Uma jornada de sexta feira
Na verdade, tinha preparado um texto, falando do 11 de
setembro de 2011 e suas atuais conseqüências, mas hoje é sexta feira, dia “sem gravata”, principalmente nestes
tempos de inverno, que me remetem a minha cidade do interior, onde, quando a
temperatura chegava aos 20 graus, as mulheres colocavam um casaco enorme,
chamado “mantô” (escreve-se manteou)
e os mais velhos diziam que era sinal que o mundo estava por acabar. Quando vim
para São Paulo – lá se vai meio século- tive enorme dificuldade para me adaptar
ao frio, que me deprime e me tira o ânimo para trabalhar. Frio –penso eu- é
para ficar entre cobertores, tomando chocolate e comendo pão frito na manteiga.
Tenho uma teoria que, sem convencer, levei a alguns médicos: se a temperatura
interna do corpo gira em torno dos 35 graus, a externa, sob pena de choque térmico,
não pode ser inferior. O que importa, para mim, é que sou bicho verão, partidário
do “quanto mais quente, melhor”. As pessoas
saltam para as ruas, os bares se engravidam de barulho e as coxas exibem sua beleza
ou decadência. Não me importo com o suor, que empapa a camisa e escorre pelo
rosto. Também não se pode querer tudo! Em que pese a secura do tempo, estes
dias têm sido lindos. Vejo o amanhecer róseo da janela da sala e participo da
noite chegante, andando pelo parque, grudado a minha casa. Ontem, calmamente
saí do fórum, na Praça João Mendes e fui jogar conversa fora no escritório de
um amigo, lá no final da Rua Boavista, quase no Largo São Bento. Caminhada de
um quilômetro, passando pela Praça da Sé, infestada de “sem nada” e pregadores, bíblia na mão, louvando a Deus e maldizendo
os homens. Fui pela XV de Novembro, que me traz algumas recordações. Outrora centro
financeiro, lá tive meu primeiro escritório e lá ficava a “Freitas Bastos”, a melhor livraria de livros jurídicos da época. Tinha
eu –que chique- o meu “livreiro”, que
me anunciava o último lançamento e até fazia rápido resumo da biografia do
autor, quando eu, ainda dando os primeiros passos na profissão, não o conhecia.
Hoje, a figura do livreiro desapareceu substituída que foi pelo vendedor, que
se vale do computador para acessar o livro procurado. A “Freitas Bastos” também não mais existe e, em seu lugar, funciona
dessas lanchonetes, que também fornecem o “prato
do dia”. A própria XV de Novembro não guarda qualquer parecença com a
daquela época. Os bancos migraram para a Juscelino e Faria Lima, em busca de
melhores ares, sem o cheiro de urina, que nos tira o fôlego. O calçamento
destruído demonstra que, de larga data, o poder público a despreza. Os homens
engravatados e as mulheres de salto alto foram substituídos por vendedores
ambulantes –de qualquer coisa- e por mágicos, sem magia. Faz-se uma roda em
torno de um homem –idade indefinida- que explora uma criança – não mais que 10
anos -, fazendo-a saltar dentro de um círculo, cuja borda está em chamas. Percorro
essa moderna e decadente XV de Novembro, olhando-a, não com os olhos, mas com o
coração, (como recomenda Santo Tomás de Aquino), que me remete ao tempo de meu escritório,
situado no número 200, à “Freitas Bastos”,
à cafeteria, onde lanchava às 05 da tarde. Afinal, é quase verão – primavera, o
sol brilha, as coxas passam e, ainda por cima, é sexta feira, dia sem terno e
gravata.
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