quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Reflexões Roldofianas em melancólica noite de chuva



Rodolfo anda meio deprimido, nos últimos dias. É que as constantes chuvas, que caem, ao brotar a noite, impedem nossos diários passeios. E, quando ele fica assim, recolhe-se a um canto e, apenas por obrigação, cumprimenta-me, quando chego. Ontem, após o jantar, resolvi procurá-lo para conversar, tirá-lo daquele estado de quase desânimo. Afinal, amizade não é só para verânicos dias de sol. Caia chuva fina, por isso sentei-me na cadeira de vime, embaixo da escada, onde estaríamos, eu e ele, protegidos. Ele se postou a meu lado, ambos em silêncio, eu lhe acariciando o pelo macio. Eternos minutos se passaram, a chuva, como tênue cortina, derramando-se sobre a luz do poste defronte. Seu suspirar mais forte – sinal que aprendi a reconhecer -, indicava que ele começaria a falar. Não deu outra: “sabe,   meu caro, qual é a maior característica de vocês, seres humanos? A hipocrisia, coisa que nós, considerados irracionais, desconhecemos. Eu, por exemplo, não escondo minha preferência, quase amor, pela Nara, que me acolheu, quando cheguei aqui, já lá vão 5 anos. Dos cachorros do fundo, suporto o Clóvis, apesar de ser muito chato, late sem causa. Por outro lado, detesto o Romeu e o Olavo, especialmente este último que, por mais que você queira esconder, é seu preferido. Não me importo com esta preferência, porque sei e reconheço seu carinho por mim, só não divido espaço com eles que, se vierem por aqui, vão levar pau. Sou transparente!” – “você está me chamando de hipócrita, Rodolfo?” – “não exatamente, estou apenas exemplificando. Na verdade, minha reflexão sobre hipocrisia nada tem a ver com você, especificamente, se bem que o vejo contraditório, em relação à “lava-jato”: para uso externo, fazendo o gênero “politicamente correto”, você a aplaude, mas, no particular, você a critica, considera-a revestida de interesses políticos, com ações arbitrarias etc. Todavia, o que quero destacar é o episódio da prisão do Eike Batista. O cara saiu daqui, antes da decretação de sua prisão, saiu normalmente, com passaporte alemão. Se, ao invés de ter ido para os Estados Unidos, tivesse ido para a Alemanha, lá ficaria, livre e solto, porque tem cidadania alemã. Mas o cara voltou, de livre e espontânea vontade, dizendo que queria colaborar com a justiça. No aeroporto de Nova York, foi cercado por brasileiros sorridentes, tirando “selfie” com ele. Quando desembarcou aqui e foi conduzido para o presídio, na periferia do Rio, lá estava o pessoal do “pobrismo” (expressão do filósofo Luiz Felipe Pondé, que é ótima), a vaiá-lo, chamá-lo de ladrão e outras coisas. Ora, se ele podia fugir para a Alemanha, lá ficar, confortavelmente, sem risco de ser preso, mas, mesmo assim, resolveu voltar, precisaria ser preso, ter a cabeça raspada? Você não acha que, no fundo, é essa  aversão que a sociedade tem pelo rico? Quem não gostaria de ter sido casado com a Luma de Oliveira e ter uma “lamborghini!”? Como não conseguem nem uma coisa, nem outra, o “pobrismo” tem orgasmos múltiplos ao ver um rico, como Eike Batista, ser humilhado. Não digo que ele não deva ser punido, se cometeu crimes, mas não podia responder ao processo em liberdade, ou, na pior das hipóteses, em prisão domiciliar, pagando polpuda fiança? Veja como estas coisas funcionam em países desenvolvidos:  o nosso José Maria Marin responde a um processo, movido pela justiça norte-americana, mas está preso, enquanto corre o processo, em seu apartamento na “Trump Tower”, com tornozeleira eletrônica, de onde só pode sair, em condições especialíssimas. Lá, ao contrário daqui, a “presunção da inocência” não fica só no papel. Com certeza, no meio daquele “pobrismo”, que vaiou o Eike Batista, tem traficante, ladrão que furta celular, tudo “pé-de´chinelo”, que nem mesmo sabe porque está se manifestando. E esse “pobrismo” chega até a mídia, principalmente naquela dominada pela esquerda que, derrotada pela história, quer, a todo custo, passar a imagem de que o capitalismo está podre e nosso empresariado, sem exceção, sobrevive pela utilização de métodos escusos. Esquecem, ou melhor, omitem que quem gera a corrupção – eu até diria a necessidade de corromper – é o Estado, que cria emaranhado de regras, nós que, para serem  desatados, só na base da propina. Todos sabemos disto, todos, nas mais diversas  circunstâncias, já tivemos que estender um “pixulé” a um agente público, para resolver ou facilitar a resolução de situação, tornada difícil pela burocracia pública. Agora, fica todo mundo, hipocritamente, fazendo ar de vestal, transformando Sergio Moro em herói nacional e fingindo acreditar que a “lava-jato” vai inaugurar um “novo tempo”. Prenderam empresários, quebraram construtoras, gerado milhares de desemprego, tudo isto em nome da honra nacional, mas o que, na verdade, fizeram foi institucionalizar esta coisa repugnante, chamada “dedurismo”, que, a meu canino juízo, é o câncer moral do ser humano. Arre,  como vocês são desprezíveis!” Ouvi, em silêncio, o discurso do Rodolfo e, como a chuva tivesse dado trégua, soltei-o na rua, para que ele espairecesse um pouco. Depois, entrei, liguei a televisão e fiquei sabendo do novo presidente do Senado, eleito até com o apoio do PT e que Renan tinha se tornado líder do PMDB. Espero que Rodolfo não tenha, ainda, tomado conhecimento da noticia. Na dúvida, evitarei me encontrar com ele, pelos menos até amanhã.

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