sexta-feira, 30 de junho de 2017

Para restaurar a paz



Para minha triste surpresa, chego, à noite e, contrariando seu hábito, Rodolfo não vem me receber, restando amuado a um canto. Nara se aproxima, numa recepção meramente protocolar: cheira minha mão, ao invés de mordê-la, abana o rabo, sem qualquer emoção e, cabeça baixa, retira-se para o fundo da garagem. Por óbvio, houve entrevero entre eles, mas deixo para apurar os fatos, após o jantar. Foi o que fiz! Chamei Rodolfo, mantendo Nara afastada. Que cada um apresentasse sua versão! Fui direto ao ponto: “e, aí, Rodolfo o que houve entre você e a Nara, que vocês estão com cara de que comeram ração estragada?” – “Nada de muito grave. É que a Nara, depois de velha, ficou ranzinza. É que veio o homem, que faz a leitura do consumo de luz, um folgado, que encosta no portão. Eu, que estava mais perto, parti pra cima dele e, quando a Nara, que estava deitada, chegou,  o cara já tinha pulado pro meio da rua. Ela ficou histérica, que quem tinha que avançar no sujeito era ela; que eu era um alemão nazista, que achava que era melhor do que os outros só porque era raça pura. Fiquei chateado, sempre gostei da Nara, sou apenas descendente de alemão, não acredito nessa história de raça pura, sou democrata, tanto que apoio a Angela Merkel.” Deixei Rodolfo de lado e fui conversar com a Nara, explicar-lhe que a pior ofensa que se pode fazer a um alemão, nos dias de hoje, é chamá-lo de nazista. E mais, que ao contrário do que pensa muita gente, esta história de raça pura não começou na Alemanha nazista. Vou ler um trecho, extraído de um livro e depois – disse-lhe – você vai me dizer quem o escreveu: “o grande problema da civilização é assegurar um aumento relativo daquilo que tem valor, quando comparado  aos elementos menos valiosos e nocivos da população. Eu desejo muito que se possa evitar completamente a procriação de pessoas erradas. E, o que se deve fazer quando a natureza maligna dessas pessoas for suficientemente flagrante? Os criminosos devem ser esterilizados, e aqueles, mentalmente retardados, devem ser impedidos de deixar descendência. A ênfase deve ser dada à procriação de pessoas adequadas.” “ Antes que você me diga que extraí esse trecho do livro “Minha Luta”, do malfadado Adolf Hitler, devo esclarecer que essas palavras foram proferidas por Theodore Roosevelt, presidente norte-americano, no início do século XX. Aliás estudos  e experiências, objetivando apurar a existência de uma “raça pura superior”, começaram, nos Estados Unidos, ao final do século XIX, patrocinados pela “Fundação Rockefller”. É claro que o nazismo aproveitou esses estudos, levando-os ao extremo, na perseguição aos judeus, mas o tempo passou, as feridas da 2 guerra, de larga data, cicatrizaram-se e os alemães de hoje, inclusive o Rodolfo, não guardam a menor relação com aquele tempo sombrio e seus homens tenebrosos. Veja que a Primeira Ministra, Angela Merkel, assumindo todos os riscos políticos, é a maior defensora de a Europa acolher os refugiados da Síria e a Alemanha, hoje, talvez seja o país da comunidade europeia, onde mais ocorra miscigenação racial. Portanto, acabou esta história de raça pura. Agora, vá lá, peça  desculpas ao Rodolfo, pois grandes afetos  não podem ficar sujeitos a pequenos ressentimentos.”
Nara dirigiu-se, lentamente, ao local, onde Rodolfo se encontrava, deitou-se ao lado dele e lambeu-lhe a orelha. Estava restaurada a paz!

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