Sentado, quase ao pôr-do-sol, na pedra do Arpoador, Luiz
Claudio assistia ao balé mágico dos surfistas de fim de dia, deslizando sobre
as grossas ondas, daquele quase verão. Era apaixonado pelo mar, mas o tratava,
respeitosamente, por isso não se cansava de admirar a intimidade dos jovens
que, em suas pranchas multicoloridas, demonstravam serem amigos íntimos
daquelas águas agitadas. Todas as vezes que ia ao Rio, hospedava-se naquele
mesmo hotel, do outro lado da rua, especialmente por causa daquele balé. De
repente, sua contemplação foi interrompida pela chegada de uma morena, vestindo
uma blusa, cobrindo o biquíni, o que deixava, à mostra, belíssimo par de coxas
torneadas, enfeitadas por loura e brilhante penugem. Ela sentou a seu lado e,
sem o olhar, apenas exclamou: -‘’bonito, não?’’ Ele, no mesmo tom de voz,
respondeu: -‘’faz mais de 10 anos que eu olho, sem cansar, para este pedaço de
mar, ornamento por surfistas e cada vez acho mais bonito.’’
- Você pretende demorar muito tempo aqui?’’, perguntou ela.
- Acabei de chegar e só voltarei para o hotel, quando o sol
se for. Por que?
- Porque vim aqui para suicidar, jogar-me lá embaixo, entre
as pedras e o mar e você está me atrapalhando.’’
- ‘’Não é melhor esperar anoitecer? Tem muita gente aqui
perto, alguém te salva, você não morre e ainda pode ficar com seqüelas.’’
- ‘’De noite, aqui é muito perigoso, tem assalto, estupro...
Tá na cara que você não é daqui.’’
- ‘’Não, sou de São Paulo, estou hospedado no ‘’Arpoador
Inn’’, ali, do outro lado da rua. Mas, se você quer se matar mesmo, não entendo
o medo de violência’’.
- ‘’Você não vai perguntar porque eu quero suicidar?’’
- ‘’Todos temos muitas razões para viver e muitas para
morrer, além disso não sou de me meter na vida alheia.’’
- ‘’Você nunca pensou em se matar?’’
- ‘’Muitas vezes, mas as razões de viver sempre foram maiores
que as de morrer.’’
- ‘’E agora, quais são suas razões para continuar vivendo?’’
- ‘’Muitas: meus filhos, netos, meu trabalho e até este
visual incrível. Logo, logo o sol vai mergulhar no mar e cobrir as águas. Só
isto não basta?’’
- ‘’Quantos anos você tem?’’
- ‘’Faço 60 no próximo mês.’’
- ‘’Puxa, você é um quase-velho, ainda não se cansou de
viver?’’
- ‘’Ao contrario. Exatamente porque sou um quase-velho quero
aproveitar todos os momentos. E você?’’
- ‘’Eu, o que? Tenho 35 anos, gastei meu tempo aproveitando a
vida e, quando dei por mim, as amigas tinham casado com filhos me chamando de
tia. Aí vi que era o fim do caminho, como dizia o Vinicius’’.
- ‘’Não foi o Vinicius, foi o Tom, é verso de uma música
chamada ‘’águas de março’’.
- ‘’E daí, é a mesma coisa. Vocês velhos têm prazer em
corrigir, igual a meu pai.’’
- ‘’Você mora com seus pais?’’
- ‘’Não, saí de casa, lá do interior do Espírito Santo. Moro
aqui atrás, na rua quase quase’’
- ‘’Não conheço. Nome esquisito de rua!’’
- ‘’Desculpe, esqueci que você não é daqui. É como chamamos a
Bulhões de Carvalho, entendeu?’’
- ‘’Você quer que eu vá embora, para que possa se atirar lá
embaixo, sem ninguém para atrapalhar?’’
- ‘’Não, pode ficar. Ainda não resolvi se vou pular. Acho que
perdi a vontade.’’
- ‘’Então você não quer tomar um chopp com um quase velho?’’
- ‘’Quando, agora ou mais tarde?’’
- ‘’Tanto faz. Agora ou mais tarde.’’
- ‘’Depois, você, não vai querer me levar para transar?’’
- ‘’Não pensei nisto. Apenas conversar. Às vezes, abrir o
peito para um estranho, ajuda.’’
- ‘’Tudo bem, mas prefiro ir tomar o chopp no seu hotel, daí,
se der vontade de transar, a gente transa e pronto.’’
Cinco anos depois daquele encontro, vividos em intensa
paixão, Adriana (era o nome dela) trocara-o por um surfista. E, às vésperas de
completar 66 anos, Luiz Claudio, do alto da mesma pedra, procurava uma razão
para continuar vivendo.
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