Seguindo hábito adquirido, desde que minha mãe me deixou, por
conta de seu aniversário, fui visitá-la, ontem, no Cemitério do Araçá, sempre
na expectativa de encontrar o empadão de frango e o doce de goiaba, em caldas, iguarias
nas quais era insuperável. A Capela, onde foi enterrada, situa-se na segunda
alameda, paralela à Avenida Dr. Arnaldo. O cemitério possui essa emblemática localização: bem defronte ao Hospital das
Clínicas e à Faculdade de Medicina da
USP, como a ensinar que, por mais renhida que seja a luta da vida contra a
morte, esta sempre vence. Prefiro entrar no cemitério pelo portão, ao lado do
velório e percorrer a larga distância, até chegar á capela, coisa de um
quilometro. Tenho o hábito, em momentos de angustia ou grande euforia, passar
pelos principais cemitérios da cidade, tentando entender o sentido da vida e
buscando fortalecer minha frágil fé, acreditar que exista algo além desta
temporariedade, que nos obriga ao egoísmo e à hipocrisia. Todavia, de todos os
cemitérios, prefiro o do “Araçá”, talvez pela intimidade com os
jazigos, que enfeitam a alameda, a percorrer. Logo à esquerda de quem entra, encimando
o túmulo em granito preto, vigorosa e expressiva imagem de Maria, com o Senhor
Morto, no colo. Talvez seja a simbologia da mãe, que ali, em qualquer época,
enterrou filho ou filha, dor insuperável. Não conheço a história dos ocupantes
daquele túmulo, mas apenas pela possibilidade daquele sofrimento, paro ali e
faço rápida e talvez inútil oração. E a alameda avança e a presença de Maria e
de Cristo é constante, esculpidas, em diferentes formas e tamanhos, a
confirmarem a presença da religiosidade. Até poucos anos atrás, eu fazia
espécie de estatística, para verificar quantos tinham vivido mais tempo do que
eu. Desisti, ao constatar que começava a perder. Cheguei à capela, conversei
com minha mãe, os agradecimentos de sempre e o pedido de perdão de sempre, por
não ter conseguido ser o filho, o homem que ela gostaria. No caminho de volta,
fui alcançado pela chuva, já desenhada na cinzenta manhã de inverno. Não
apressei o passo, pois queria saborear o silêncio e o vazio da alameda,
contrastando com o frenético businar do lado de fora, motoristas nervosos, a
não suspeitarem que seus barulhos restarão, qualquer dia, inúteis, porque serão
chamados para o lado de dentro. De repente, chega-me a meus ouvidos, a voz
mansa e melodiosa de minha mãe, cantando canção de eu menino: “no céu, no céu, com minha mãe estarei, na
santa glória um dia, junto à Virgem Maria, com minha mãe estarei”. Comecei
a cantar, com ela, a música, mesmo sabendo, tantos meus deméritos, que jamais
estarei “junto à Virgem Maria”. De
qualquer maneira, onde quer que eu esteja, espero que ela me envie empadão e
doce de goiaba... e que seja breve!
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