Ele, de tradicional família paulistana, mas vivendo tempos de
decadência financeira, não se adaptou à necessidade de aderir a trabalho sério,
destes com salário fixo. Formou-se em Direito, mas, como todo “bom vivant”, colocou o diploma em
vistoso quadro, pendurou-o na parede,
arrumou, em luxuosa estante, uns poucos livros de Direito, páginas coladas pelo
não uso e montou seu escritório, no coração do sofisticado bairro do Itaim.
Como se formara ao final dos anos 60, quando ainda não havia o exame seletivo
da OAB, teve apenas que comparecer à sessão solene de entrega da carteira de
advogado. Conscio de sua absoluta ignorância jurídica (com alguma dificuldade,
distinguia o Código Penal do Civil), jamais advogou: o patrimônio da família
permitia-lhe viver bem, aqui e além-mar. Aos 30 anos casou-se com bela moça, de
seu mesmo meio social. Tiveram um filho, mas, pouco tempo depois, cansou-se da
mulher e do filho e tantas ele fez que um dia encontrou a mala na portaria do
prédio. A esposa demitira-o. Tanto melhor – pensou – não mais precisaria
inventar desculpas para suas escaramuças, nos puteiros chiques da cidade. Pois
esse era seu “habitat”: sentar nos
enormes sofás, nas casas noturnas, situadas na então chamada “boca do luxo”, mulheres em volta, uísque,
na mesa, muita fumaça e música de qualidade duvidosa. O tempo, “este carrasco sem piedade”, foi ganhando
velocidade, enquanto ele perdia os cabelos, enrugava a pele e via o dinheiro
minguar. Passou a vendedor de fumaça: que conhecia fulano, amigo do Prefeito,
do Secretário, do Governador e conseguiria receber a fatura retida ou cancelar
a multa aplicada. Recebia “algum” na
frente e, depois, contava uma história qualquer para a vítima do golpe. Tinha
engenho e arte: sempre conseguia ser fotografado ao lado do Prefeito,
Secretário, Governador, ambos sorridentes, até porque político é assim mesmo:
na dúvida, abraça e sorri pra qualquer um. Perfilava esses abraços e sorrisos
em molduras, colocava-se sobre sua mesa, no escritório inútil e era só esperar
o incauto, credor do poder público, ou ansioso por um bom contato. Os anos
continuaram a passar, sua (má) fama
espalhou-se e a grana, curtíssima, não mais lhe permitia freqüentar os puteiros
de luxo. Passou, muito de quando em vez, recrutar decadentes garotas de
programas – já muito longe de serem ”garotas”
– nos classificados de jornal. Já batendo
nos 70, sem dinheiro, morando em minúsculo “flat”, não podia exigir muita coisa. Um dia, ou noite, foi atendido
por “Sthephanny”, talvez loura, entre
30 e 50, a depender da intensidade da luz. Falavam mais do que transavam, daí
surgindo uma quase amizade. Só que da 4ª vez em que recebeu a visita da dita
cuja, adormeceu de repente e, ao voltar a si, estava amarrado pelos braços.
Fora vítima do famoso “boa-noite cinderela”.
Acordou a tempo de impedir a fuga da parceira, travando, com ela, luta
corporal, mas, mesmo assim, sendo surrupiado em 10 mil reais, que era tudo que
restava do último golpe, que aplicara em incauto empresário. Foi à Delegacia do
bairro, registrou a ocorrência, quando, então, declarou que somente dessa 4ª
vez descobriu que “Sthephanny”...
era, na verdade, travesti.
Para comprovar que o relato acima é pura expressão da
verdade, segue o boletim de ocorrência, lavrado pelo nosso herói, com problemas
de visão e tato, mas que, por motivos óbvios, retirei os dados identificadores.
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