quinta-feira, 29 de junho de 2017

Visita ao Psiquiatra



O edifício do Psiquiatra, que me foi indicado, situava-se na Avenida Ibirapuera, defronte à Igreja, por onde passo, todos os domingos. Seu consultório, no 18° andar, é bem decorado, apesar das flores de plástico, sobre a mesinha de canto. As mesmas velhas revistas de sempre. Como sou cliente de primeira vez, tenho que fazer ficha e aí surge o primeiro impasse: pergunta-me a atendente:
 - “quantos anos o Senhor tem?”
Respondo-lhe que tal informação é irrelevante e eu tenho por princípio, não fornecê-la, nem a mim mesmo. Ela faz cara de espanto e o rapaz, aguardando sua vez de ser atendido, finge que lê a revista. Espero quase uma hora e, quando me preparo para ir embora, a porta do consultório se abre, o rapaz sai, a atendente entra e, em seguida, sou chamado. O médico, mais ou menos 50 anos, estatura mediana, conduz-me a uma poltrona, sentando-se a minha frente. Com sorriso, pergunta-me:
  - “você tem problema com idade?”
 - “nenhuma, apenas considero invasão de privacidade alguém com quem não tenho a mínima intimidade, indagar minha idade. E, por falar em intimidade, como não nos conhecemos, prefiro que nos tratemos por Senhor.
 - “Mas, para o médico, é importante saber a idade do paciente.”
 - “Estime,  doutor. Eu, por exemplo, acho que o Senhor está na faixa dos 50, Faça o mesmo comigo e encerremos o assunto, até porque sua hora técnica é cara, para ficarmos discutindo idade.”
 - “Tudo bem, em que posso lhe ajudar?”
  - “Preciso de receita de lexotan, 6 mg, 03 caixas, por favor!”
 - “Mas o Senhor  só veio aqui pra isto? Não tem mais nada para me falar? E se eu me recusar a lhe dar a receita?”
 - “Vou embora, o Senhor devolve o cheque da consulta e tudo bem!”
Eu já me levantava da poltrona, quando ele, apoiando a mão, em meu ombro, pediu-me, gentilmente, para que eu me sentasse:
 - “fique calmo, antes de lhe dar a receita, vamos conversar um pouco. Por que e há quanto tempo o Senhor toma lexotan?”
 - “Tomo para dormir, desde que me conheço como gente, sob diferentes nomes.”
 - “E nunca lhe fez mal?”
 - “Há uns 30 anos atrás, um médico disse-me que, a longo  prazo, o uso iria prejudicar o funcionamento de meus neurônios. Esses 30 anos se passaram e eu acho que meu cérebro continua funcionando muito bem.”
 - “O Senhor se considera uma pessoa feliz?”
 - “Depende do conceito de felicidade. É alcançar objetivos? Então sou! Estudei, formei-me na profissão que quis, casei com a mulher, que quis, tive filhos, que nunca me deram preocupações, além das triviais, então por este ângulo, considero-me feliz.”
 - “Mas não sente falta de alguma coisa, que o tornaria mais feliz?”
 - “É claro, uma receita de lexotan de 6 mg.”
 - Não, não falo de coisa banal, mas, sim, de alguma coisa, presa no peito, digamos, uma frustração?”
 - “Apenas de não ter 30 anos a menos e 30 milhões a mais
 - “E se o Senhor tivesse, o que faria?”
 - “Não raciocínio sobre hipótese impossível, meu caro Doutor, O tempo não volta e a única possibilidade de ter 30 milhões é ganhar a mega sena acumulada.”
 - “E se o Senhor ganhasse, o que faria?”
 - “A esta  altura da vida? Nada que alterasse minha rotina, a não ser ajudar algumas pessoas.”
 - “Mas o Senhor podia viajar, conhecer lugares...”
 - “o Senhor deve estar brincando Doutor! Já viajei o suficiente, conheci os lugares que quis conhecer. Não tenho mais paciência para aeroportos, hotéis, faz  e desfaz malas...”
 - “mas o que lhe dá prazer, hoje em dia?”
 - “Além de lexotan? Levar meus cachorros ao parque, beber, aos sábados e domingos, ler um bom livro, já não é o bastante?”
 - “E conversar com amigos, não lhe causa prazer?”
 - Amigos, tenho-os nos dedos de uma só mão e os mantenho à distância, que é o melhor forma de conservá-los.”
 - “Numa primeira avaliação, acho que o Senhor está em depressão. O que lhe parece?”
 - “Concordo. Tenho várias  formas de depressão: quando olho meu saldo bancário, quando me faltam forças para segurar os cachorros, que avançam sobre os gatos e, principalmente, quando constato que o lexotan está acabando. A propósito, o Senhor vai me dar ou não a receita?”
 - “Vou, desde que o Senhor assuma o compromisso de voltar aqui. Precisamos conversar mais.”
 - “É claro que volto. Considerando que cada caixa de lexotan contem 20m comprimidos, o, que dá um total de 60, como tomo 2 por noite, daqui a 1 mês estou de volta.”
Ele levantou, despediu-se de mim, um leve sorriso, dizendo-me: “da próxima vez, terei uma conversa mais profunda com o Senhor”, ao que respondi: “da próxima vez, pode me chamar de você.” E saí com o precioso formulário azul, nas mãos, com a leve impressão que o psiquiatra não batia bem da cabeça.

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