Ontem, Rodolfo me levou às lagrimas. (É o “alemão” se instalando, vaticinou minha
esposa). Chego em casa, à noite e a chuva, que caia copiosamente, impede-me de
sair do carro. Do lado de dentro, Rodolfo abandonava o conforto de seu abrigo e
se posta ao portão, debaixo da chuva, esperando-me entrar. Faço gestos para que
ele se recolha, mas ele se limita a olhar-me. Desisto, saio do carro e divido
com ele o aguaceiro. Ele, alegre, molha-me o terno, recém-chegado da
lavanderia. Eu o abraço também. Carinho tanto, quem pode negar. Hoje na saída,
ele me cumprimenta e, indiscretamente, quer saber quantos anos faço e o que
ainda pretendo da vida. Respondo-lhe que todos temos 03 idades: a da carteira
da identidade, a que imaginamos ter e a que os outros nos atribuem. Mando que
ele escolha e guarde a resposta, em silêncio. Quanto ao que pretendo, como
estou apressado, digo-lhe que vou pensar no assunto e, depois, conversaremos.
Aproveito o espaço do almoço (luto, ingloriamente, para perder uns quilos) para
esta reflexão. Na minha sala de trabalho, encontro a resposta. Nela, em forma
de retratos, está tudo que valeu a pena viver: a família, solidamente
constituída, muito mais pelos méritos de Renata, companheira de uma vida
inteira. A fotografia de eu menino, lembrança da infância, quando, voltando do
grupo escolar, atirava a pasta no pé de tamarindo, para saborear o azedo fruto.
E, aqui ao lado, o nosso time de futebol, todos jovens, sonhadores... e magros
e uma saudade enorme do Nelson, amigo desde o primeiro ano que morreu,
primeiro, quando se lhe foi a filha adolescente. E a galeria se completa,
mostrando o que também de bom tive, meus cachorros, companheiros e confidentes.
Enfileirados, de ambos os lados, meus santos protetores, que afastam os perigos
e vicissitudes e apascentam minhas angústias, nesta profissão em que se vive a
angústia alheia. Descubro, assim, que tenho mais do que esperava ter. Concluo
que combati o combate. Se o fiz bem ou mal, aguardarei o julgamento divino. Se
não espero o céu – tantos pecados cometidos,
sem arrependimento -, pretensiosamente acho que não mereço o inferno. Talvez um
estágio no purgatório. Eis ai, Rodolfo, o que pretendo da vida: encerrá-la da
forma a mais digna possível, contando com a misericórdia divina e com o “lobby” de meus santos protetores.
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