Já era a quarta ou quinta vez que Duarte (claro que este não
é seu nome verdadeiro!) me procurava para falar da separação:
- “Doutor, o senhor
pode me explicar, outra vez, este negócio de pensão alimentícia?”
- “Claro, Duarte, mas você já conversou com a
sua esposa?”
- “Ainda não! Ameaço
falar, mas na hora me dá um negócio, mudo de assunto, que que eu faço, doutor?”
- “Meu caro, esta é
decisão sua, ou melhor, sua e dela. Afinal, vocês querem se separar?”
- “Ela, eu não sei, eu,
acho que quero. Afinal, são quase 30 anos juntos, nosso único filho casou,
mudou para a Espanha. Fica aquela coisa chata, sem assunto, sexo, só muito de
vez em quando, quase obrigação. Sinto que está ruim para mim e para ela.”
- “Mas casamento é assim
mesmo, Duarte, depois de um certo tempo cai na monotonia, fica o compromisso, a
amizade. Me diz uma coisa, tem outra mulher no pedaço?”
- “Que é isto, doutor?
Nunca traí minha mulher, só tem, desculpe a expressão, que estou de saco cheio
desta monotonia que o senhor falou. Doutor, posso trazer minha mulher, aí a
gente conversa juntos e resolvemos tudo de uma vez?”
Ontem, uma semana depois, aparece Duarte, acompanhado da
esposa, alguma coisa entre 55 e 60, elegante e ainda em boa forma. Digamos que
se chamasse Neusa. Sentamos os três na mesa de reunião, ela pediu permissão
para acender um cigarro e foi logo falando:
- “Doutor, o senhor me
desculpe, mas até agora não sei o que vim fazer aqui. O Duarte apenas disse que
era muito importante. Acho que ele não anda bom da cabeça. Tem quase um ano
que, volta e meia, ele chega em casa, senta no sofá e, com ar solene, diz que
tem uma coisa importante para dizer, eu fico esperando a novidade e ele diz que
a camisa sumiu, que o liquidificador não funciona, que o carro está com um
barulho esquisito. Isto é lá coisa importante? E o pior é que a camisa está
pendurada no armário, o liquidificador está ótimo e o carro não tem barulho
algum. Agora, veio com esta historia de advogado. O que está acontecendo,
doutor, ele está com alguma doença grave e não quer me contar?”
Do outro lado da mesa, cabeça baixa, estalando os dedos,
Duarte permanecia em silencio. Resolvi entrar no assunto:
- “E aí, Duarte, fala
você ou falo eu?”
Ele, vermelho, gaguejando, liquidou a conversa:
- “Sabe, querida, é que
eu estou comprando um apartamento novo para nós, e o doutor está cuidando da
papelada.”
Tomei um susto, quando a esposa deu um tapa na mesa,
contrariada:
- “Mas precisava me
trazer até aqui só para dizer isto? Não falei, doutor, que ele não está bom da
cabeça?”
Olhei para o Duarte e apenas sorri, dizendo, em cumplicidade?
- “É que ele queria
fazer surpresa para a senhora. Afinal, é um magnífico apartamento, 04
dormitórios, com o que há de mais moderno, em um dos melhores bairros da cidade.”
- “E onde ele arranjou
dinheiro para comprar esse apartamento?”
- “Ah, minha senhora,
isto, depois, a senhora pergunta para ele.”
Despedi-me do casal, Duarte, mudo, mão suada, apenas fez um
movimento de cabeça, provavelmente imaginando qual historia teria que contar.
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