segunda-feira, 27 de julho de 2015

Lisboa, 1° de março do ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, de 1.500.

Lisboa, 1° de março do ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, de 1.500. 
-Excelentíssimo e Honradíssimo Senhor Pedro Álvares Cabral

Ilustre Senhor,
Fiquei sabendo, através de dileto amigo, que frequenta a Corte, que o Rei, D. Manoel, pretende financiar, expedição marítima, a ser empreendida pelo senhor, com destino às Índias. Posto ser isto verdade, julgo-me na obrigação, como vidente juramentado, de alertá-lo para grande risco que pode comprometer tão nobre empreitada. Como é sabido, alguns anos atrás, seguindo o mesmo itinerário, seu colega de ofício e espanhol de origem, Cristovão Colombo, aportou em terras, a que resolveu denominar ‘’novo mundo’’. Pois me dizem cá os astros que o Senhor, empurrado por mares de poucos ventos, irá bater com sua valorosa esquadra em pedaço de terras desse ‘’novo mundo’’ e lá se deixará ficar, encantado com a beleza das mulheres nativas e com a abundancia dos frutos. Dizem-me, ainda, os astros que melhor fora o senhor se deixar ficar ao largo, sem ir à terra, esperando que os bons ventos o levem a seu destino. Isto porque nessa tal terra, gigante por natureza, as coisas estão fadadas a dar errado, mesmo quando possam dar certo. Vou dar algumas previsões, a mim ditadas pelos astros: dia haverá que um rei de nosso Portugal terá que fugir para lá, vivendo em eterna infelicidade. Será odiado pelos nativos, que farão várias revoluções contra seu reinado, até que, cansado de tanta refrega, voltará para Portugal, deixando, em seu lugar, um filho, este sim, amado pelo povo, principalmente porque seu negocio era esbornia, aí compreendidas mulheres de todas as cores e tamanho. Quererão que ele retorne para cá e ele, após noite de bebedeira e indo curar a ressaca na casa de sua amante preferida, mandará todos àquela parte, declarará a independência das terras e irá repousar suas duas cabeças no corpo daquela amante. Pouco tempo depois, muito a contragosto, ele voltará à pátria, deixando para trás um filho – tantos eles os fará – que, depois de bem criado se tornará um grande rei, culto, idealizador de grandes obras, respeitador das mulheres da terra. É certo que terá amante, mas uma só e francesa, que é papa fina. Mas como o povo da terra jamais será afeito a homens probos, po-lo-ão a correr, inventando uma tal república. Como o senhor sabe, ilustre Cabral, essa palavra vem do latim ‘’ res publica’’, que significa ‘’coisa pública’’ e, naturalmente, a ‘’coisa’’, que é ‘’pública’’, não é de ninguém, não tem dono e, por não o ter, todos se julgarão no direito de meter a mão e assim o farão, por todo o sempre. Um dia virá que os mais humildes e os falsos intelectuais (e que se os há por toda a parte, por que não os haverá, por lá?) tirarão a elite do poder, nele colocando nativos obreiros, na esperança de que, com eles, a ‘’coisa pública’’ seja melhor conduzida. Mas, como crianças famintas em loja de guloseimas, esses obreiros saquearão a coisa pública, por todos os lados, deixando-a depauperada.
São estas visões, ditadas a mim pelos astros, que nunca me falharam, que me levam a escrever ao ilustre companheiro e destemido navegador, suplicando-lhe, em nome de todos os santos, que não desça àquela terra, vez que, se o fizer, semeará o infortúnio que, por todo o sempre, atormentará aquela pobre gente e tornará – perdoe-me a ousadia – amaldiçoado seu nome. Que as luzes de Nosso Senhor e as bênçãos de El-Rei iluminem sua decisão.
Respeitosamente,
Rui Carlos Barbosa de Lacerda
Conselheiro para assuntos transcendentais.

Obs: Carta encontrada por arqueólogos em antigo sitio português.

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