O pai, desempregado há mais de um ano, inicia mais um dia de
andarilho, em busca de trabalho. Antes, deixará seu filho de nove anos, na
escola pública do bairro. Beija-o, na despedida e seus olhos se umedecem quando
a criança, pendurando-lhe no pescoço, diz-lhe ao ouvido: “não esqueça meu presente de aniversário”. Pois chegara o dia, era
hoje e o filho, já fazia uma semana, repetia que queria uma camiseta de seu
time preferido. Depois de 15 anos no mesmo emprego, a empresa simplesmente
fechara as portas, sem nada pagar aos quase 100 funcionários que lutavam, na
justiça, para, pelo menos, levantar o fundo de garantia. Ele passando dos 40,
já gastara a sola do sapato, procurando emprego, progressivamente baixando o
nível de exigência. Viviam todos às custas da esposa, com seu pouco salário de
auxiliar de enfermagem. Tudo que tinha, no bolso, naquele momento, eram dois
bilhetes do metrô e 10 reais. O dia transcorrera como os anteriores: o
restaurante já suprira a vaga de gerente, a Construtora recebera seu currículo
e comunicou que, oportunamente, ele seria convocado para entrevista e, assim se
repetiu, em quatro outros lugares. A tarde morria e ele, com o estômago
gritando, por falta de comida, misturava angústia e pânico. Aproximava-se a
hora de buscar o filho na escola. Como dizer que não comprara a camiseta
esperada? Como lidar com a tristeza do filho, com as lágrimas do filho, incapaz
de entender e aceitar “não deu pra
comprar, filho!”. Ele arrastava o peso de seu fracasso, como pai e como
homem, quando se viu à porta de imensa loja de material esportivo. Impulsionado
por força imperceptível, entrou, passeou pelos corredores e lá estava a
camiseta, pretendida pelo filho. Retirou-a do cabide, colocou-a sobre o ombro e
saiu, calmamente. Já na rua, entre pedestres assustados, foi preso, algemado e
conduzido à delegacia próxima. Não esboçou qualquer reação e pediu para ligar
para a esposa: naquele dia não poderia buscar o filho, que esperou pelo
presente, que não veio. Por dois dias, aquele homem ficou preso, em cela
infecta, cercado por criminosos de todo o gênero e, agora, em seus assentamentos,
consta que ele responde a processo por furto, o que lhe dificultará, ainda
mais, a obtenção de emprego. Responderá a um processo, cuja defesa técnica não
traz maiores dificuldades, mas quem pensará a tristeza que ficou, a alma despedaçada, a sensação de que,
a mais das vezes, a justiça carrega, em seu bojo, grande injustiça? Quanto à
empresa que o despediu, sonegando-lhe as verbas rescisórias, apropriando-se de
seu fundo de garantia, o processo se arrasta, como sonâmbulo paquiderme e seus
proprietários podem ser vistos, sorridentes, nas colunas sociais.
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