quinta-feira, 3 de março de 2016

Por falar da quaresma e ressentimentos

É tempo de quaresma. Dentre outras reflexões, tempo de extirpar de corações e mentes os grandes ressentimentos, que se perpetuaram e que nos faz trazer ao presente, com constância, a pessoa, objeto de nossa mágoa e odiá-la, como se os fatos tivessem acontecido minutos atrás. Como nos ensina o filósofo Luiz Felipe Pondé, o ressentimento talvez seja a característica que mais nos distingue dos animais, dito irracionais. Não falo do ressentimento passageiro, como o gerado pela ‘’fechada’’ levada e que nos faz elogiar a mãe do motorista do outro veículo, ou do pedreiro que deixou nossa reforma inacabada. São ódios que têm a duração de uma flor. Falo do ressentimento que se perpetua, que viu nossos cabelos embranquecerem, mas que permanecem acesos, cicatrizes que nos recordam as lesões sofridas. Em busca desse ressentimento, para purgá-lo, em tempo de quaresma, faço minha memória viajar e ei-lo, ele, o ressentimento buscado, que emerge, fazendo meu sangue ferver, colocando-me faca aos dentes e a vontade de encontrar o amaldiçoado e picá-lo, em miúdos pedaços. Conto o fato e dou nome ao indigitado: corria, ou melhor, quase morria o ano de 1971 e, com ele, o campeonato carioca de futebol. À época, morando no Rio, assistia a todos os jogos do Botafogo que, leve e solto, caminhava rumo ao título. E não podia ser diferente, já que, lá no ataque, estavam Jairzinho, Gerson, Roberto e Paulo Cesar ‘’Caju’’, praticamente o mesmo da inesquecível seleção brasileira de 70. Eu fizera minha parte para o sucesso do alvinegro. Mesmo sem ser supersticioso, fui a todos os jogos com a mesma roupa, sentando no mesmo lugar. A jornada seguira invicta, até porque, lá atrás estavam Carlos Alberto Torres, o ‘’capita’’ da copa e o feroz Brito. Chegamos à final com o Fluminense, precisando de medíocre empate. 170 mil torcedores no Maracanã, a esmagadora maioria, por óbvio, torcedores do ‘’glorioso’’. Até os 40 minutos do segundo tempo persiste 0x0 e o grito de ‘’é campeão’’, parado na garganta e as lágrimas, de incontida emoção, prontas para serem derramadas. Pois no minuto seguinte vem o infortúnio: bola cruzada sobre a área botafoguense. O lateral esquerdo do Fluminense – Marco Antonio, era seu nome – faz escandalosa falta em nosso goleiro – Ubirajara, será seu nome -, o que permite que outro jogador tricolor – minha memória bloqueia seu nome – faça o gol, ilegitimamente, vergonhosamente validado e nosso título esvaiu-se. As lágrimas derramadas alagaram as arquibancadas do Maracanã. Lembro-me de que fiquei sentado, atônito, vendo o estádio desligar seus refletores. Tudo se apagou com o tempo, menos o ressentimento pelo árbitro do jogo. José Marçal Filho, era o nome do ‘’filho do cão’’. Vejo-o, ainda hoje, em meus piores pesadelos. Odiei-o, ao longo de todos estes anos. Escolhi para perdoá-lo e até querer bem a ele, nesta quaresma. Inútil pretensão. A faca ainda resta pronta para dissecá-lo. Talvez, na próxima quaresma... 

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