segunda-feira, 5 de junho de 2017

O passado revivido



Ontem, vivi momentos de consternação, ao passar pelo piso inferior do Edifício “Zarvos”, que liga a  Avenida da Consolação à Avenida São Luiz. As lojas abandonadas, o corredor escuro, davam a certeza da decadência do local. É que, não faz tanto tempo assim – ou faz? – ali vivi agitados dias e noites da minha vida. No ,piso superior, funcionava o bar-restaurante “Padock”, mestre Bira, no comando, onde se podia ouvir o que havia de melhor da música popular brasileira e norte-americana e saborear o melhor “picadinho” do mundo. Como bar e restaurante eram separados, quem não quisesse jantar, ficava de papo no bar, entre honestíssimo uísque e salgadinhos de fino trato. Também abria para o almoço, mas o “tchan” era o “happy hour”, pela música e pelas pessoas que ali aguardavam o fluir do trânsito. Mulheres, só acompanhadas e nisto Bira era intransigente, já que a  freqüência de executivos bem sucedidos seria atrativo para mulheres “caçadoras”. Para quem quisesse discreção Bira disponibilizava mesas, ao fundo do restaurante, onde se podia falar de negócios, mais ou menos escusos ou, até mesmo, curtir um romance proibido. Freqüentei o “Padock” por cerca de 30 anos e nunca presenciei briga física, ou agressões verbais. No máximo, debates acalorados, como, por exemplo, quando estavam, na mesma mesa e depois de algumas doses, meu querido amigo, João Renato, outrora integrante da “esquerda caviar” e eu, adepto da “República dos generais”. O Padock tinha especial geografia: do banheiro, enquanto se fazia xixi, contemplava-se o frenesi dos carros que passavam pela São Luiz. Um dia, sem aviso prévio, o Padock fechou as portas, deixando-nos órfãos daquela sadia e rápida boemia. O jeito foi migrarmos para o “Bistrô”, situado no piso inferior. Intimista, estilo neo-clássico, sem música ao vivo, mas, em compensação, guiado pelas competentíssimas mãos de Derivan, um dos melhores e mais gentis “barman” de nossa urbe e, ao que me consta, ainda anda por aí, encantando o paladar de privilegiados. O “Bistrô” tinha freqüência selecionada, entre empresários da estirpe de um Antonio Erminio e Desembargadores de nosso Tribunal. Durante certo tempo, foi comprado por três amigos meus, sendo um carioca, que tinha, como único defeito, não ser torcedor do Botafogo, mas era excelente contador de história, tornadas mais saborosas, quando banhadas a “old parr”. Um dia, seguindo a decadência do centro, o Bistrô também fechou suas portas e os locais de fino trato, onde o bom gosto podia marcar encontro com a inteligência, desapareceram, cedendo espaço aos restaurantes por quilo, esses lugares, onde pessoas tristes comem comida requentada.
Saí deprimido do “Zarvos” e fui buscar na gaveta das recordações, os bons momentos, ali vividos, até porque de memórias a velhice é feita.

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