terça-feira, 14 de julho de 2015

Para falar em livros e sebos



Sempre fui leitor compulsivo e compulsivo comprador de livros. Antes de vir morar em São Paulo, lá do interior de Minas, comprava-os, pelo reembolso postal, de uma editora chamada ‘’dos Gusmões’’, situada, na rua do mesmo nome e que eu imaginava ladeada de acácias e flamboyants. Quando aqui cheguei, para fazer o colegial, e prosseguir meus estudos, quis conhecer a dita editora, que me fizera, nos livros mandados, viajar os sonhos de adolescente. Para minha decepção, a Rua dos Gusmões ficava no coração da ‘’boca do lixo’’, ponto final das prostitutas decadentes. Como a grana era sempre curta, procurava, ou melhor, ‘’garimpava’’, nos ‘’sebos’’, livros que me interessavam. Quando a situação melhorou, passei a freqüentar a ‘’Freitas Bastos’’, ali na XV de Novembro e que não existe mais e que tinha filial, no Rio, na Rua Sete de Setembro. E os livros foram se acumulando, alguns – confesso timidamente – não lidos, outros, percorridos várias vezes, como ‘’Judas o Obscuro’’, de Thomas Hardy que, no meu mendigo saber, considero a obra-prima da literatura mundial. Quando vivia dependurado na ‘’ponte-aérea’’, antes do embarque, passava pela livraria do aeroporto e sempre achava um ‘’companheiro’’, para ler no avião. Apesar das ‘’megastore’’, espalhadas pelos shoppings, não perdi o vício de percorrer os sebos que se concentram em torno da Praça João Mendes. Quase ao lado do Tribunal de Justiça, há um muito bom, em cuja porta, além dos livros, se oferecem mulheres, que Vinicius chamou as ‘’jovens putas da tarde’’. Do outro lado da praça, inaugurando a Av. Liberdade, localiza-se outro, que ocupa dois andares do prédio. Se você procura um livro específico, o vendedor localiza-o através do computador. Se você prefere ‘’garimpar’’ – o que é o meu caso – basta percorrer as seções, onde os livros estão separados por assunto. Sebo não é lugar de gente apressada. Neles encontrei algumas pedras preciosas, não só pela obra em si, mas pelas dedicatórias, contidas: quatro volumes de ‘’Os Sertões’’, do Padre Antonio Vieira, dedicados a ‘’D. João Chrysostomo D’Almeida Pessoa, Arcebispo Senhor de Braga e Primaz das Hespanhas’’; ‘’Caminhos de João Brandão’’, dedicado, pelo autor, ninguém menos do que Carlos Drumond De Andrade, ‘’com suave afeto, ao querido Paulo’’; ‘’O Cão Negro’’, ofertado, pelo autor, Carlos Lacerda, ‘’ao companheiro de tantas peregrinações’’,  um certo Raul que, imagino possa ser Raul Brunini, amigo e correligionário de Lacerda, na extinta UDN. Saber que as canetas, que escreveram tais dedicatórias, estavam nas mãos de Drumond e Lacerda, arrepiam-me e me concede, até, inefável intimidade com os dois gênios, um na poesia e outro na política. E há inúmeras outras dedicatórias, livros presenteados a alguém por alguém. Fico a imaginar os caminhos percorridos por esses livros, desde o momento, em que alguém os comprou, até os desvios que os trouxeram a estes velhos prédios. Dos meus, tenho-os arrumados em estantes, muitos perdidos, em várias mudanças. Minha esposa preferiria que eu os repassasse, para que outros os lessem. Seria gesto nobre, mas, egoísta que sou, tenho com eles relação, quase patológica. Visito-os, no espaço que ocupam. Converso com eles e, de vários, lembro-me, até, de quando os adquiri. Participam da historia de minha vida. Alguns, como ‘’Ulisses’’, de James Joyce, venceram minha persistência e eu não consegui desvendá-los. Outros, como ‘’Germinal’’, de Zola, ajudaram-me a sedimentar minhas convicções. Com certeza, algum dia, estarão em sebos, como os que gosto de percorrer, mas, não importa, porque, primeiro, não estarei mais aqui, para assistir ao êxodo e, segundo, porque, espalhados nos sebos da cidade, qualquer cidade, poderão ser adotados, no mesmo gesto prazeroso que me faz estender o braço para alcançá-los.  

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