Rodolfo anda meio deprimido, nos últimos dias. É que as
constantes chuvas, que caem, ao brotar a noite, impedem nossos diários
passeios. E, quando ele fica assim, recolhe-se a um canto e, apenas por
obrigação, cumprimenta-me, quando chego. Ontem, após o jantar, resolvi
procurá-lo para conversar, tirá-lo daquele estado de quase desânimo. Afinal,
amizade não é só para verânicos dias de sol. Caia chuva fina, por isso
sentei-me na cadeira de vime, embaixo da escada, onde estaríamos, eu e ele,
protegidos. Ele se postou a meu lado, ambos em silêncio, eu lhe acariciando o
pelo macio. Eternos minutos se passaram, a chuva, como tênue cortina,
derramando-se sobre a luz do poste defronte. Seu suspirar mais forte – sinal
que aprendi a reconhecer -, indicava que ele começaria a falar. Não deu outra:
“sabe, meu caro, qual é a maior característica de
vocês, seres humanos? A hipocrisia, coisa que nós, considerados irracionais,
desconhecemos. Eu, por exemplo, não escondo minha preferência, quase amor, pela
Nara, que me acolheu, quando cheguei aqui, já lá vão 5 anos. Dos cachorros do
fundo, suporto o Clóvis, apesar de ser muito chato, late sem causa. Por outro
lado, detesto o Romeu e o Olavo, especialmente este último que, por mais que
você queira esconder, é seu preferido. Não me importo com esta preferência,
porque sei e reconheço seu carinho por mim, só não divido espaço com eles que,
se vierem por aqui, vão levar pau. Sou transparente!” – “você está me chamando de hipócrita, Rodolfo?”
– “não exatamente, estou apenas
exemplificando. Na verdade, minha reflexão sobre hipocrisia nada tem a ver com
você, especificamente, se bem que o vejo contraditório, em relação à
“lava-jato”: para uso externo, fazendo o gênero “politicamente correto”, você a
aplaude, mas, no particular, você a critica, considera-a revestida de
interesses políticos, com ações arbitrarias etc. Todavia, o que quero destacar
é o episódio da prisão do Eike Batista. O cara saiu daqui, antes da decretação
de sua prisão, saiu normalmente, com passaporte alemão. Se, ao invés de ter ido
para os Estados Unidos, tivesse ido para a Alemanha, lá ficaria, livre e solto,
porque tem cidadania alemã. Mas o cara voltou, de livre e espontânea vontade,
dizendo que queria colaborar com a justiça. No aeroporto de Nova York, foi
cercado por brasileiros sorridentes, tirando “selfie” com ele. Quando
desembarcou aqui e foi conduzido para o presídio, na periferia do Rio, lá
estava o pessoal do “pobrismo” (expressão do filósofo Luiz Felipe Pondé, que é
ótima), a vaiá-lo, chamá-lo de ladrão e outras coisas. Ora, se ele podia fugir
para a Alemanha, lá ficar, confortavelmente, sem risco de ser preso, mas, mesmo
assim, resolveu voltar, precisaria ser preso, ter a cabeça raspada? Você não
acha que, no fundo, é essa aversão que a
sociedade tem pelo rico? Quem não gostaria de ter sido casado com a Luma de
Oliveira e ter uma “lamborghini!”? Como não conseguem nem uma coisa, nem outra,
o “pobrismo” tem orgasmos múltiplos ao ver um rico, como Eike Batista, ser
humilhado. Não digo que ele não deva ser punido, se cometeu crimes, mas não
podia responder ao processo em liberdade, ou, na pior das hipóteses, em prisão
domiciliar, pagando polpuda fiança? Veja como estas coisas funcionam em países
desenvolvidos: o nosso José Maria Marin
responde a um processo, movido pela justiça norte-americana, mas está preso,
enquanto corre o processo, em seu apartamento na “Trump Tower”, com
tornozeleira eletrônica, de onde só pode sair, em condições especialíssimas.
Lá, ao contrário daqui, a “presunção da inocência” não fica só no papel. Com
certeza, no meio daquele “pobrismo”, que vaiou o Eike Batista, tem traficante,
ladrão que furta celular, tudo “pé-de´chinelo”, que nem mesmo sabe porque está
se manifestando. E esse “pobrismo” chega até a mídia, principalmente naquela
dominada pela esquerda que, derrotada pela história, quer, a todo custo, passar
a imagem de que o capitalismo está podre e nosso empresariado, sem exceção,
sobrevive pela utilização de métodos escusos. Esquecem, ou melhor, omitem que
quem gera a corrupção – eu até diria a necessidade de corromper – é o Estado,
que cria emaranhado de regras, nós que, para serem desatados, só na base da propina. Todos
sabemos disto, todos, nas mais diversas
circunstâncias, já tivemos que estender um “pixulé” a um agente público,
para resolver ou facilitar a resolução de situação, tornada difícil pela
burocracia pública. Agora, fica todo mundo, hipocritamente, fazendo ar de
vestal, transformando Sergio Moro em herói nacional e fingindo acreditar que a
“lava-jato” vai inaugurar um “novo tempo”. Prenderam empresários, quebraram
construtoras, gerado milhares de desemprego, tudo isto em nome da honra
nacional, mas o que, na verdade, fizeram foi institucionalizar esta coisa
repugnante, chamada “dedurismo”, que, a meu canino juízo, é o câncer moral do
ser humano. Arre, como vocês são
desprezíveis!” Ouvi, em silêncio, o discurso do Rodolfo e, como a chuva
tivesse dado trégua, soltei-o na rua, para que ele espairecesse um pouco.
Depois, entrei, liguei a televisão e fiquei sabendo do novo presidente do
Senado, eleito até com o apoio do PT e que Renan tinha se tornado líder do
PMDB. Espero que Rodolfo não tenha, ainda, tomado conhecimento da noticia. Na
dúvida, evitarei me encontrar com ele, pelos menos até amanhã.
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