Pequena História de Perdição
Os primeiros raios de sol alcançaram Luiz Claudio caminhando
pela praia, ainda deserta. Duas horas seriam suficientes para que a orgia de
barracas, ambulantes, crianças e adultos, gordos, magros, atléticos, marcasse o
inicio de mais um sábado de verão. Ao contrario de seus amigos de beira mar,
não nutria qualquer preconceito em relação à praia de fim-de-semana. Como dizia
o Paulo “era a apoteose do caos”. Mas
não se importava. Ficava, a uma certa distancia, como espectador de uma feira
mística, observando os “brancões” a
se lambuzarem de óleo; as crianças a espargirem areia nos corpos deitados,
afora um ballet melancólico de estrias e barrigas debruçadas sobre calções e
biquínis gastos. Podia ser, “esteticamente
patético”, como dizia o Guto, do alto de sua viadice, mas para, ele, Luiz
Claudio, aquele era o povo de quem extraía o apêndice e a vesícula, nos
hospitais, onde trabalhava. Nascera e crescera, no outro lado do calçadão, em
um imenso apartamento, de cuja varanda assistia, extasiado, às ressacas de
março. O pai, empreiteiro da época de ouro, Brasília nascendo, o País
transformado em apetitoso “canteiro de
obras”, jamais entendera sua opção pelos pobres. À principio, preocupou-se,
achando que seu filho estava virando “comunista”,
a lepra da época. Depois viu Luiz Claudio voltado para a vida normal: praia,
mulheres e total apatia política. O velho morreu, Luiz Claudio já formado,
deixando imensa fortuna e um sócio, que todos sabiam envolvido em grandes
corrupções. “Meu jovem”, dizia-lhe
ele, “fora da corrupção o País não se
salva. Ela é a propulsora do progresso.” Luiz Claudio, filho único e a mãe
venderam a parte da família, na Construtora e aplicavam o dinheiro. A mãe, dez
plásticas depois, foi viajar, como ela dizia, citando Proust, “em busca do tempo perdido.” Luiz Claudio
abdicou da idéia de montar consultório. Gostava da medicina, apenas pelos
mistérios da cirurgia, mas sem paixão. Fez concurso para hospital público, onde
trabalhava 20 horas por semana. Um dia, naquela mesma praia, num sábado
suburbano, como aquele, conheceu Maria Clara, morena, linda e... suburbana.
Professora em um Colégio da Tijuca, morava no Andaraí, local que Luiz Claudio
conhecia, apenas por ouvir dizer. Antítese das mulheres de seu mundo. “Um bicho-do-mato, Cacá, é comer e largar”,
repetia=lhe, o inconformado André. Mas, Maria Clara era a paz, a meio daquela
loucura de Ipanema. Pela primeira vez – e ele já chegara aos 50 – Luiz Claudio
sentiu o real significado da palavra amor, mais, paixão, vontade de estar,
todos os momentos, com Maria Clara, ouvir sua voz suave, beijá-la, com ternura,
acariciá-la, passando a ponta dos dedos em sua pele macia. Falavam-se, todos os
dias, por telefone e, para evitar os amigos dele, passaram a freqüentar, nos
finais de semana, a praia do Leme. A decisão fora tomada no sábado à noite,
quando a deixou em casa. Encontrou a mãe, já de robe, pronta para dormir. – “mãe, amanhã quero que a senhora conheça a
mulher com quem vou me casar.” Dª Maria Francisca, apanhada absolutamente
desprevenida, largou o copo d’água que segurava e se jogou na poltrona. Ainda
ofegante quis saber quem era a fulana, onde morava, a que família pertencia e
nenhuma das respostas a agradou. Que não permitiria a uma suburbana qualquer
entrar em sua família; que ele, Luiz Claudio, era perfeito idiota por não
perceber que estava sendo vítima de um golpe vulgar; que ela não iria conhecer
mulher alguma, sem nome, pobre e, ainda por cima, morando no Andaraí; que, se
ele quisesse casar “com algum tipinho
desclassificado”, que fosse longe das vistas dela e que nunca mais a
procurasse; ele não mais teria mãe e ela não teria mais filho. E, batendo a
porta, com fúria, entrou em sua suíte. Luiz Claudio escutou a mãe, sem dizer
uma palavra. Depois que ela saiu, sentou-se na poltrona, que trazia o mar para
dentro da sala e ficou olhando as estrelas, que enfeitavam a noite. Desde a
morte do pai, sua mãe fora seu alfa e seu ômega. E, agora, tinha de escolher
entre ela e Maria Clara. Amava, com intensidade, as duas. A quem magoar? Dormiu
ali mesmo, pensamentos perdidos e se assustou com a manhã chegante. Trocou a
roupa amassada por um short e saiu em direção à praia. Caminhar, vagarosamente,
chutando a espuma das ondas que se desmanchavam a seus pés, sempre fora
lenitivo para suas agruras e lhe aclarava as idéias confusas, como a que o
atormentava, naquele momento: enfrentar a mãe, correndo o risco certo de
perdê-la ou abrir mão de Maria Clara, que surgira como sua única razão de
viver. Subiu na pedra do Arpoador e ficou olhando as gaivotas, mergulhando nas
águas, em busca de alimento. Sentiu que, tinha perdido a batalha em busca da
felicidade. Desceu da pedra, entrou no mar e nadou compassadamente, tendo, como
ponto de referencia, as “Cagarras”,
conjunto de ilhas, que ficava, longe, a sua frente. Não pensava em nada, apenas
seguiu, mar adentro. Sentindo-se definitivamente cansado, boiou sobre as águas,
voltando-se para a praia, agora distante. Com muito esforço, localizou seu
prédio e o contemplou, pela ultima vez. Maria Clara o esperou, inutilmente, na
praia da Barra; sua mãe esperou-o, inutilmente, para o tradicional almoço de
domingo.
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