quinta-feira, 14 de julho de 2016

Do direito de não ir



Quase em pânico, recebo convite para casamento, com direito à recepção, de filha de cliente especial. Explico o quase pânico: tenho um amigo – longeva amizade -,ilustre jornalista, com quem comungo do mesmo trauma: convite para participação em eventos sociais. Confessa-me ele que, recebido o convite, começa a sofrer, com antecedência, engendrando  desculpa para não ir. Eu, menos educado, simplesmente não vou, sem qualquer justificativa e tantos faltei que, hoje, não sou mais convidado, o que me dá enorme alivio. Lembro-me dos sufocos passados em jantares idos e vividos. Se o jantar for ‘’à americana’’, o desconforto é total: sair, equilibrando prato, talheres e copo, em busca de lugar para se apoiar, quem há de? Fui, certa feita, a casamento de bacana, recepção no Jóquei, prá lá de 500 pessoas. Sentado em almofadão, conquistado graças à ‘’pior idade’’, lutei, inutilmente, com os frutos do mar, que sambavam no prato. Ao longo do tempo, desenvolvi uma estratégia em jantares ‘’à americana’’: só coloco no prato o que posso espetar com o garfo, desprezo total pela faca. E quando o jantar é ‘’à francesa’’, com lugares marcados? Você senta em uma mesa, em companhia de desconhecidos, ou quase, correndo o risco de ferir susceptibilidades dos circunvizinhos, ou ficar naquela conversa vazia, que dura alguns minutos e, de repente, faz-se estrondoso silencio. Sei lá se, à esquerda, está sentado petista histórico e eu começo a desancar Lula? Não foi o caso da então Ministra Katia Abreu que jogou um copo d’água no rosto do Senador José Serra? Alguns anos atrás fui convidado para jantar, com lugar marcado, no ‘’Clube Paineiras’’. Aniversário de colega ilustre, com bom trânsito no Poder Judiciário. Colocaram-me numa mesa, ao lado de Desembargador de uma das Câmaras Criminais de nosso Tribunal de Justiça. No começo, tudo bem, apesar da chatice de S.Excia., a falar da influencia do direito penal alemão no direito brasileiro. Só que lá pelas tantas, depois do dito cujo ter entornado seguidas e generosas doses de uísque, passou ele a contar piadas picantes e, como todo chato bêbado que se preza, ao final da piada, gargalhava, cuspia e dava tapa nos ombros vizinhos, eu um deles. Na primeira brecha, chamei minha esposa para dançar e, da pista, tomamos o rumo de casa, deixando nossos lugares vagos, na mesa. E comemorações de aniversário de formatura, pode haver coisa mais tétrica? Meu amigo jornalista chama-as ‘’circo dos horrores’’. E não é? ‘’Quem é aquela senhora, apoiada na bengala?’’, pergunta um, ao que o outro, mais enturmado, responde: ‘’é fulana, aquela gostosa, que esnobava todo mundo, você não se lembra?’’ E o pensamento viaja no tempo, querendo estabelecer relação entre a velha caquética de hoje e a ‘’gostosa’’ de milênios atrás. E, aí, é inevitável você se perguntar: ‘’será que eu também estou tão derrubado, assim?’’ É claro que está, apesar dos colegas, em auto-proteção, afirmarem ‘’você está ótimo, não mudou nada’’. Como é mesmo aquele verso de Fernando Pessoa? ‘’Eu me verei em teus olhos e tu te verás nos meus’’. Dura realidade.

É por estas e outras que repudio convites para eventos de qualquer natureza. Prefiro a segurança de minha casa e a companhia de meus cachorros que, de mim, só esperam mesmo um afago e que me retribuem com latidos de alegria. Mas, o que fazer com o convite que repousa, desafiador sobre a mesa? E o pior é que tem ‘’RSVP’’, o que significa jantar de lugar marcado. Talvez um infarto, até lá, resolva esta angustia!  

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