você não está entendendo!
Aconteceu uma coisa horrível, tem que ser agora.’’
- ‘’Ok, passo aí, telefono quando estiver chegando, você
desce e nós conversamos. Não posso demorar, porque tenho reunião
importantíssima às 11 horas’’.
Enquanto dirigia, em direção ao escritório de Ana Lucia,
Marcos tenta adivinhar o que acontecera. Em dois anos de convivência, ela,
sempre serena e ponderada, nunca a vira tão estressada, histérica até. Chegou a
uma única conclusão: o marido descobrira, apesar de todos os cuidados tomados.
É verdade que, com o tempo, foram relaxando, chegando em casa mais tarde,
trocando carinho em público. Quando Ana Lucia entrou no carro, estava,
nitidamente transtornada e mal conseguia falar:
- ‘’Veja o que chegou pelo correio. A sorte é que o porteiro
esqueceu de entregar ao Glauco e entregou a mim, quando cheguei. Leia e me diga
o que vamos fazer. E entregou a Marcos uma folha de papel e uma cópia de
fotografia. A fotografia era a traseira do carro dela, onde se podia
identificar as cabeças dos dois e, no papel, estava escrito:
‘’Prezada Senhora Ana Lucia Martins,
Vi a senhora entrar muito bem acompanhada, na última
sexta-feira, exatamente às 12 horas e 35 minutos, no motel ‘’Afrodite’’ e sei
que seu acompanhante não era seu marido. Segue a fotografia de seu carro
entrando no motel. Se a senhora não quiser que ela caia nas mãos de seu marido,
na 2ª-feira, as 11 da noite ponha 3 mil reais, em um envelope e coloque dentro
do cesto de lixo do posto de gasolina Petrobrás, que fica na Rua Vergueiro nº
290. Estarei vigiando, não tente bancar a esperta. Vá sozinha.’’
Marcos leu e releu o bilhete varias vezes. O dinheiro não era
problema. Que decisão tomar, pagar e correr o risco de continuar a chantagem,
não pagar e correr o risco da foto cair nas mãos do marido de Ana Lucia, levar
o caso à Polícia e o assunto se tornar público, expondo todos, inclusive ele
que, por mais que estivesse envolvido com Ana Lucia, não cogitava abandonar a
família? Começavam a pagar o preço de uma felicidade fugidia.
Em tempo: os personagens são fictícios, mas os
fatos são verdadeiros. Interferi, como advogado, para a melhor solução.
Portanto, aos ‘’aventureiros do amor’’ recomendo cautela.