Saímos para nosso dominical passeio no parque e Rodolfo era
só sorrisos. A semana fora inclemente, com chuvas despropositadas para este
outono findante. Imaginei ser este o motivo da alegria do Rodolfo, mas não
resisti à curiosidade e perguntei:- “e aí
Rodolfo, por que tanta alegria? “ – “É
que a Nara me contou que você e Renata vão completar 45 anos de casados”. Fiquei feliz, mas, desculpe me intrometer,
mas como começou tudo?”. Achei melhor procurar um banco, para sentar, olhos
, voltados para o lago, porque o papo ia longe, tantas as lembranças: “conheci-a, Rodolfo, e, de saída, já tivemos
um incidente: fomos ao cinema, filme proibido para menor de 18 e já na porta
ela me diz que só tinha 17. Como podia eu imaginar que um mulherão daquele,
quase, 1,80m, ainda fosse “de menor”? Tinhosa, freqüentávamos um barzinho, que
não existe mais, chamado “Cambridge”. Certa feita, mais de um mês de namoro, achei que podia “avançar
o sinal”, como se dizia àquela época. Recém-formado, usava cafonérrimo anel de
advogado e coloquei a mão sobre as esplendorosas coxas dela. (Sou obcecado por
coxas, como você sabe, que me vê dando nota para as que passam, correndo). As
dela eram nota 10, mas, com a voz mais terna do mundo, ela me pediu para tirar
o anel do dedo o que fiz prontamente, imaginando que, na sequência, iria
percorrer aquela pele macia. Qual nada! Quando voltei com a mão, ela
acrescentou: “agora, deixe a mão, junto ao anel, em cima da mesa. Nosso
casamento foi simples, pouca gente e, em seguida, fomos morar no Rio, em
minúsculo apartamento, em Copacabana. Na maior dureza, ela grávida do Marcello,
ficávamos, no maior bom humor, sonhando sonhos, então impossíveis, viagens
maravilhosas, que tempos depois, Deus nos permitiu realizar. Totalmente desprendida, nunca deu a mínima
para dinheiro ou status. Com a mesma simplicidade, freqüentava as casas
noturnas de luxo, ou comia acarajé, nas
barracas da Praça da República. Ela e eu dividimos bem as tarefas: eu, correndo atrás da grana e ela cuidando
dos filhos, da casa e dos incontáveis cachorros, mais uma paixão, que nos une.
Em sua missão, ela se saiu muito melhor do que eu, na minha. Basta ver os
filhos, bem criados, vida arrumada e eu ainda perseguindo o pão de cada dia.
Apesar de gênio explosivo (já chamou motorista de caminhão para briga) é de
extrema benevolência: cuidou, com absoluta dedicação, de minha mãe, ao final da
vida desta e, hoje, renunciou à liberdade para cuidar da mãe dela, batendo os
90 e gênio de cão danado. Sabe aquela fala do Padre, na celebração do casamento:
“na alegria e na tristeza, na saúde e na doença? Pois eu e Renata a cumprimos,
em toda sua extensão. Rimos – e muito – com filhos, netos e amigos e choramos
perdas irreparáveis. Na saúde, fomos vulcões e, na doença, somos solidários,
inteiramente disponíveis, um para o outro. E, para completar, tenho consciência
que ela é sócia majoritária desta sociedade, chamada “estrutura familiar”. Se
tivemos tempestades? Inúmeras, algumas inundantes, até. Mas sobrevivemos, mesmo
com algumas cicatrizes. De minha parte, fica apenas a tristeza de não tê-la
feito mais feliz. E reconheço que ela vale tanto mais do que eu, que alimento a
esperança que Deus me convoque primeiro, porque, se for ao contrário, irei,
mesmo sem ser convocado. Enfim, meu amado Rodolfo, se houver outra vida, depois
desta, gostaria de vivê-la, outra vez, com Renata”.
Rodolfo olhou-me nos olhos e, para minha alegria, contou-me
que, quando chegou, Nara lhe deu as “boas
vindas”, dizendo-lhe “você não
poderia ter pousado em melhor lugar. Saiba aproveitar este privilégio. A dona
da casa é a essência do bem”.
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