A secretária avisa-me que Dr. Paulo está ao telefone. É ele
meu colega de faculdade, que se transformou em amigo perene e ‘’permutamos’’
clientes, mando-lhe os com problemas trabalhistas, especialidade dele e ele me
envia casos ‘’de família’’, mar onde navego, por alguns decênios. Atendo-o e
ele, sem nem mesmo dizer ‘’bom dia’’, mas já entre risadas, diz-me – ‘’estou
lhe mandando um casal que quer se divorciar. O caso é pequeno, mas só o
inusitado já vale os honorários’’. Dia e hora marcados, surge o casal, ambos na
faixa dos 70. Indago a mim mesmo o que faria duas pessoas, já em idade
provecta, casamento de quase 50 anos, como fui informado, decidir se separar.
Teria ele – ou ela – arranjado outro amor, significativamente mais jovem, o que
vai se tornando corriqueiro, em tempos de modernidade? Depois de alguns minutos
de conversa inútil, ele introduziu o assunto:
- ‘’Sabe, doutor, eu e minha mulher estamos juntos há 48
anos, tivemos oito filhos, todos criados e casados. Nunca ‘’pulei a cerca’’ e
olha que não foi por falta de oportunidade. Nunca brigamos, a não ser essas
briguinhas bestas, de todo o dia, que não deixam marcas. Acontece que eu gosto
de sexo e ela, de uns tempos para cá, tem me evitado, sempre com uma desculpa
esfarrapada. Ora, se eu não sirvo mais como homem, também não sirvo como
marido, prefiro ir embora’’.
Era indescritível o constrangimento da senhora, cabisbaixa,
lágrimas penduradas nos olhos. Eu, apesar de dinossáurica experiência, sem
saber como aconselhar uma reconciliação, preparava meu batido discurso sobre a
prevalência de uma vida inteira de convívio, a estrutura familiar e outros
chavões utilizados. Então ela resolveu falar:
- ‘’Doutor, não é bem assim, como ele está dizendo. Durante
todos estes anos de casado ele sempre quis ter relações comigo, todos os dias,
às vezes, até na hora do almoço e eu nunca me recusei: Agora, estou velha,
cansada, cheia de artrose, não tenho disposição e muito menos vontade para
estas coisas. Isto é uma doença que ele tem. Já foi ao médico, mas se recusa a
se tratar. Eu não quero separar, mas também não quero este negocio, de todo
dia, de manhã, na hora do almoço, de noite. Já disse que ele pode procurar
mulher na rua, desde que não arranje problema, eu não me importo’’.
Faltei pular de ansiedade para saber que doença era aquela,
porque, se fosse transmissível, eu queria contraí-la. Indagado, ele me
respondeu: - ‘’é um tal de priapismo, doutor, o senhor já ouviu falar?’’ Tive
vontade de dar uma gargalhada, mas as circunstancias exigiam sisudez. Respondi:
- ‘’já, faz com que o pênis do homem tenha ereção duradoura e constante, que,
inclusive, causa dor que só cessa com o orgasmo’’. Ia falar um pouco da origem
do nome, que vinha de Príapo, Deus da luxuria, segundo a mitologia, filho de
outros deuses pecaminosos, Dionísio e Afrodite, e cujo pênis, era absurdamente
descomunal, em permanente estado de ereção, apontado para o alto. Lembrei-me,
inclusive, da historia, que se contava, de uma cafetina, que tinha, em uma
cidade do interior paulista, luxuoso bordel, frequentado por fazendeiros e
políticos importantes. Pois essa cafetina mandara esculpir uma estátua de Príapo,
em todo o esplendor de seu membro ereto e a colocou no saguão de entrada de seu
‘’estabelecimento’’. No dia da
inauguração, houve corte da fita (adivinhem onde estava dependurada?), ela fez
um discurso, dizendo a suas ‘’meninas’’:
‘’antes de cortar a fita inaugural, devo lhes dar uma boa e uma má noticia: a
boa, para que vocês não temam pela sua integridade física, é que vocês jamais
encontrarão nada deste tamanho e com esta rigidez.’’
- ‘’E a má?’’,
perguntou uma jovem loura falsificada, com uma mistura de alívio e desagrado. –
‘’A má – respondeu a cafetina – é que
vocês nunca encontrarão nada igual’’. Consta que, depois de certo tempo
Príapo foi removido ao porão, porque trazia inibição aos clientes.
Saí de minhas divagações e voltei para o casal, que olhava
para mim, esperando solução mágica para tão intrincado problema. Era óbvio que
eles não queriam se separar. Talvez fosse o caso de recomendar-lhes terapia,
mas que terapia poderia aplacar o Príapo que se agitava, indomável, dentro
daquele senhor, cabeça branca, voz mansa e olhar já turvo? Voltei aos velhos
chavões: falei dos filhos e netos, da repercussão que o divorcio teria na vida
de todos, da insegurança de se viver sozinho, em idade já avançada. E dei uma
sugestão: que ele espaçasse as idas à fonte do prazer, instalada em sua
respeitável senhora e, em casos de extrema necessidade, resolvesse,
solitariamente, o, digamos, problema.
O casal saiu, ele taciturno, ela, nitidamente aliviada. Eu já
tinha esquecido o caso, quando, cerca de um mês depois, o velho me ligou,
contente: ‘’doutor, obrigado, segui seu
conselho e resolvi meu problema. Comprei uma coleção de filmes, daqueles, o
senhor sabe, e não preciso mais perturbar minha velha. Obrigado, o senhor
salvou meu casamento’’.