Para minha triste surpresa, chego, à noite e, contrariando
seu hábito, Rodolfo não vem me receber, restando amuado a um canto. Nara se
aproxima, numa recepção meramente protocolar: cheira minha mão, ao invés de
mordê-la, abana o rabo, sem qualquer emoção e, cabeça baixa, retira-se para o
fundo da garagem. Por óbvio, houve entrevero entre eles, mas deixo para apurar
os fatos, após o jantar. Foi o que fiz! Chamei Rodolfo, mantendo Nara afastada.
Que cada um apresentasse sua versão! Fui direto ao ponto: “e, aí, Rodolfo o que houve entre você e a Nara, que vocês estão com
cara de que comeram ração estragada?” – “Nada de muito grave. É que a Nara, depois de velha, ficou ranzinza. É
que veio o homem, que faz a leitura do consumo de luz, um folgado, que encosta
no portão. Eu, que estava mais perto, parti pra cima dele e, quando a Nara, que
estava deitada, chegou, o cara já tinha
pulado pro meio da rua. Ela ficou histérica, que quem tinha que avançar no
sujeito era ela; que eu era um alemão nazista, que achava que era melhor do que
os outros só porque era raça pura. Fiquei chateado, sempre gostei da Nara, sou
apenas descendente de alemão, não acredito nessa história de raça pura, sou
democrata, tanto que apoio a Angela Merkel.” Deixei Rodolfo de lado e fui
conversar com a Nara, explicar-lhe que a pior ofensa que se pode fazer a um
alemão, nos dias de hoje, é chamá-lo de nazista. E mais, que ao contrário do
que pensa muita gente, esta história de raça pura não começou na Alemanha
nazista. Vou ler um trecho, extraído de um livro e depois – disse-lhe – você
vai me dizer quem o escreveu: “o grande
problema da civilização é assegurar um aumento relativo daquilo que tem valor,
quando comparado aos elementos menos
valiosos e nocivos da população. Eu desejo muito que se possa evitar
completamente a procriação de pessoas erradas. E, o que se deve fazer quando a
natureza maligna dessas pessoas for suficientemente flagrante? Os criminosos
devem ser esterilizados, e aqueles, mentalmente retardados, devem ser impedidos
de deixar descendência. A ênfase deve ser dada à procriação de pessoas
adequadas.” “ Antes que você me diga
que extraí esse trecho do livro “Minha Luta”, do malfadado Adolf Hitler, devo
esclarecer que essas palavras foram proferidas por Theodore Roosevelt, presidente
norte-americano, no início do século XX. Aliás estudos e experiências, objetivando apurar a
existência de uma “raça pura superior”, começaram, nos Estados Unidos, ao final
do século XIX, patrocinados pela “Fundação Rockefller”. É claro que o nazismo
aproveitou esses estudos, levando-os ao extremo, na perseguição aos judeus, mas
o tempo passou, as feridas da 2 guerra, de larga data, cicatrizaram-se e os
alemães de hoje, inclusive o Rodolfo, não guardam a menor relação com aquele
tempo sombrio e seus homens tenebrosos. Veja que a Primeira Ministra, Angela
Merkel, assumindo todos os riscos políticos, é a maior defensora de a Europa
acolher os refugiados da Síria e a Alemanha, hoje, talvez seja o país da
comunidade europeia, onde mais ocorra miscigenação racial. Portanto, acabou
esta história de raça pura. Agora, vá lá, peça
desculpas ao Rodolfo, pois grandes afetos não podem ficar sujeitos a pequenos
ressentimentos.”
Nara dirigiu-se, lentamente, ao local, onde Rodolfo se
encontrava, deitou-se ao lado dele e lambeu-lhe a orelha. Estava restaurada a
paz!