quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

A justiça, onde mora a justiça?



O pai, desempregado há mais de um ano, inicia mais um dia de andarilho, em busca de trabalho. Antes, deixará seu filho de nove anos, na escola pública do bairro. Beija-o, na despedida e seus olhos se umedecem quando a criança, pendurando-lhe no pescoço, diz-lhe ao ouvido: “não esqueça meu presente de aniversário”. Pois chegara o dia, era hoje e o filho, já fazia uma semana, repetia que queria uma camiseta de seu time preferido. Depois de 15 anos no mesmo emprego, a empresa simplesmente fechara as portas, sem nada pagar aos quase 100 funcionários que lutavam, na justiça, para, pelo menos, levantar o fundo de garantia. Ele passando dos 40, já gastara a sola do sapato, procurando emprego, progressivamente baixando o nível de exigência. Viviam todos às custas da esposa, com seu pouco salário de auxiliar de enfermagem. Tudo que tinha, no bolso, naquele momento, eram dois bilhetes do metrô e 10 reais. O dia transcorrera como os anteriores: o restaurante já suprira a vaga de gerente, a Construtora recebera seu currículo e comunicou que, oportunamente, ele seria convocado para entrevista e, assim se repetiu, em quatro outros lugares. A tarde morria e ele, com o estômago gritando, por falta de comida, misturava angústia e pânico. Aproximava-se a hora de buscar o filho na escola. Como dizer que não comprara a camiseta esperada? Como lidar com a tristeza do filho, com as lágrimas do filho, incapaz de entender e aceitar “não deu pra comprar, filho!”. Ele arrastava o peso de seu fracasso, como pai e como homem, quando se viu à porta de imensa loja de material esportivo. Impulsionado por força imperceptível, entrou, passeou pelos corredores e lá estava a camiseta, pretendida pelo filho. Retirou-a do cabide, colocou-a sobre o ombro e saiu, calmamente. Já na rua, entre pedestres assustados, foi preso, algemado e conduzido à delegacia próxima. Não esboçou qualquer reação e pediu para ligar para a esposa: naquele dia não poderia buscar o filho, que esperou pelo presente, que não veio. Por dois dias, aquele homem ficou preso, em cela infecta, cercado por criminosos de todo o gênero e, agora, em seus assentamentos, consta que ele responde a processo por furto, o que lhe dificultará, ainda mais, a obtenção de emprego. Responderá a um processo, cuja defesa técnica não traz maiores dificuldades, mas quem pensará a tristeza que  ficou, a alma despedaçada, a sensação de que, a mais das vezes, a justiça carrega, em seu bojo, grande injustiça? Quanto à empresa que o despediu, sonegando-lhe as verbas rescisórias, apropriando-se de seu fundo de garantia, o processo se arrasta, como sonâmbulo paquiderme e seus proprietários podem ser vistos, sorridentes, nas colunas sociais.

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