sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Pequena História de Perdição

Os primeiros raios de sol alcançaram Luiz Claudio caminhando pela praia, ainda deserta. Duas horas seriam suficientes para que a orgia de barracas, ambulantes, crianças e adultos, gordos, magros, atléticos, marcasse o inicio de mais um sábado de verão. Ao contrario de seus amigos de beira mar, não nutria qualquer preconceito em relação à praia de fim-de-semana. Como dizia o Paulo “era a apoteose do caos”. Mas não se importava. Ficava, a uma certa distancia, como espectador de uma feira mística, observando os “brancões” a se lambuzarem de óleo; as crianças a espargirem areia nos corpos deitados, afora um ballet melancólico de estrias e barrigas debruçadas sobre calções e biquínis gastos. Podia ser, “esteticamente patético”, como dizia o Guto, do alto de sua viadice, mas para, ele, Luiz Claudio, aquele era o povo de quem extraía o apêndice e a vesícula, nos hospitais, onde trabalhava. Nascera e crescera, no outro lado do calçadão, em um imenso apartamento, de cuja varanda assistia, extasiado, às ressacas de março. O pai, empreiteiro da época de ouro, Brasília nascendo, o País transformado em apetitoso “canteiro de obras”, jamais entendera sua opção pelos pobres. À principio, preocupou-se, achando que seu filho estava virando “comunista”, a lepra da época. Depois viu Luiz Claudio voltado para a vida normal: praia, mulheres e total apatia política. O velho morreu, Luiz Claudio já formado, deixando imensa fortuna e um sócio, que todos sabiam envolvido em grandes corrupções. “Meu jovem”, dizia-lhe ele, “fora da corrupção o País não se salva. Ela é a propulsora do progresso.” Luiz Claudio, filho único e a mãe venderam a parte da família, na Construtora e aplicavam o dinheiro. A mãe, dez plásticas depois, foi viajar, como ela dizia, citando Proust, “em busca do tempo perdido.” Luiz Claudio abdicou da idéia de montar consultório. Gostava da medicina, apenas pelos mistérios da cirurgia, mas sem paixão. Fez concurso para hospital público, onde trabalhava 20 horas por semana. Um dia, naquela mesma praia, num sábado suburbano, como aquele, conheceu Maria Clara, morena, linda e... suburbana. Professora em um Colégio da Tijuca, morava no Andaraí, local que Luiz Claudio conhecia, apenas por ouvir dizer. Antítese das mulheres de seu mundo. “Um bicho-do-mato, Cacá, é comer e largar”, repetia=lhe, o inconformado André. Mas, Maria Clara era a paz, a meio daquela loucura de Ipanema. Pela primeira vez – e ele já chegara aos 50 – Luiz Claudio sentiu o real significado da palavra amor, mais, paixão, vontade de estar, todos os momentos, com Maria Clara, ouvir sua voz suave, beijá-la, com ternura, acariciá-la, passando a ponta dos dedos em sua pele macia. Falavam-se, todos os dias, por telefone e, para evitar os amigos dele, passaram a freqüentar, nos finais de semana, a praia do Leme. A decisão fora tomada no sábado à noite, quando a deixou em casa. Encontrou a mãe, já de robe, pronta para dormir. – “mãe, amanhã quero que a senhora conheça a mulher com quem vou me casar.” Dª Maria Francisca, apanhada absolutamente desprevenida, largou o copo d’água que segurava e se jogou na poltrona. Ainda ofegante quis saber quem era a fulana, onde morava, a que família pertencia e nenhuma das respostas a agradou. Que não permitiria a uma suburbana qualquer entrar em sua família; que ele, Luiz Claudio, era perfeito idiota por não perceber que estava sendo vítima de um golpe vulgar; que ela não iria conhecer mulher alguma, sem nome, pobre e, ainda por cima, morando no Andaraí; que, se ele quisesse casar “com algum tipinho desclassificado”, que fosse longe das vistas dela e que nunca mais a procurasse; ele não mais teria mãe e ela não teria mais filho. E, batendo a porta, com fúria, entrou em sua suíte. Luiz Claudio escutou a mãe, sem dizer uma palavra. Depois que ela saiu, sentou-se na poltrona, que trazia o mar para dentro da sala e ficou olhando as estrelas, que enfeitavam a noite. Desde a morte do pai, sua mãe fora seu alfa e seu ômega. E, agora, tinha de escolher entre ela e Maria Clara. Amava, com intensidade, as duas. A quem magoar? Dormiu ali mesmo, pensamentos perdidos e se assustou com a manhã chegante. Trocou a roupa amassada por um short e saiu em direção à praia. Caminhar, vagarosamente, chutando a espuma das ondas que se desmanchavam a seus pés, sempre fora lenitivo para suas agruras e lhe aclarava as idéias confusas, como a que o atormentava, naquele momento: enfrentar a mãe, correndo o risco certo de perdê-la ou abrir mão de Maria Clara, que surgira como sua única razão de viver. Subiu na pedra do Arpoador e ficou olhando as gaivotas, mergulhando nas águas, em busca de alimento. Sentiu que, tinha perdido a batalha em busca da felicidade. Desceu da pedra, entrou no mar e nadou compassadamente, tendo, como ponto de referencia, as “Cagarras”, conjunto de ilhas, que ficava, longe, a sua frente. Não pensava em nada, apenas seguiu, mar adentro. Sentindo-se definitivamente cansado, boiou sobre as águas, voltando-se para a praia, agora distante. Com muito esforço, localizou seu prédio e o contemplou, pela ultima vez. Maria Clara o esperou, inutilmente, na praia da Barra; sua mãe esperou-o, inutilmente, para o tradicional almoço de domingo.

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