quarta-feira, 27 de julho de 2016

Um não processo de separação

Já era a quarta ou quinta vez que Duarte (claro que este não é seu nome verdadeiro!) me procurava para falar da separação:
- “Doutor, o senhor pode me explicar, outra vez, este negócio de pensão alimentícia?”
-  “Claro, Duarte, mas você já conversou com a sua esposa?”
- “Ainda não! Ameaço falar, mas na hora me dá um negócio, mudo de assunto, que que eu faço, doutor?”
- “Meu caro, esta é decisão sua, ou melhor, sua e dela. Afinal, vocês querem se separar?”
- “Ela, eu não sei, eu, acho que quero. Afinal, são quase 30 anos juntos, nosso único filho casou, mudou para a Espanha. Fica aquela coisa chata, sem assunto, sexo, só muito de vez em quando, quase obrigação. Sinto que está ruim para mim e para ela.”
- “Mas casamento é assim mesmo, Duarte, depois de um certo tempo cai na monotonia, fica o compromisso, a amizade. Me diz uma coisa, tem outra mulher no pedaço?”
- “Que é isto, doutor? Nunca traí minha mulher, só tem, desculpe a expressão, que estou de saco cheio desta monotonia que o senhor falou. Doutor, posso trazer minha mulher, aí a gente conversa juntos e resolvemos tudo de uma vez?”
Ontem, uma semana depois, aparece Duarte, acompanhado da esposa, alguma coisa entre 55 e 60, elegante e ainda em boa forma. Digamos que se chamasse Neusa. Sentamos os três na mesa de reunião, ela pediu permissão para acender um cigarro e foi logo falando:
- “Doutor, o senhor me desculpe, mas até agora não sei o que vim fazer aqui. O Duarte apenas disse que era muito importante. Acho que ele não anda bom da cabeça. Tem quase um ano que, volta e meia, ele chega em casa, senta no sofá e, com ar solene, diz que tem uma coisa importante para dizer, eu fico esperando a novidade e ele diz que a camisa sumiu, que o liquidificador não funciona, que o carro está com um barulho esquisito. Isto é lá coisa importante? E o pior é que a camisa está pendurada no armário, o liquidificador está ótimo e o carro não tem barulho algum. Agora, veio com esta historia de advogado. O que está acontecendo, doutor, ele está com alguma doença grave e não quer me contar?”
Do outro lado da mesa, cabeça baixa, estalando os dedos, Duarte permanecia em silencio. Resolvi entrar no assunto:
- “E aí, Duarte, fala você ou falo eu?”
Ele, vermelho, gaguejando, liquidou a conversa:
- “Sabe, querida, é que eu estou comprando um apartamento novo para nós, e o doutor está cuidando da papelada.”
Tomei um susto, quando a esposa deu um tapa na mesa, contrariada:
- “Mas precisava me trazer até aqui só para dizer isto? Não falei, doutor, que ele não está bom da cabeça?”
Olhei para o Duarte e apenas sorri, dizendo, em cumplicidade?
- “É que ele queria fazer surpresa para a senhora. Afinal, é um magnífico apartamento, 04 dormitórios, com o que há de mais moderno, em um dos melhores bairros da cidade.”
- “E onde ele arranjou dinheiro para comprar esse apartamento?”
- “Ah, minha senhora, isto, depois, a senhora pergunta para ele.”

Despedi-me do casal, Duarte, mudo, mão suada, apenas fez um movimento de cabeça, provavelmente imaginando qual historia teria que contar.

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