Olho, na parede ao lado, o quadro de nosso time de futebol,
na faculdade e constato que você é o primeiro, em pé. O ano, 1965 e, modéstia à
parte, éramos imbatíveis, você, zagueiro, à antiga, passava a bola, não o
jogador. E fomos amigos fraternos, no sentido mais literal do termo. Dividíamos
o estudo e, depois de formados, as vicissitudes e alegrias, pessoais e da
profissão. Quando meu primeiro filho pulou para a vida, eu, já morando no Rio,
você enfrentou nuvens traiçoeiras e foi batizá-lo. Honra e prazer que se
concedem a poucos. Quando eu adoeci, você, carregando ‘’nosso pai-de-santo’’,
novamente cortou os ares e foi assistir e curar meu mal. Depois fomos todos,
inclusive Renata, companheira de vida inteira, comemorarmos, naquele ‘’inferninho’’ da Rua Prado Jr. E foram
tantas historias, vividas em meio século de convivência, sem o menor
desentendimento. Senti, com indescritível tristeza e angústia, a partida de sua
filha, ainda adolescente e, naquele trágico momento, o brilho de seus olhos
começou a se apagar e parte de você se foi com ela, deixando-o, coração
permanente sangrando. Vi-o, pela penúltima vez, na porta do fórum, esquálido,
cabeça baixa, como se estivesse envergonhado de estar por aqui. Falamo-nos,
rapidamente, apenas aquele frio ‘’olá,
como vai’’ e ficou a ausência do abraço não dado, que, ainda agora,
aperta-me o peito. E o vi, pela última vez, no leito do hospital, você, na sua
inconsciência, buscando respirar um ar que seus pulmões teimavam em não
receber. Quando saí, já tinha a convicção que você se fora, que, naquele
quarto, ficara apenas um espectro do homem, que caminhara comigo, por tantos
caminhos, desde o campo da PUC que vejo, no retrato ao lado, até aquele lúgubre
encontro, na porta do fórum. Hoje, completa-se um mês, que você partiu,
deixando o abraço, que não dei, a palavra de afeto, que eu não disse. Demorei
30 dias para escrever-lhe, porque, tão grande tem sido a emoção, que a caneta
teimava em deixar branco o papel. Agora, eu olho o quadro na parede ao lado e
tenho a dolorida certeza que você se foi, desfalcando nosso time. Fica a
lembrança de tantas andanças e de uma amizade que, sem máculas, atravessou o
tempo.
Adeus, amigo. Qualquer dia a gente se vê, seja onde for, para
falar de coisas e de gentes, daqui e daí.
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