Como hoje é sexta-feira, dia de amenidades, vou falar com o
coração, já que falo do Botafogo, que completa 110 anos, dos quais, pelo menos
60, passei a seu lado. Foram muitos anos, alegrias e tristezas, mas, como dizia
Vinicius, poeta botafoguense, ‘’um
renovar de esperanças’’. Sempre! Lembro-me das tardes ensolaradas, ou das
noites estreladas, ou das nuvens cinzentas, ou do frio pouco, ou do calor
muito, todas elas vividas, intensamente, enquanto a Estrela Solitária percorria
os gramados, eu, o grito parado na garganta, ou gritado a plenos pulmões.
Casei, tive filhos, vieram os cabelos brancos, foram muitos deles, mudei três
vezes de pouso, mas o Botafogo ficou, constante, em sua inconstância, paixão
ardente que esmaece, mas jamais se extingue, como eu, tantas vezes inconstante,
tantas vezes esmaecido, mas vivo, presente. Acho que, também, daí, dessa
similitude, vem esse meu amor ao Glorioso. A ele e a mim soem acontecer
sumidouros de depressão, dos quais irrompemos, eventualmente, para a euforia. O
Botafogo às vezes se maltrata, como eu; o Botafogo é meio inconseqüente, como
eu e, como eu, tem os pés esquecidos em Minas Gerais e, por isso, como eu,
alterna o fervor com a indolência. Fernando Pessoa, com certeza, era Botafoguense
e só por essa razão escreveu o seu ‘’Poema
em Linha Reta’’. Dostoievski, com seus personagens alucinantes, sem dúvida,
era Botafoguense, porque somente um Botafoguense poderia ser desvairado. Por
isso já tivemos Amarildo, o Possesso, como já tivemos Nilton Santos, o doce
Nilton, que tocava a e na bola como se regesse uma sinfonia Bachiana. Por isso
tivemos Heleno de Freitas, que morreu louco em Barbacena, porque o Botafogo é,
acima de tudo, loucura.
Era um sábado estranhamente paradoxal, de um maio de 1977.
Minha alma alvinegra agitava-se: morrera Carlos Lacerda, meu guia intelectual,
meu mentor político por quem eu vibrava, desde meus 13 anos. E, no mesmo dia,
jogava o Botafogo, no Maracanã. Os mesmos olhos que se avermelharam diante do
ídolo morto acenderam-se vendo os ídolos vivos percorrerem o gramado. Porque o
Botafogo é isso: vida e morte ao mesmo tempo.
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