sexta-feira, 2 de outubro de 2015

O crime quase perfeito



Recebo, com muito agrado, a visita de cliente, quase amigo, cujo divorcio fiz, já La vão 03 anos, bastante desgastante para todos, já que a mulher não queria a separação. Criou ela incontáveis empecilhos, mas ele, entrando nos 60, estava apaixonadíssimo por uma garota de 25. Eu, à época, cumprindo a obrigação de advogado e quase amigo, dei-lhe conselhos, alertei que paixão, como onda bravia, era estado passageiro e que, quando passasse, ele seria o grande perdedor, porque ficaria sozinho e afastado da perenidade que a estrutura familiar proporciona. Mas qual o que! O homem estava ensandecido, que a esposa ficara chata, implicava com a cueca, deixada no banheiro, com o toco de cigarro no cinzeiro, que ele roncava, enfim, tudo era pretexto para uma discussão que terminava, invariavelmente, com ela batendo a porta do quarto. Ele – dizia-me -  sofria a angustia da sexta-feira, sabendo que teria interminável fim-de-semana de duelo com a esposa. Se ele saísse, era porque não gostava de ficar em casa, se ficasse, estava sujando o sofá com o jornal, manchando a mesa com o copo de uísque, ouvindo musica, como se fosse surdo. Um dia, no hospital onde trabalhava – esqueci de dizer que era médico – conheceu uma residente, que fora lhe relatar um caso, pedindo orientação. Morena, olhos verdes, seios pulando da blusa. Encerrada a conversa, cada qual seguiu seu rumo. Na hora do almoço, no restaurante do hospital, ele procurou uma mesa, à janela, debruçada sobre a avenida. Gostava de ver o movimento, as pessoas apressadas, lá fora, ao contrário da vida arrastada, de dentro. Assustou-se quando ela, abrindo majestoso sorriso, perguntou-lhe se podia sentar com ele. Ali começou tudo: garota inteligente, alegre, despojada, um vulcão na cama. A principio, encontros escondidos, que foram ficando menos cuidadosos, até o dia que foram flagrados, por uma enfermeira, transando em uma vazia sala de cirurgia. Em pouco tempo, até o porteiro já sabia. Antes que, por outros bocas chegasse aos ouvidos da esposa, ele mesmo contou. Que não mais suportava aquela mesmice de casamento, ela implicante, por certo já o desprezava. Que ele conhecera outra pessoa,queria aproveitar o resto de vida, trabalhava feito ‘’burro de carga’’, achava que merecia. Primeiro, ela gritou, depois chorou, depois ameaçou: que nunca mais ele veria os netos, que na casa da praia ele não botava os pés com uma vagabunda. Ele simplesmente jogou algumas roupas numa valise de mão e se transferiu para um ‘’flat, ali na Alameda Lorena, para onde a garota também se mudou. Para deixar a ‘’poeira sentar’’, tiraram férias: Itália, França, Holanda e Alemanha. Tórrida lua-de-mel, apesar do gélido inverno europeu. Na volta, começou a guerra da separação. Foi quando ele contratou meus serviços. Sorte que o advogado dela era meu conhecido e conseguimos conduzir o barco em águas revoltas, até chegarmos ao porto seguro do acordo amigável. Todavia, no dia da audiência final, era visível o ódio que ela destilava contra ele. Depois disto, nunca mais o vira, cada qual envolvido por vidas tão diferentes. Nos natais, sabendo-me apreciador de vinho, ele sempre me mandava uma caixa e eu retribuía com um livro. Então, falávamos, por telefone, aquelas palavras de sempre. Era quando sabia que o novo casamento ia as mil maravilhas, ele amando e sendo amado, como nunca. Marcávamos um encontro, na base do ‘’precisamos nos ver’’ e, é claro, esse encontro jamais acontecia. Assim, quando ele marcou entrevista comigo, imaginei algum negocio, compra de algum hospital, créditos a receber de plano de saúde, ou coisa que o valha. Quando ele entrou em minha sala, pelo seu semblante soturno, vi que o assunto era grave. Sem preliminares foi logo ao principal: -‘’meu caro, estou com problema sério, vivendo verdadeiro inferno, preciso de sua orientação. Desde o divorcio, minha ‘’ex’’ não parou de me perseguir. Falou mal de mim aos amigos comuns, que eu chegava bêbado, a agredia, dava em cima das empregadas. Até meus filhos viraram a cara para mim. Culminou com ela postando, no facebook, uma foto de minha atual, dizendo que era garota de programa, que eu tirava do ‘’Bamboa’’. Achei que aquilo tinha que ter um fim. Como sei que ela toma remédio para dormir e eu ainda tenho a chave do apartamento, no mês passado entrei lá, apliquei nela uma injeção letal, que aparenta sinais de parada cardíaca. No dia seguinte, a empregada encontrou-a morta, ligou para os filhos, que ligaram para mim, um amigo, cardiologista de renome, atestou o óbito. Desde então ando atormentado, sem saber o que fazer. Vou a polícia, confesso o crime e destruo minha vida? Tenho pensado até em me matar. O que faço?’’

Eu, apanhado pelo inusitado da consulta, não achava resposta. Confessar o crime – caminho juridicamente mais adequado – seria o fim da vida daquele homem honesto, profissional competente. Se fosse a julgamento, nem o melhor criminalista do mundo conseguiria absolve-lo e, mesmo que o conseguisse, não o livraria daquela culpa, que o atormentava. Por certo, entendia eu que o problema situava-se fora do mundo jurídico, por isso, mais do que orientação, dei-lhe uma opinião: - ‘’meu caro, o estrago já está feito e não há como recuperá-lo. Solto ou preso, você continuará sufocado pela sua consciência. Vou invadir sua seara: imaginemos que você seja portador de doença, pelo menos por enquanto, tida como incurável. Você terá que conviver com essa doença, na esperança de que um dia se encontre cura para ela, ou, então se matar, por não ser capaz de conviver com essa angustia de esperar. Acho – apenas acho – que essa possível cura está no divã do psiquiatra. Se você tem algum, de sua absoluta confiança, converse com ele. De nós, de mim, e dele, você está resguardado pelo sigilo profissional.’’ Como ele estava transtornado, retive-o, em meu escritório e, aproveitando o cair da tarde, abri um vinho que sempre ‘’alegra o coração dos homens.’’ 

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