segunda-feira, 12 de junho de 2017

Por causa de 45 anos de casados



Saímos para nosso dominical passeio no parque e Rodolfo era só sorrisos. A semana fora inclemente, com chuvas despropositadas para este outono findante. Imaginei ser este o motivo da alegria do Rodolfo, mas não resisti à curiosidade e perguntei:- “e aí Rodolfo, por que tanta alegria? “ – “É que a Nara me contou que você e Renata vão completar 45 anos de casados”. Fiquei feliz, mas, desculpe me intrometer, mas como começou tudo?”. Achei melhor procurar um banco, para sentar, olhos , voltados para o lago, porque o papo ia longe, tantas as lembranças: “conheci-a, Rodolfo, e, de saída, já tivemos um incidente: fomos ao cinema, filme proibido para menor de 18 e já na porta ela me diz que só tinha 17. Como podia eu imaginar que um mulherão daquele, quase, 1,80m, ainda fosse “de menor”? Tinhosa, freqüentávamos um barzinho, que não existe mais, chamado “Cambridge”. Certa feita, mais  de um mês de namoro, achei que podia “avançar o sinal”, como se dizia àquela época. Recém-formado, usava cafonérrimo anel de advogado e coloquei a mão sobre as esplendorosas coxas dela. (Sou obcecado por coxas, como você sabe, que me vê dando nota para as que passam, correndo). As dela eram nota 10, mas, com a voz mais terna do mundo, ela me pediu para tirar o anel do dedo o que fiz prontamente, imaginando que, na sequência, iria percorrer aquela pele macia. Qual nada! Quando voltei com a mão, ela acrescentou: “agora, deixe a mão, junto ao anel, em cima da mesa. Nosso casamento foi simples, pouca gente e, em seguida, fomos morar no Rio, em minúsculo apartamento, em Copacabana. Na maior dureza, ela grávida do Marcello, ficávamos, no maior bom humor, sonhando sonhos, então impossíveis, viagens maravilhosas, que tempos depois, Deus nos permitiu realizar.  Totalmente desprendida, nunca deu a mínima para dinheiro ou status. Com a mesma simplicidade, freqüentava as casas noturnas de luxo, ou comia acarajé, nas  barracas da Praça da República. Ela e eu dividimos bem as tarefas:  eu, correndo atrás da grana e ela cuidando dos filhos, da casa e dos incontáveis cachorros, mais uma paixão, que nos une. Em sua missão, ela se saiu muito melhor do que eu, na minha. Basta ver os filhos, bem criados, vida arrumada e eu ainda perseguindo o pão de cada dia. Apesar de gênio explosivo (já chamou motorista de caminhão para briga) é de extrema benevolência: cuidou, com absoluta dedicação, de minha mãe, ao final da vida desta e, hoje, renunciou à liberdade para cuidar da mãe dela, batendo os 90 e gênio de cão danado. Sabe aquela fala do Padre, na celebração do casamento: “na alegria e na tristeza, na saúde e na doença? Pois eu e Renata a cumprimos, em toda sua extensão. Rimos – e muito – com filhos, netos e amigos e choramos perdas irreparáveis. Na saúde, fomos vulcões e, na doença, somos solidários, inteiramente disponíveis, um para o outro. E, para completar, tenho consciência que ela é sócia majoritária desta sociedade, chamada “estrutura familiar”. Se tivemos tempestades? Inúmeras, algumas inundantes, até. Mas sobrevivemos, mesmo com algumas cicatrizes. De minha parte, fica apenas a tristeza de não tê-la feito mais feliz. E reconheço que ela vale tanto mais do que eu, que alimento a esperança que Deus me convoque primeiro, porque, se for ao contrário, irei, mesmo sem ser convocado. Enfim, meu amado Rodolfo, se houver outra vida, depois desta, gostaria de vivê-la, outra vez, com Renata”.
Rodolfo olhou-me nos olhos e, para minha alegria, contou-me que, quando chegou, Nara lhe deu as “boas vindas”, dizendo-lhe “você não poderia ter pousado em melhor lugar. Saiba aproveitar este privilégio. A dona da casa é a essência do bem”.

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