segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Visita de aniversário



Seguindo hábito adquirido, desde que minha mãe me deixou, por conta de seu aniversário, fui visitá-la, ontem, no Cemitério do Araçá, sempre na expectativa de encontrar o empadão de frango e o doce de goiaba, em caldas, iguarias nas quais era insuperável. A Capela, onde foi enterrada, situa-se na segunda alameda, paralela à Avenida Dr. Arnaldo. O cemitério possui essa emblemática  localização: bem defronte ao Hospital das Clínicas e à  Faculdade de Medicina da USP, como a ensinar que, por mais renhida que seja a luta da vida contra a morte, esta sempre vence. Prefiro entrar no cemitério pelo portão, ao lado do velório e percorrer a larga distância, até chegar á capela, coisa de um quilometro. Tenho o hábito, em momentos de angustia ou grande euforia, passar pelos principais cemitérios da cidade, tentando entender o sentido da vida e buscando fortalecer minha frágil fé, acreditar que exista algo além desta temporariedade, que nos obriga ao egoísmo e à hipocrisia. Todavia, de todos os cemitérios, prefiro o  do “Araçá”, talvez pela intimidade com os jazigos, que enfeitam a alameda, a percorrer. Logo à esquerda de quem entra, encimando o túmulo em granito preto, vigorosa e expressiva imagem de Maria, com o Senhor Morto, no colo. Talvez seja a simbologia da mãe, que ali, em qualquer época, enterrou filho ou filha, dor insuperável. Não conheço a história dos ocupantes daquele túmulo, mas apenas pela possibilidade daquele sofrimento, paro ali e faço rápida e talvez inútil oração. E a alameda avança e a presença de Maria e de Cristo é constante, esculpidas, em diferentes formas e tamanhos, a confirmarem a presença da religiosidade. Até poucos anos atrás, eu fazia espécie de estatística, para verificar quantos tinham vivido mais tempo do que eu. Desisti, ao constatar que começava a perder. Cheguei à capela, conversei com minha mãe, os agradecimentos de sempre e o pedido de perdão de sempre, por não ter conseguido ser o filho, o homem que ela gostaria. No caminho de volta, fui alcançado pela chuva, já desenhada na cinzenta manhã de inverno. Não apressei o passo, pois queria saborear o silêncio e o vazio da alameda, contrastando com o frenético businar do lado de fora, motoristas nervosos, a não suspeitarem que seus barulhos restarão, qualquer dia, inúteis, porque serão chamados para o lado de dentro. De repente, chega-me a meus ouvidos, a voz mansa e melodiosa de minha mãe, cantando canção de eu menino: “no céu, no céu, com minha mãe estarei, na santa glória um dia, junto à Virgem Maria, com minha mãe estarei”. Comecei a cantar, com ela, a música, mesmo sabendo, tantos meus deméritos, que jamais estarei “junto à Virgem Maria”. De qualquer maneira, onde quer que eu esteja, espero que ela me envie empadão e doce de goiaba... e que seja breve!

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