segunda-feira, 17 de agosto de 2015

A insensatez da vida

Fui encontrá-la, calmamente sentada no sofá, que ocupava toda a parede, defronte à porta principal, amamentando seu filho, recém-nascido. À distancia, podia-se imaginar uma quase criança – ela, chegando aos seus 15 anos – acalentando sua boneca. Mas era mãe e filho, no ato celestial da amamentação. Ao notar minha presença ela sorriu, com aquelas duas pequenas covas, que, ao sorrir, ornamentavam seu rosto, olhar e voz, quase murmúrio, de onde emanava paz, aquela vontade de ficar apenas olhando, como se contempla a estátua viva de um anjo, ou um próprio anjo vivo que surge para nos conduzir ao céu. Ela, sempre meiga, guardou o seio sagrado dentro da blusa, feita de tecido simples, pegou a criança nos braços e ma ofereceu, para que eu a acolhesse, o que fiz com carinho e cuidados. Pequena, como ela, cabelos pretos, como os dela. Acalentei-a, por poucos minutos e a depositei no berço, porque, na verdade, por mais absurdo que o fosse, tratava-se de visita profissional. Aquela sala era, na verdade, dependência de unidade prisional, onde aquela adolescente tímida, doce, encontrava-se recolhida, há quase um ano, quando, juntamente com o namorado de 17, matou e esquartejou a mãe do mesmo. Em seu interrogatório, perante o Juiz, narrou os fatos, em todos os seus detalhes e o fez com a mesma voz, quase sussurro, com que me cumprimenta, dizendo – ‘’olá, doutor, que bom que o senhor veio me ver!’’ Afeiçoei-me dela e acredito, firmemente, na defesa que construí: que ela, egressa de família fragilizada, transferiu o afeto, que não teve, para o namorado, que manipulou seu sentimento e sua vontade, induzindo-a a participar daquela barbárie. Independentemente de minha defesa, dentro de poucos dias, amparada na legislação do menor (ECA), ela será posta em liberdade. Sairá daquele centro de recolhimento, conduzindo seu bebê, nos braços. Irá para algum lugar, onde – espero e oro – deverá receber o apoio e o carinho, que lhe foi negado, para transmiti-lo ao filho que pôs no mundo.

Ao me despedir dela, dizendo-lhe ‘’tenha paciência, faltam poucos dias’’, ela toma minha mão, coloca-a entre as dela e, com o sorriso, que ainda, neste momento, vejo e sinto, me diz: - ‘’doutor, gostaria que o senhor fosse padrinho de meu filho!’’. Eu também sorrio, desprendendo minhas mãos e digo ‘’vamos ver!’’, beijo-lhe a face e saio, quase correndo. Ao entrar no carro, não posso me conter e choro, lágrimas incontidas, atônito, incapaz de entender o enredo desta trágica historia verdadeira.

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